[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Esta reportagem dá sequência à série especial Desafios 2026, iniciativa da Agência DC NEWS, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que propõe, a partir de dez entrevistas, colocar no centro da agenda as discussões que travam o desenvolvimento econômico pleno do país e da cidade de São Paulo em particular. Fazem parte desta primeira frente o presidente da ACSP, Roberto Mateus Ordine, o presidente do Conselho Superior da instituição, Rogério Amato, e os oito integrantes da Diretoria Executiva da ACSP. Nesta conversa, o foco é Alfredo Cotait Neto, vice-presidente do conselho diretor e membro do conselho deliberativo da Associação. Com décadas de atuação no setor produtivo, Cotait sintetiza uma preocupação recorrente entre empresários: o desequilíbrio na relação entre iniciativa privada e Estado. Para ele, o ambiente de negócios no Brasil segue sufocado por entraves que dificultam a livre iniciativa, da carga tributária complexa à insegurança jurídica e à burocracia excessiva. “No Brasil, você tem que empreender, mas com muito cuidado com o Estado”, afirma. Suas palavras são um alerta: sem reformas estruturais e regras mais previsíveis, o país corre o risco de perder competitividade, afastar investimentos e comprometer o potencial de crescimento das pequenas e médias empresas, que são o motor da economia. “É uma herança cultural, o Estado improdutivo que não estimula a produção.”
A experiência de Cotait é, literalmente, feita no concreto. Ao longo de sua trajetória na construção civil, ele ergueu cerca de 400 edifícios, totalizando quase 2 milhões de metros quadrados construídos. Paralelamente, atuou no setor financeiro, transformando o SCPC da ACSP em uma estrutura sólida que culminou na abertura de capital da Boa Vista Serviços em 2020. Além disso, ocupou posições de liderança na Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), na Confederação Nacional de Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) – tendo até uma breve passagem pelo Senado, o que faz dele um excelente conselheiro. “Quem cresce muito rapidamente muitas vezes está atrelado a benefícios estatais ou atividades não formalizadas”, disse. “Se você quer estar formalizado, precisa ter prudência.” O caminho do sucesso, segundo ele, não é fácil nem curto: “É preciso crescer controlando a folha de pagamento, mantendo uma reserva para três ou quatro meses.”
E essa dica, que sintetiza anos de experiência e prudência, eu recebi numa manhã de julho, na sede da ACSP. A sala de Cotait é quase um retrato de sua trajetória: livros, revistas com sua imagem na capa, diplomas e troféus compõem um cenário que mistura memória e conquista. Aos 78 anos, ele fala com firmeza, mas sem pressa, alternando olhares diretos com breves momentos de reflexão, como quem busca a precisão das lembranças. “Todos nós temos que trabalhar e gerar renda. Mas cada um tem que buscar aquilo que o atrai”, afirmou ao tentar resumir em poucas palavras sua filosofia de vida e de empreendedorismo. Para ele, a luta por um Brasil com regras claras e livre iniciativa não é teoria: é prática. Cotait cita, por exemplo, o trabalho que levou à abertura de capital da Boa Vista Serviços, fruto de 20 anos de dedicação à ACSP, uma vitória que demonstra sua capacidade de transformar visão estratégica em resultados concretos para o país. Confira a entrevista completa.
AGÊNCIA DC NEWS – Para começarmos de uma forma mais pessoal, gostaria de voltar à sua infância: onde o senhor nasceu, como era o ambiente em sua casa, sua família?
ALFREDO COTAIT NETO – Eu nasci aqui em São Paulo mesmo, sou paulistano. Venho de uma família de imigrantes, meu pai era libanês, minha mãe brasileira. Tenho uma irmã. Minha educação foi feita em casa, e tive uma infância tranquila, desfrutada no bairro dos Jardins, na rua Haddock Lobo – naquele tempo em que as ruas ainda eram seguras, era só casas, não existia prédio naquela ocasião – e convidavam à brincadeira, a minha preferida era de jogar futebol.
AGÊNCIA DC NEWS – Sua paixão pelo futebol é evidente. Que time o senhor torce e quais memórias guarda desse esporte?
ALFREDO COTAIT NETO – São Paulo, desde a origem. Meu avô morava em Garça, pros lados de Bauru, e vinha para São Paulo só para assistir aos jogos do São Paulo. Ele me pegava e me levava. Era lá no Pacaembu, na época. Eu assisti os primeiros campeonatos que o São Paulo conquistou, principalmente o de 1957. A rivalidade de São Paulo e Corinthians, e na época também com Palmeiras e Santos, e até a Portuguesa, era muito grande. Naquela época, o São Paulo tinha um ponto à esquerda chamado Canhotero, que era um craque maravilhoso (risos). O Corinthians tinha um lateral chamado Idário, que eles chamavam de Sangue Azul – antes de qualquer jogo, a imprensa ficava instigando… O assunto era se o Idário ia conseguir marcar o Canhotero, ou não; e o que o Canhotero vai fazer no jogo. Hoje em dia o futebol está completamente desvirtuado, com uma tendência a ter resultados de 1 a 0. É uma vitória gloriosa, absurda (desolado). Antigamente existiam jogos maravilhosos. Eu tive a sorte de pegar a época do Pelé.
AGÊNCIA DC NEWS – E contra o São Paulo? Também torcia para o Pelé?
ALFREDO COTAIT NETO – Não torcia, mas eu ficava admirado. O Pelé foi magistral (suspira saudoso). As pessoas que não o viram não entendem. Ele era realmente fora do comum. Teve duas passagens marcantes: um jogo no Morumbi onde o São Paulo fez 3 a 0 no primeiro tempo – e quando resolveram jogar, acabou a brincadeira: o Santos virou, ganhou de 6 a 3. E outro, no Pacaembu, onde o São Paulo ganhou de 4 a 1 e o juiz Armando Marques expulsou o Pelé. Eu estava lá, lógico, não perdia nenhum jogo. A gente quer assistir espetáculo. Não é só ganhar… assistir espetáculo! Hoje em dia está difícil…
AGÊNCIA DC NEWS – E o seu avô, o que ele fazia da vida?
ALFREDO COTAIT NETO – Meu avô veio do Líbano também. Somos de origem libanesa. Ele começou a trabalhar aqui em São Paulo, abriu uma loja com o sobrinho e depois foi para o interior, fixando-se em Garça, na lavoura de café. Ele tinha uma máquina de café e depois passou a cultivar o café nas fazendas que ele foi comprando. A história é um pouco complexa, porque o Século 20 foi marcado por eventos que realmente mudaram a face da terra. Meu avô deixou a capital depois de uma tragédia, quando minha avó faleceu atropelada na Avenida Angélica, e foi para o interior, quando a terra estava mais barata.
AGÊNCIA DC NEWS – Isso logo na virada do século?
ALFREDO COTAIT NETO – Ele chegou ao Brasil 1908. Meu pai nasceu no Líbano em 1907. Meu avô, sem perspectivas lá, que ainda era Império Otomano, deixou meu pai com a irmã e veio com a mulher para o Brasil. Todos os outros irmãos do meu pai nasceram aqui. Ele escolheu o Brasil porque tinha um sobrinho aqui que já havia vindo e achou que era uma boa oportunidade. Dom Pedro II tinha convidado os libaneses cristãos a virem para o Brasil por volta de 1880, pois havia problemas de convivência com o Império Otomano. Esse sobrinho do meu avô foi um dos primeiros nessa leva. Daí, meu avô veio pra trabalhar no comércio com o sobrinho na 25 de Março. Eles foram uns dos pioneiros por ali.
AGÊNCIA DC NEWS – Com a união do seu avô com o sobrinho dele, percebemos que o associativismo e o mundo dos negócios são pilares de sua vida. Sua família já tinha alguma conexão com esse universo?
ALFREDO COTAIT NETO – Minha formação veio muito da orientação do meu pai. Dos sete filhos do meu avô, ele foi o único que ficou na capital. Ele sempre quis ter uma atividade empresarial e teve indústrias, de seda, de calçados. Ele me transferiu essa visão empreendedora, de querer realizar, para mim. Sempre falava: “vamos fazer alguma coisa, uma empresa, vamos fazer juntos!” Eu fiz Engenharia, e o sonho dele era construir uma empresa comigo. Infelizmente, ele faleceu quando eu estava no último ano, e o sonho não se concretizou. Mas eu segui a ideia de trabalhar em construção civil e constituir empresa. Eu realizei esse sonho: construí o equivalente a cerca de 400 prédios, com quase 2 milhões de metros quadrados construídos. Um bom engenheiro sabe dimensionar.
AGÊNCIA DC NEWS – E sua formação em Engenharia Civil se estendeu para a Economia. Como isso se deu?
ALFREDO COTAIT NETO – Depois da Engenharia, fiz pós-graduação em Administração, mestrado em Economia e até doutorado. Parei o doutorado porque trabalhava durante o dia e estudava à noite, e quando me casei, ficou complicado conciliar. Mas cheguei a fazer o doutorado. A escolha pela Economia foi uma consequência do trabalho. Comecei na construção e percebi que precisava entender de Economia, como taxa de juros e outros conceitos, para tomar decisões estratégicas nos negócios.
AGÊNCIA DC NEWS – Como foi seu início no mercado de trabalho e o despertar do seu próprio negócio?
ALFREDO COTAIT NETO – Comecei trabalhando em uma construtora. Naquela época do regime militar, havia muitas oportunidades econômicas. Eu me formei em 1970 e já estava trabalhando, então peguei todo esse período. Depois, aos poucos, deixei a empresa e constituí a minha própria, sempre na área de engenharia, como construtora. Estudava Economia à noite para complementar o conhecimento.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual a sua opinião sobre o espírito empreendedor no Brasil, especialmente ao observar os microempreendedores individuais?
ALFREDO COTAIT NETO – É muito difícil mudar o sistema brasileiro, que tem um ranço sindical desde a época de Getúlio Vargas. Esse sistema ficou retrógrado. Eu me apaixono ao ver pessoas que querem empreender por conta própria, não vinculadas a essa estrutura sindical que amputa a capacidade de desenvolvimento. O governo tentou proibir o trabalho aos domingos – mas por que um corretor de imóveis ou vendedor de automóveis não pode trabalhar no domingo, que é quando há mais demanda, e descansar em outro dia, sem hora extra? O mundo mudou… você consegue falar para o motorista que faz Uber não trabalhar domingo? Não, porque não há sindicato para Uber ou iFood. Precisamos da liberalização geral das relações de trabalho.
AGÊNCIA DC NEWS – O senhor acha que o brasileiro tem esse espírito empreendedor? E a que atribui isso?
ALFREDO COTAIT NETO – Total, total. O brasileiro é criativo, inteligente, alegre. O Brasil não passou por guerras ou grandes comoções. A Revolução de 1932 foi um movimento por uma constituinte que buscasse liberdade para empreender. Comparado a outros países, o Brasil não teve grandes conflitos que gerassem ódio. Tudo aqui sempre foi encarado com muita leveza, talvez pela localização geográfica, sem furacões ou terremotos. Somos um país jovem, com uma miscigenação espetacular, que gera essa criatividade e diversidade.
AGÊNCIA DC NEWS – Mas se o brasileiro é tão criativo e inteligente, por que não produz mais?
ALFREDO COTAIT NETO – Vem muito do nosso sistema cultural sindical, que vai contra a produção individual. E o próprio Estado. O governo taxa muito, tem muito imposto, e isso tira da pessoa a vontade de produzir. Ela produz o necessário. Se o brasileiro tivesse as mesmas condições que um alemão, por exemplo, produziria igual ou mais. O problema é a estrutura: a estrutura sindical é ruim e o Estado é pernicioso. É uma herança cultural, o Estado improdutivo que não estimula a produção.
AGÊNCIA DC NEWS – Ao longo de sua jornada, o senhor certamente enfrentou grandes desafios. Poderia nos contar sobre um desses momentos e como o superou?
ALFREDO COTAIT NETO – O Plano Collor, em 1990, foi um desastre pessoal e para os negócios (silêncio). Antes dele, eu havia trabalhado muito e construído várias empresas; só na construtora, tinha 2 mil funcionários e cerca de 30 obras a preço de custo. Quando o Plano Collor veio, me deixou com CR$ 50.000 na conta, e todas as obras pararam porque os compradores também não tinham dinheiro. Fiquei com 2 mil funcionários, além de mais de 200 em outras empresas, sem ter como pagar. Usei minhas reservas, vendi o que pude e fui obrigado a dispensar muita gente. Tudo o que acumulei foi devolvido. Não quebrei por algumas ajudas, mas foi um período muito difícil. Tomei a decisão de encerrar todas as empresas, o que levei até 1998. Entreguei a carta patente da minha empresa financeira ao Banco Central e fiquei apenas com uma construtora pequena, com cerca de 20 funcionários. Foi a maior decepção que tive. Cresci muito em uma época economicamente favorável, mas os planos econômicos que vieram depois, não me afetaram como o Plano Collor, que me fez decidir que não queria mais grandes empreendimentos no Brasil. Cheguei à conclusão de que, sem estar muito bem calçado ou atrelado ao Estado, você não sobrevive.
AGÊNCIA DC NEWS – Que lição o senhor daria para quem está empreendendo, começando nesse cenário?
ALFREDO COTAIT NETO – Você tem que empreender, mas com muito cuidado com o Estado. Ele é um sócio que só pega imposto, e se precisar te prejudicar, vai te prejudicar. Não se pode ter muitos empregados sem controle. É preciso crescer controlando a folha de pagamento, mantendo uma reserva para três ou quatro meses de folha. Mantenha um tamanho adequado à sua capacidade. No Brasil, você tem que dar um passo por vez. Quem cresce muito rapidamente muitas vezes está atrelado a benefícios estatais ou atividades não formalizadas, ilegais… Se você quer estar formalizado, precisa ter prudência. Não pode ser aventureiro, porque o aventureiro quebra a cara.
AGÊNCIA DC NEWS – O senhor é conhecido por sua visão estratégica e por ser um articulador. Como busca soluções para conciliar diferentes interesses de setores, empregados, empresas, governos?
ALFREDO COTAIT NETO – É preciso ter diálogo, prudência e, acima de tudo, planejamento. Não existe nada sem planejamento. É fundamental ter um projeto claro, saber o que se quer e analisar o mercado.
AGÊNCIA DC NEWS – A ACSP é uma parte significativa de sua vida. Poderia nos contar como tudo começou da sua relação com a associação?
ALFREDO COTAIT NETO – Meu primeiro contato formal com a associação foi em 1976, quando me tornei associado. Minha aproximação com a política, especialmente com Guilherme Afif Domingos, me trouxe para mais perto. Depois de ter minha vida desorganizada pelo Plano Collor, percebi que “sem a política, não tem negócio”. Em 1998, ao encerrar minha última empresa, Guilherme – de quem sou muito amigo desde pequeno, da família – me convidou para ser vice-presidente da associação, responsável pela área de serviços. Desde então, estou aqui…
AGÊNCIA DC NEWS – Assumir a vice-presidência do Conselho Superior da Associação foi um marco importante e de grande responsabilidade em sua trajetória. O que essa posição representa para o senhor e qual o legado de seu papel para a instituição e os associados?
ALFREDO COTAIT NETO – Eu tenho que reconhecer que a associação é o que é hoje com muita contribuição minha. Em 1999, assumi o SCPC, um serviço da associação, e o transformei em uma empresa. Esse processo culminou em 2020, após 20 anos de dedicação, com a abertura de capital da Boa Vista Serviços, na Bolsa de Valores – um marco excepcional que me deixou muito feliz. Fui o grande condutor desse processo, que garantiu à associação a estrutura financeira saudável que tem hoje. Minha gestão me levou a ser vice presidente por vários anos e presidente da entidade. Hoje, sou membro do Conselho Superior e vice-presidente, cuidando das empresas da Associação.
AGÊNCIA DC NEWS – E hoje como o senhor vê seu papel na Associação?
ALFREDO COTAIT NETO – Na verdade, eu sou um zelador da ACSP. Zelo por ela, eliminando focos que possam prejudicá-la, porque a associação está sempre sujeita a ataques. É uma entidade de 130 anos, independente, sem vínculos ou dinheiro do governo, e defende causas nacionais. Sua principal fonte de receita são os dividendos das empresas.
AGÊNCIA DC NEWS – Com sua perspectiva, como o senhor descreveria o papel da ACSP na construção da história econômica e social do Brasil? Quais momentos históricos o senhor destacaria?
ALFREDO COTAIT NETO – A associação foi fundamental desde sua origem, em 1894, quando a economia estava muito ruim. Ela nasceu para reorganizar e foi o instrumento de negociação dos fazendeiros de café com o governo. Um grande empreendedor, Antônio Proost Rodovalho, a realizou. Teve participação em vários momentos, como na Revolução Tenentista, de 1924, e na nossa revolução, de 1932. Foi uma grande plataforma de discussão na área econômica, e figuras como Delfim Netto cresceram nesse ambiente. A economia sempre foi um dos principais temas que a associação defendeu, sendo protagonista em toda a história econômica do país.
AGÊNCIA DC NEWS – Sua liderança se estendeu à Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) e à Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB). Como esses papéis ampliaram sua compreensão dos desafios e oportunidades?
ALFREDO COTAIT NETO – É uma praxe que o presidente da ACSP também seja o presidente da Facesp, então acumulei os dois cargos. Na Facesp, há grandes associações comerciais pelo estado que funcionam maravilhosamente bem, como Campinas, São José do Rio Preto, Piracicaba e Rio Claro. São mais atuantes que nós na capital em alguns aspectos. Quando assumi a Facesp, visitei as 420 associações, inclusive as pequenas, e criei o “Programa de Fortalecimento das Associações Comerciais”, distribuindo R$ 65 milhões para fortalecer a rede. Essa visão de não ter apenas os grandes, mas também uma rede de pequenos fortalecidos, é o que me move. Minha ida para a Confederação foi uma consequência, fui praticamente intimado a assumir. Estou tentando reorganizar a rede nacional com a mesma visão, buscando conectá-las e oferecer serviços para sua sustentabilidade futura. É uma rede impressionante, independente, que não precisa de governo e tem uma mobilização fantástica.
AGÊNCIA DC NEWS – Sua experiência no setor público o levou ao Senado Federal. Como essa vivência transformou sua compreensão sobre a relação entre governo e setor privado no Brasil, e qual o seu foco principal nessa esfera hoje?
ALFREDO COTAIT NETO – Eu já comentei que tive minha decepção com o Plano Collor e vi que não se pode confiar em ninguém do governo. Eu estava próximo a Guilherme Afif Domingos no Partido Liberal – o antigo Partido Liberal – onde tínhamos um time com Gilberto Kassab e Paulo Guedes. Depois, apoiei Kassab na política. Em 2002, na reeleição de Romeu Tuma ao Senado, a associação e Kassab sugeriram meu nome como suplente. Quando Tuma faleceu, eu assumi o Senado. Foi uma experiência muito gratificante. Gostei muito, e vi que realmente o caminho para uma mudança no Brasil é o Congresso. Por isso, luto pelo voto distrital (e mostra um infográfico que mora na mesa central dele com fundamentos sobre a importância desse modelo de votação).
AGÊNCIA DC NEWS – No seu livro, A Luta pela Livre-Iniciativa, qual foi a mensagem central e o que o motivou a escrevê-lo?
ALFREDO COTAIT NETO – É incentivar todo mundo à livre-iniciativa. Sair da mesmice das estruturas enraizadas brasileiras, vinculadas ao Estado e à estrutura sindical.
AGÊNCIA DC NEWS – Com seu olhar experiente, qual a sua leitura mais profunda sobre o clima atual do varejo brasileiro?
ALFREDO COTAIT NETO – Estamos vivendo um período muito difícil no varejo, com concorrências desleais. Primeiro, a importação de produtos de até US$ 50 sem imposto, competindo com empresas que pagam previdência, folha de pagamento e impostos aqui. É uma facada no varejo. Outra coisa são as Bets, sangrando a renda, principalmente dos menos favorecidos. O varejo sobrevive no crédito, vendendo em parcelas, porque não há comprador à vista. O varejo está em uma situação dificílima. Para prosperar, precisamos de igualdade de condições de competição e acesso a crédito com taxas justas. Com juros de 22%, 23%, 25%, nenhum negócio resiste.
AGÊNCIA DC NEWS – Quais as principais necessidades do setor e como ele se adapta à digitalização e às novas tecnologias como a Inteligência Artificial (IA)?
ALFREDO COTAIT NETO – Em 2018, antes da pandemia, percebi que os varejistas e os comerciários não estavam percebendo a chegada do mundo da digitalização. Os que estavam acostumados com a loja física não tinham noção do que viria. Decidi formar a Faculdade do Comércio na ACSP para preparar o comerciário para esse novo mundo. A pandemia atrapalhou um pouco, mas a faculdade já formou várias turmas e hoje tem 2.200 alunos espalhados pelo Brasil, com cursos EaD e presenciais. É considerada a melhor faculdade na área de formação de mão-de-obra qualificada para o setor. Quanto à IA, ninguém sabe como será o futuro dela. Cada um fala uma coisa…
AGÊNCIA DC NEWS – Qual a sua visão para a ACSP no curto e médio prazo? Quais são os principais objetivos e bandeiras que a entidade buscará erguer?
ALFREDO COTAIT NETO – O futuro da Associação Comercial é ser líder deste processo, desta rede independente, sem lado político-partidário. É uma rede política que defende o Brasil. Somos a única instituição confiável para liderar uma mudança no Brasil. O resto recebe dinheiro do governo ou é governista. Temos uma rede independente que fala a verdade e mostra para o povo o que está acontecendo. Criamos o Gasto Brasil para educar a população sobre os gastos do governo. Lutamos pela mobilização do voto distrital e pelo equilíbrio das contas públicas. O que for em prol do Brasil é uma bandeira nossa.
AGÊNCIA DC NEWS – Para o Brasil, qual a sua visão de futuro e as políticas que podem promover o crescimento sustentável?
ALFREDO COTAIT NETO – O problema no Brasil é o tamanho do Estado. Ele consome muito, gasta mal, concede muitos benefícios, mas só para os grandes. Os pequenos pagam a conta. A Reforma Tributária que foi feita não é suficiente. Precisamos aliviar, cortar, simplificar impostos e o governo tem que cortar gastos. Mudar o governo. Se o governo só quer taxar e gastar, é preciso corte de gastos e simplificação das regras de arrecadação. É preciso cortar para atrair investimentos. O investidor está indo embora, o brasileiro está indo embora. O Brasil já tem o seu destino: é o país do agronegócio, que vai alimentar o mundo. Temos a fronteira agrícola e mineral, fundamentais para ser um líder mundial.
AGÊNCIA DC NEWS – E o que falta?
ALFREDO COTAIT NETO – Precisamos de um governo com visão estratégica, que tenha plano, que dê rumo. Lembro que a China, em 1990, tinha um PIB menor que o Brasil, mas fez um programa de 50 anos para priorizar comércio exterior e produção. Com planejamento, seriedade e rigor, hoje tem um PIB dez vezes maior. Planejamento, gestão, seriedade… é tudo o que falta aqui. O Brasil não tem gestão, não tem rumo. Aqui tudo é resolvido “apagando incêndio”. É uma pena (desanimado).
AGÊNCIA DC NEWS – Ainda assim, o senhor logrou louros em toda sua trajetória profissional. Então qual é o segredo do sucesso?
ALFREDO COTAIT NETO – Eu sempre digo: a pessoa, para empreender, tem que empreender naquilo que gosta. Não adianta estar numa estrutura com regras só para poder receber um salário. Eu não sou a favor do emprego, sou a favor do trabalho. Todos nós temos que trabalhar e gerar renda. Mas cada um tem que buscar aquilo que o atrai. Todos nós temos uma aptidão e devemos descobri-la e desenvolvê-la. Quanto mais você desenvolve essa aptidão, e fazendo o que gosta, você é feliz. Toda vez que você faz qualquer coisa por obrigação, você é infeliz. E o dinheiro? É consequência. Você precisa do dinheiro. Mas você precisa buscar algo que te dê prazer, porque você faz aquilo, tem a renda, e isso te traz felicidade.
AGÊNCIA DC NEWS – Essa é uma visão conciliadora do passado, e como olhar para o futuro?
ALFREDO COTAIT NETO – Aceitar que as coisas vão mudando. Hoje o mundo é outro. Quem viveu o que eu vivi não viverá o que virá. A evolução será fantástica. Pena que eu não vou estar aqui para ver…
AGÊNCIA DC NEWS – Por fim, como o senhor gostaria de ser lembrado?
ALFREDO COTAIT NETO – Minha trajetória é muito pessoal, particular. Acho que fiz tudo e sou feliz pelo que fiz. Não tenho essa de ser lembrado. Eu só quero que o Brasil possa ter oportunidade de mudar de rumo para que eles possam viver melhor. E alguém vai lembrar que, lá atrás, tinha um camarada que era liberal e lutou para isso. Fora isso, acho que não tenho o que pedir.
Ao término de nossa extensa e reveladora conversa, a impressão que fica de Cotait Neto é a de um homem forjado por desafios e movido por uma inabalável crença no potencial do Brasil. Ganhei dois livros sobre sua trajetória. Um deles, Minha Passagem pelo Senado, é dedicado ao grande amor de sua vida, Laila. O outro, a obra A Luta pela Livre-iniciativa, traz uma dedicatória aos seus pais. Folheando o último livro, enfim, encontrei a resposta para a pergunta sobre como ele gostaria de ser lembrado, a mesma que ele humildemente desviou na nossa conversa:
ALFREDO COTAIT NETO – Podemos não viver por centenas de anos, mas as realizações inspiradas pelo empreendedorismo podem deixar um legado duradouro, muito depois de partirmos.
AGÊNCIA DC NEWS – E assim será.