SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Manifestantes atearam fogo ao Parlamento do Nepal e a casas de membros do governo nesta terça-feira (9) mesmo depois de o primeiro-ministro K. P. Sharma Oli anunciar sua renúncia, movimento que veio após dois dias de protestos violentos contra uma proibição de redes sociais.
Os atos escalaram depois que forças policiais mataram 22 pessoas e feriram outras 200 em sua reação aos protestos. A crise teve início com a divulgação de vídeos virais nas redes sociais contra os “nepo babies” da elite do país, filhos de políticos que ostentam vida luxuosa na internet e cujos pais são acusados de corrupção.
O governo de Oli respondeu às críticas proibindo 26 redes sociais de operar no Nepal, incluindo Facebook e YouTube. A decisão serviu de estopim para as manifestações, e nem a renúncia de Oli foi o bastante para acalmar os manifestantes, que agora fazem novas exigências -como o fim da corrupção e mais empregos para jovens.
A ONU pediu uma investigação independente sobre as mortes em protestos, e os Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido e Japão emitiram um comunicado conjunto em defesa da liberdade de expressão e de manifestação no Nepal.
A violência escalou na noite desta terça em Katmandu, capital do país. A casa de Oli e de ministros do governo foi invadida e incendiada, e algumas autoridades foram retiradas às pressas em helicópteros militares. Manifestantes também atearam fogo à mansão do ex-primeiro-ministro Jhala Nath Khanal com sua esposa dentro -Ravi Laxmi Chitrakar sofreu queimaduras severas e foi levada ao hospital, com relatos não confirmados da mídia local afirmando que ela teria morrido.
Pessoas foram vistas circulando nas ruas da capital armadas com fuzis e arremessando granadas contra prédios do governo, e o jornalista do The New York Times Bhadra Sharma foi cercado por um grupo de manifestantes após se identificar como membro da imprensa e só liberado quando repetiu uma palavra de ordem contra o governo.
A crise é a pior em décadas no país do Himalaia, que fica entre a Índia e a China, e enfrenta instabilidade política e incerteza econômica desde que protestos levaram à abolição de sua monarquia e o estabelecimento de uma república democrática em 2008.
O Nepal, país de 30 milhões de habitantes, tem uma taxa de desemprego de 12,6% (no Brasil, foi de 5,8% no segundo trimestre de 2025), e o problema atinge principalmente os mais jovens. Muitos deixaram o país para trabalhar na construção civil ou agricultura em países como Malásia, Coreia do Sul ou as monarquias árabes do Golfo Pérsico -só em 2024, 740 mil pessoas emigraram.
Como resultado, a economia do país se tornou dependente das remessas dos nepaleses que trabalham no exterior: elas já são responsáveis por 26% do PIB, um fatia considerada exorbitante por economistas -no México, por exemplo, que enfrenta o problema há décadas e possui uma população de milhões de cidadãos vivendo nos EUA, as remessas representam menos de 5% do PIB.
Mais cedo, Sharma Oli havia convocado uma reunião de todos os partidos políticos, dizendo que a violência não é do interesse da nação e que o país tinha que “recorrer ao diálogo pacífico para encontrar soluções para qualquer problema”.
Mas a raiva contra o governo não mostrou sinais de diminuir, e os manifestantes se reuniram em frente ao Parlamento e outros lugares em Katmandu, desafiando o toque de recolher por tempo indeterminado imposto pelas autoridades. O incêndio no Parlamento foi contido, e o Exército afirmou que enviará tropas à capital para restaurar a ordem.
Mesmo após esse anúncio, manifestantes seguiram ateando fogo a pneus e bloqueando estradas. Centenas de pessoas de algumas cidades localizadas perto da fronteira entre a Índia e o Nepal começaram a marchar em direção a Katmandu para apoiar os protestos.
“Continuamos aqui pelo nosso futuro. Queremos um país livre de corrupção para que todos possam ter acesso fácil à educação, hospitais, serviços médicos e por um futuro brilhante”, disse o manifestante Robin Sreshtha à agência Reuters.
A chegada de aviões do lado sul ao aeroporto de Katmandu, principal porta de entrada internacional do Nepal, foi interrompida devido à pouca visibilidade causada pela fumaça dos incêndios provocados por manifestantes, segundo Gyanendra Bhul, responsável pela aviação local.
Os organizadores dos protestos, que se espalharam para outras cidades do país, os chamaram de “manifestações da Geração Z”, motivadas pela frustração generalizada dos jovens com a percepção de falta de ação do governo para combater a corrupção e aumentar as oportunidades econômicas.