Fantasma da Lava Jato e exigência de garantias afastam brasileiras de leilão do túnel Santos-Guarujá

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Até a semana passada, Odebrecht e Andrade Gutierrez eram as construtoras brasileiras otimistas com a participação no leilão do túnel Santos-Guarujá. Mas quando a B3 encerrou o recebimento dos envelopes fechados com as propostas, nesta segunda-feira (1º), apenas dois grupos estrangeiros se apresentaram.

O leilão marcado para sexta-feira (5) terá como proponentes a espanhola Acciona e a portuguesa Mota-Engil -que tem participação acionária da CCCC, gigante chinês de infraestrutura. As ofertas foram apresentadas na B3, em São Paulo, onde os lances serão revelados.

A reportagem apurou que as empreiteiras nacionais desistiram pela impossibilidade de conseguir o financiamento necessário para a obra ou de apresentar as garantias pedidas pelo BNDES. As duas ficaram descontentes com o comportamento do banco estatal de financiamento. A conjuntura econômica e o cenário de juros altos também contribuíram.

Ambas se consideram ainda vítimas dos impactos financeiros e reputacionais da Operação Lava Jato. As construtoras foram acusadas de participação no esquema de corrupção na Petrobras e assinaram acordo com o Ministério Público. Em 2024, a multa de R$ 8,5 bilhões aplicada à Odebrecht foi suspensa pelo STF (Superior Tribunal Federal).

“Os grandes grupos brasileiros ainda estão sofrendo a ressaca da Lava Jato. Eles foram penalizados e nos últimos anos estão reconstruindo seu balanço patrimonial para arcar com questões financeiras. Esses grupos não têm balanço patrimonial robusto o suficiente para arcar com essas obrigações bilionárias. Abre-se para grupos estrangeiros, que estão mais robustos”, afirma Massami Uyeda Junior, sócio de Arap, Nishi & Uyeda e especialista no desenvolvimento de projetos de infraestrutura.

O projeto chegou a ser estudado por cinco grupos, que foram desistindo com o passar dos meses. A última a sair da disputa foi a Odebrecht, que disputaria a obra do túnel em consórcio com a EGTC Infra, empresa do grupo Queiroz Galvão.

Pessoas a par do assunto avaliam que a Mota-Engil é uma das favoritas, mas temem a presença da CCCC no negócio. Isso porque a chinesa é a responsável pelo contrato de construção da ponte que ligará Salvador à ilha de Itaparica, obra que está parada há anos. O receio é de que o túnel possa ter o mesmo destino.

As construtoras brasileiras afirmam que o BNDES teria favorecido grupos estrangeiros no financiamento e reclamam de proximidade da Acciona com o Governo de São Paulo.

Consultado pela reportagem, o BNDES afirma não ter recebido qualquer pedido formal de financiamento para a construção do túnel Santos-Guarujá.

“O projeto é desafiador e por isso a gente viu participação restrita exatamente pela dificuldade em obter financiamento e seguro para fazer frente ao volume de investimento demandado. Isso limitou o universo de participantes, porque esta obra é sobre a capacidade de contrair dívidas. A gente vive em um cenário de alta de juros e o custo financeiro está alto”, diz o advogado Fernando Vernalha, que atua na estruturação jurídica de projetos de infraestrutura.

Procuradas, Odebrecht e Andrade Gutierrez não quiseram comentar.

O investimento previsto em contrato é de R$ 6,8 bilhões por uma concessão por 30 anos. Trata-se de uma PPP (Parceria Público-Privada) patrocinada. O valor da tarifa está determinada em R$ 6,15 para carros, R$ 3,07 para motos e R$ 18,35 para ônibus e caminhões.

A maior parte dos recursos (R$ 5,14 bilhões) será dividida entre governo federal e o de São Paulo. O restante (R$ 1,66 bilhão) virá da iniciativa privada.

A concessionária ficará com o valor do pedágio e com as contraprestações públicas anuais pagas pelos governos federal e estadual. Vencerá o leilão quem propuser o menor valor desses pagamentos, previstos para ficarem entre R$ 430 milhões e R$ 550 milhões.

Para tornar o leilão mais atrativo, ficou definido que o risco de demanda -isto é, a possibilidade de que o volume de tráfego previsto no edital não se realize- será dividido entre a empresa que ficar com a concessão e o poder público. A medida se tornou comum em licitações de rodovias. Antes, a responsabilidade era apenas da iniciativa privada.

Inicialmente, o certame estava previsto para 1º de agosto, mas a data foi alterada após consulta do governo paulista a grupos interessados.

O TCU (Tribunal de Contas da União) apontou problemas no modelo proposto. Criticou que a matriz de riscos não estava validada por todas as partes envolvidas e que São Paulo tomou decisões relevantes sem consultar a União e a APS (Autoridade Portuária Santista).

O assunto foi discutido e os entraves, sanados, na última quarta-feira (27), em reunião no tribunal, com a presença do presidente do órgão, Bruno Dantas, e as demais partes envolvidas.

“São bens de propriedade da União e isso precisava ser equacionado. É uma licitação inédita no país, com delegação de competências. Não só o governo federal, como o próprio Tribunal de Contas da União defendia essa posição. E o governo do estado entendeu isso”, disse Jorge Messias, advogado-geral da União, ao portal Neofeed, ao participar de simpósio em Santos, horas após o encontro em Brasília.

Será o primeiro túnel imerso construído no Brasil. Serão seis módulos pré-fabricados e aplicados em solo rígido, com rampas de acesso em Santos e Guarujá, com três pistas em cada sentido.

Um dos primeiros passos da obra será fazer a dragagem do trecho do canal onde estará o túnel para chegar à profundidade proposta no edital.

Os modelos de pré-moldados serão construídos em um dique seco a ser montado no Guarujá. Quando estiverem prontos, eles receberão balões para que, quando o dique se encher de água, a estrutura flutue. Servirá para testá-la e prepará-la para levar ao canal.

Assim que isso acontecer e e eles forem colocados no local exato, a estrutura será puxada por embarcações para a posição exata no canal. Os balões serão esvaziados de maneira lenta, e as vedações, retiradas para que os módulos se encham de água e comecem a descer, aos poucos. Também pode ser usado o auxílio de cabos de aço.

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