Sou perseguido pela Cosan e ameaçado pelo PCC, diz Ricardo Magro

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No final de agosto, o advogado Ricardo Magro, que alimenta antigas controvérsia no setor de combustíveis, voltou ao noticiário da pior maneira possível. A Carbono Oculto, megaoperação contra a infiltração do PCC nesse segmento que chegou até ao mercado financeiro, citou que sua empresa, a Refit, nome fantasia da refinaria de Manguinhos, do grupo Fit, teria entrado no esquema da facção.

Magro nega essa associação. Afirma ser perseguido. Diz que sofre ameaça do PCC e de seus apoiadores, porque atua para combatê-los no setor, e que é difamado por grandes empresas formais, especialmente a Cosan, de Rubens Ometto, porque veem nele um risco ao tradicional modelo de negócios da cadeia de petróleo no Brasil.

Procurado para comentar as declarações de Magro, Ometto não se manifestou até a publicação deste texto.

A Refit não chegou a ser alvo de busca e apreensão. Apareceu nos documentos citada como sucessora de uma empresa já abatida pelas autoridades, a Copape. Segundo os investigadores, a Copape era um braço do esquema do PCC comandado por Mohamad Hussein Mourad, o Primo, e Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco.

O elo entre Refit e Copape seria a distribuidora Rodopetro, que compra combustível da Refit para revender aos postos.

Magro tem uma trajetória peculiar. É paulistano, mas ficou mais conhecido na cena carioca. No passado, era lembrado como alguém à esquerda. Hoje é associado à direita, por causa da proximidade com o senador Ciro Nogueira (Progressistas) e políticos do PL -especialmente no Rio de Janeiro-, mas nega conhecer a família Bolsonaro.

Chegou a ficar preso em Bangu, acusado de participar de um esquema na área de educação que envolvia fundos de pensão. Depois, foi inocentado pela Justiça. Numa outra operação, um desses fundos, o Postalis, que faz a gestão da previdência dos funcionários dos Correios, se tornou acionista da Refit.

Desde 2016, vive em Miami, nos Estados Unidos, em área nobre da elite branca. No entanto, na intimidade, respeita tradições africanas. Jogou capoeira, é DJ de afro house, além de seguidor da Umbanda.

Magro é mais conhecido por suas discussões tributárias. Costuma ser chamado de maior sonegador do Brasil. Manguinhos está em recuperação judicial há dez anos. No site da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, aparece com uma dívida de R$ 11,5 bilhões.

No estado de São Paulo, é a maior devedora, com pendência de R$ 9,5 bilhões, o que levou Sefaz (Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo) a enquadrar sua reiterada inadimplência num regime especial de cobrança. Magro qualifica a medida como ilegal, e a Sefaz disse à reportagem que a administração tributária está sujeita ao controle do Poder Judiciário, que referendou os regimes especiais impostos.

Mesmo com todo esse embate, a Refit já fez doação para escola de samba, parceria com o UFC e é patrocinador oficial da NFL no Brasil.

O relato de Magro para tratar de todos esses temas, feito por videoconferência, traça um desenho nebuloso sobre o funcionamento do setor de combustível no país e de suas relações com entes públicos e privados.

*

PERGUNTA – A Refit não foi alvo de busca e apreensão na Carbono Oculto, mas é citada no processo de investigação. O entendimento é que a Refit tomou uma posição importante na cadeia controlada pelo PCC, abastecendo a Rodopreto. Em dezembro, empresas ligadas à Refit foram alvo da Polícia Civil numa operação que também fazia a conexão da refinaria com o PCC. O sr. é ligado ao PCC?

RM – De forma nenhuma. Não há nada que possa me ligar a ninguém desse grupo. Vou dar alguns elementos que são importantes. A primeira operação contra o grupo Copape foi chamada Cassiopeia. Uma matéria feita no jornal O Dia denunciou como eles importavam dos Estados Unidos e distribuíam aqui. A partir dessa matéria, o Ministério Público abriu o procedimento contra eles. O material para essa matéria foi todo produzido por mim. Assumo essa responsabilidade, e é notório no mercado.

Na megaoperação trataram de metanol. O Jornal Nacional trouxe as fotos dos caminhões sendo seguidos. As fotos foram feitas pelo meu pessoal, e eu apresentei para várias autoridades.

Eu sou a pessoa que mais combateu o PCC. Quando eles tentaram entrar no mercado do Rio de Janeiro, em 2021, comecei a trabalhar junto com a mídia uma série de matérias para expor aquilo ao governo. Então, eles colocaram fogo num dos nossos posto de gasolina. Me ameaçaram, ameaçaram a vida da minha família. Eu andei seis meses com segurança aqui, em Miami, o que é um negócio fora de contexto. Eu sou a maior vítima desse processo. Eu gastei muito tempo, muita energia e me expus demais para poder colocar luz naquelas práticas.

P – Nos documentos da operação, a Refit passou a importar no lugar da Copape e a fornecer para a Rodopetro, cuja operação é associada ao PCC. Esse é o processo descrito…

RM – São dois mercados. A Copape entrou no mercado sadio em 2020, fazendo concorrência e realmente tomando fatias de todo mundo -nossa, da Shell, da Ipiranga, de outras pequenas distribuidoras. Esse é o mercado deles, com uns mil postos.

Mas tem outro, com postos ligados ao PCC, que orbitam em volta deles. Esse é outro mercado.

Quando eles deixam de operar no mercado natural, o fornecimento deles cai. A partir daí, o nosso volume aumentou. Aumentou também o volume da Shell e das pequenas distribuidoras. Esse é um mercado sadio, que já existia, mas que eles alimentavam com preço extremamente agressivo. Nesse mercado, realmente, a gente cresceu. Nesse caso, a gente só retomou.

Agora, no mercado com postos que orbitam em volta do PCC, a gente nunca vendeu uma gota. Eu faço o controle da refinaria até a ponta final. A gente corta o fornecimento se percebe problema.

P – Mas você fornece para a Rodopetro, não?

RM – Sim, fornecemos.

P – E a Rodopetro é apontada como parte do esquema do PCC.

RM – Nunca vendeu uma gota para os postos de combustível do PCC, porque a gente faz o controle da venda que eles realizam.

A gente tem uma blacklist. Levantamos quem são os laranjas, quem é ligado a qual família, cruzamos o CNPJ. Eu tenho controle de tudo isso. Se identificar algo, a venda é bloqueada.

Entenda, meu receio não é ter só relação com eles, é que eles podem pegar o nosso produto e adulterar. Eu tenho responsabilidade direta nisso. Se você falar com o revendedor, com o dono de posto, vai ver que a qualidade do nosso produto é mais reconhecida do que o da Petrobras.

P – Magro, se o sr. tem todo esse trabalho, essa atuação de bastidor, que está comentando, como tem sido apontado como apoiador do PCC?

RM – Em 2016, eu fiz uma denúncia ao TCU [Tribunal de Contas da União] contra o Sindicom, hoje ICL, Instituto do Combustível Legal, e estou preparando outra. Ele gastou na época na sem controle R$ 150 milhões em um único ano, sendo que 90% desse recurso era da Petrobras, dinheiro público. Não acho bonito, nem estou me gabando, mas mais da metade disso gastaram só para me perseguir [Procurado, o ICL disse que trabalha com apoio de diferentes autoridades para fazer a defesa de um mercado legal e ético a todo os integrantes do setor].

Aquilo virou uma máquina de redistribuição, de rebate. O diretor tal contrata assessoria de imprensa não sei da onde, e vem rebate de 20%. Contrata o advogado tal, rebate 20%. Contrata a empresa de investigação, rebate de 20%. Eles criaram uma máquina nociva que se autoalimenta.

Como estou nessa situação? Eles gastam uma enorme quantidade de recursos e de gente para me perseguir. É um negócio fora de contexto. Tem dez, 15 pessoas, nas próprias agências reguladoras, nas secretarias de Fazenda trabalhando para denegrir a imagem da empresa. Mas, se você conversar com a revenda, com os donos de postos, vão falar que é um absurdo dizer que tenho ligação com a Copape, porque eu sou o maior inimigo deles.

O Mohamad já deixou isso claro várias vezes e me ameaçou de morte. O Metrópoles publicou um vídeo dele me acusando, como se ele fosse um empresário, e eu estivesse orquestrando uma operação da polícia contra ele. É notório no mercado que eu sou inimigo dele. Sempre fui. Numa revenda, falar que estou com a Copape chega a soar ridículo.

P – O sr. está falando que é perseguido?

RM – Não, eu não estou falando. Estou afirmando. Sou perseguido pelo Rubens Ometto por meio do ICL.

Hoje, existem dois mercados, o do posto bandeira branca e o do posto embandeirado. O dono do posto embandeirado foi obrigado a tomar um recurso com a bandeira e é escravo dela. Paga mais caro por isso -é como se ele fosse da companhia. Esse fenômeno não é brasileiro. Aconteceu em vários países. Nisso, as grandes companhias tentam denegrir a imagem do posto bandeira branca e gastam muito dinheiro com isso. O trabalho de desgaste na mídia dura anos. Ainda que a qualidade do produto no posto bandeira branca seja melhor, você deve ter a percepção de que isso não é verdade.

Nós somos a sobrevida desse empresário. Quando chegam no posto bandeira branca e falam para ele virar bandeira, se não fica sem fornecimento, ele têm a Refit. Eu sou um grande problema nessa briga. Por isso virou esse negócio meio doentio. O nível de exagero é muito grande, e o negócio está ficando incontrolável -eles tentam denegrir a minha imagem, eu sou obrigado a me defender. Vai tomando uma dimensão que não volta atrás.

O caso da Copape é exemplo. O ICL não tinha coragem de falar o nome da Copape. Nós compramos a briga, e por isso ela foi fechada. Eles sabem disso. Material que eu não podia distribuir, mandei para mão deles de forma indireta para que pudessem usar. Agora, tentar me vincular ao PCC é inaceitável. Isso é, assim, uma deslealdade.

P – Mas nesse caso não é uma empresa privada ou sua entidade que está fazendo a associação. São investigadores do Ministério Público, da Receita Federal.

RM – Não existe nenhum relatório nesse sentido no Ministério Público ou na Receita Federal. Nunca foi identificada uma operação financeira. O que existe é esse comentário no relatório do Ministério Público com essa confusão em relação à migração no mercado. A Shell também aumentou o volume. A Shell está substituindo a Copape?

Agora, vou voltar naquela operação em dezembro. Ela surge a partir de um posto que comprava de umas 30 distribuidoras -um posto muito bem localizado na marginal Tietê. Com base em um documento, vincularam o dono com o PCC. No dia que a operação foi feita, esse suposto relacionamento já tinha sido arquivado pelo Ministério Público porque não existia -quem fez a operação não citou isso.

A operação aconteceu na sexta-feira. Quem coordenou foi um policial chamado Marcelo Bombom [investigador Marcelo Marques de Souza]. Na terça-feira seguinte, ele foi preso pela Polícia Federal [dentro da Operação Tacitus, como um dos delatados por Vinícius Gritzbach, antes de ser morto no aeroporto de Guarulhos]. Bombom era ligado ao Flavinho [Flavio Silvério Siqueira, acusado pela Polícia Federal de lavagem de dinheiro em postos de gasolina], um dos homens que rodeiam Mohamed. A partir dali, essa operação praticamente morre, porque ficou clara a razão daquilo: o grupo que fez a operação era ligado ao PCC e fizeram realmente para nos levar para a vala comum. Foi uma grande armação.

P – Dando um passo atrás, a vinculação com o PCC, para quem vê de fora, parece um crescendo, porque já tem um tempo que o sr. é apontado com a especificação de maior sonegador do Brasil.

RM – É mais uma grande distorção do modelo criado. Primeiro, sonegador tem perfil: frauda, não emite nota. Os valores dos nossos débitos não são esses que falam. Eu não tenho auto de infração. Não deixo de emitir nota. Não tomo crédito indevido. Nossa operação é transparente. A minha discussão tributária se dá por um único e exclusivo motivo: o subsídio da Petrobras.

A Petrobras vende abaixo do preço internacional, o que nos leva a ter uma discussão tributária mais agressiva para poder sobreviver nessa diferença de preço. A Petrobras tem 98% do mercado, que baliza o preço. Eu não tenho como vender mais caro do que ela. Tenho que vender ao mesmo preço. Só que eu tenho um custo de aquisição de insumos mais alto do que ela. Minha discussão é jurídica, técnica e transparente. Eu tenho um processo contra Petrobras.

P – Mas já faz um tempo que a Petrobras opera com preço internacional.

RM – Isso é história. Só teve paridade no governo de Michel Temer. O melhor momento para o mercado ocorreu na gestão do Pedro Parente na Petrobras. Mas só naquele, em nenhum outro.

Você pode falar para mim: se você sabia que tinha subsídio, nunca deveria ter participado desse mercado. Isso eu não vou questionar contigo. Agora, a questão é querer enfrentar o sistema que está equivocado. Se acabar o subsídio, o mercado brasileiro muda por completo.

P – No Rio, o sr. renegociou a dívida tributária, e dizem que lá é mais fácil para a Refit porque o sr. criou laços políticos que se estendem até Brasília, especialmente com políticos do PL. Falam que se aproximou dos Bolsonaros e é muito ligado ao senador Ciro Nogueira, que inclusive teria retardado e proposto alterações no projeto de lei do devedor contumaz para beneficiar o sr. Como o sr. avalia esses comentários?

RM – O caso do Ciro é especial. Ele é um amigo que eu tenho fora da política. Claro que a gente fala de política, claro que eu me aconselho com ele, mas não temos uma relação promíscua desse tipo.

Eu estou dentro de um setor extremamente regulado. Naturalmente, tenho que fazer um trabalho para demonstrar a formadores de opinião e parlamentares o que acontece no mercado, tenho de fazer um trabalho de advocacy [termo em inglês que pode ser sinônimo para lobby oficial, estruturado].

Lamento que a regulamentação do lobby no Brasil não avance. A coisa ficaria mais transparente. Seria melhor para todo mundo, em especial para mim, que tenho menos força política e financeira e enfrento um gigante como o Rubens do outro lado, com muito dinheiro, muita mídia. Eu não sou o maior doador do Brasil, como o sr. Rubens Ometto.

Sobre os Bolsonaro, eu nunca tive qualquer contato, relação ou oportunidade de conhecer ninguém da família.

P – A Secretaria da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo divulgou recentemente um parecer mostrando que após investigações com o cruzamento de endereços, nomes de sócios, origem de notas fiscais e variação de volumes comercializados, a Refit teria criado ou alterado o papel oito empresas para manter o não pagamento de tributos no estado após a antecessora ter sido alvo de medidas fiscais -quando uma era descoberta, pouco tempo depois, outra assumia o seu lugar. Parte da investigação chegou a essa conclusão avaliando os endereços e quem abriu as empresas. O sr. criou um esquema em São Paulo?

RM – As empresas da Refit são Fera Lubrificantes e Flagler Combustíveis. Não temos nenhuma outra.

No segmento de distribuição de petróleo, a ANP [Agência Nacional de Petróleo] e as próprias secretarias de Fazenda fazem algumas exigências que são, na minha opinião, descabidas, que é o que acabam gerando esse tipo de confusão.

Você precisa ter uma inscrição, um CNPJ, onde você cumpre a cota da base de armazenagem. Você pega uma base onde o produto é armazenado, normalmente de terceiros e, ali, cada um tem a sua salinha, sua filial. Entendeu?

Por exemplo, se você olhar a Shell, vai ver que, em alguns terminais, Petrobras e Shell têm o mesmo endereço, em salas diferentes, porque ambas estão operando na mesma base e são obrigadas a ter a sua filial dentro daquela base. Então, pode ser que a Flagler ou a Fera tenham coincidentemente o mesmo endereço de uma dessas empresas porque elas carregavam na mesma base.

Ter uma filial dentro dessa base é uma exigência legal. Alguns terminais têm 50, 60 empresas, porque todas que fazem o carregamento lá e precisam ter uma filial, com seu CNPJ e sua inscrição. Então essa coincidência é normal. Sabem disso, tentam distorcer de forma maldosa.

P – Do jeito que o sr. fala, parece perseguido pelo estado de São Paulo.

RM – É até difícil falar sobre isso, porque não é algo que passe pelo governador, tá? Mas a Fera e a Flagler, desde o momento zero, são perseguidas pela Secretaria de Fazenda. Deixe explicar como funciona a perseguição.

A legislação fala que o tributo é monofásico. Deve ser cobrado na refinaria. Inclusive, foi uma briga para ser assim -que a cobrança fosse concentrada no produtor. Nós fazemos o nosso pedido de compensação, com precatório. Eles não aceitam isso. Então, em vez de brigarem por isso judicialmente, criaram um regime especial [REO, regime especial de ofício].

Na prática, se o posto compra da empresa que está sob regime especial, vai ter que pagar o imposto. Esse mecanismo é ilegal, absurdo, arbitrário, persegue o dono do posto, que não tem nada a ver com a história. Então, ele não compra mais dessa distribuidora.

Quando fizeram isso com a Fera e a Fleage, os postos deixaram de comprar -e aí a Rodopetro assumiu o papel de vender para São Paulo, desde que a gente tivesse o controle de que esse produto não chegaria em nenhuma das empresas ligadas ao pessoal do Mohamad. Foi isso que aconteceu.

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