SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma entidade empresarial que representa big techs, bandeiras de cartão e o sistema de pagamentos Swift denunciou o Banco Central ao governo americano por “concorrência desleal” com as empresas dos EUA. Isso porque a autoridade monetária brasileira opera o Pix ao mesmo tempo que decide quem pode participar do mercado.
A acusação consta de documento entregue pelo ITI (Information Technology Industry Council) ao USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA), que investiga supostas práticas anticoncorrenciais do Estado brasileiro. O relatório é assinado pelo brasileiro Husani Durans de Jesus, que é diretor do conselho para a região das Américas desde o ano passado.
Advogados especializados no sistema financeiro brasileiro dizem, porém, que o argumento não se sustenta porque o Pix é infraestrutura pública gratuita operada pelo Banco Central e aberta a todos os participantes. O regulador brasileiro não respondeu ao pedido de comentário da reportagem.
Na resposta em que pede que os Estados Unidos reconsiderem a investigação comercial, o governo brasileiro afirma que o Pix não discrimina empresas americanas.
Embora o ITI mencione o sucesso do Pix, que fez dobrar os serviços de pagamentos processados por companhias americanas, a entidade também afirma que “o BC não conseguiu estabelecer procedimentos de governança que evitem conflitos de interesse e a exclusão do setor privado”.
Afiliada ao ITI, a Apple, por exemplo, ficou de fora da implementação do Pix por aproximação, porque não solicitou autorização ao BC para ser uma “entidade iniciadora de pagamentos”. Essa permissão garante que um aplicativo se conecte ao Pix por meio de outra instituição financeira.
“Como medida de boa-fé, o BC deveria prontamente expandir o conceito de iniciação de pagamento para permitir que todas as redes de cartão e carteiras digitais iniciem pagamentos no Pix, de maneira que não exija acesso contínuo ou retenção de dados relacionados a clientes e transações”, diz o ITI em relatório assinado por Jesus.
A entidade de lobby argumenta que “o Banco Central impõe uma concorrência desleal às empresas de pagamentos americanas, que precisam competir com o próprio regulador”. Isso porque o Banco Central opera o Pix e define as condições de entrada no mercado.
Sócio do escritório Marchini Botelho Caselta Della Valle, o especialista em direito concorrencial Ricardo Botelho diz que a afirmação é insustentável. “O Banco Central não compete com empresas privadas, ele opera a infraestrutura central e estabelece regras de acesso não discriminatórias para que as instituições disputem entre si a oferta de serviços ao usuário final.”
“Trata-se de política pública de eficiência e inclusão, não de atividade econômica com fins concorrenciais”, avalia Botelho.
O relatório também critica outras regras do BC: a exigência de destaque do Pix nos apps, os investimentos obrigatórios em melhorias e a vedação às redes americanas.
O ITI também reclama que o Banco Central tem acesso a informações confidenciais e sensíveis das empresas que regula. “Essa estrutura permite ao BCB moldar tanto a dinâmica do mercado quanto os padrões regulatórios de maneiras que favoreçam sua própria plataforma.”
LOBISTA TAMBÉM CRITICA STF E ANATEL
No mesmo documento entregue ao USTR, o ITI ainda apresentou preocupações sobre a decisão do STF de responsabilizar plataformas pelo conteúdo de terceiros e os avanços da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) contra as empresas de tecnologia.
O julgamento do STF determinou a responsabilidade das plataformas pela falha sistemática em inibir a veiculação de pornografia infantil, tráfico humano, terrorismo e discurso de ódio. Quando a decisão começar a valer, há previsão de aplicação de multas em caso de descumprimento da lei.
O documento do ITI também afirma que debates legislativos no Brasil sobre a regulação de inteligência artificial e a taxação de grandes empresas de tecnologia podem causar prejuízos para entidades americanas.
O ITI ainda critica as decisões da Anatel de expandir a sua área de supervisão incluindo, em deliberações recentes, os data centers e as plataformas de ecommerce, que têm sido alvo de medidas contra a venda de produtos não homologados pelo regulador brasileiro.
“Responsabilizar legalmente companhias por bens e serviços que não produzem ou controlam diretamente cria encargos desproporcionais, especialmente para empresas americanas operando no mercado brasileiro”, argumenta Jesus no documento.
Outra entidade americana, porém, tem reivindicações de que o combate à pirataria seja fortalecido pelas autoridades brasileiras. A CTA, que representa os fabricantes de eletrônicos, diz que o mercado cinza de smartphones impõe custos para negócios e consumidores americanos.
Até esta quarta-feira (20), a investigação do USTR recebeu 258 comentários, majoritariamente de pessoas e entidades do Brasil e dos Estados Unidos.
A entidade brasileira por direitos digitais Data Privacy Brasil, por exemplo, argumenta que a ação das autoridades americanas não tem base legal e pede sua nulidade.