STF condena Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por trama golpista, decisão inédita na história do país

Uma image de notas de 20 reais

Imagem gerada por IA

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) condenou nesta quinta-feira (11) Jair Bolsonaro (PL), 70, a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, sob acusação de liderar uma trama para permanecer no poder. É a primeira vez na história do país que um ex-presidente é punido por esse crime.

Os ministros decidiram que o ex-presidente irá cumprir 24 anos e nove meses de reclusão e o restante de detenção. O regime inicial de cumprimento de pena deverá ser o fechado.

O resultado de 4 votos a 1 pela condenação, alcançado com o ministro Cristiano Zanin, consolida também um dos mais importantes julgamentos da história do STF, que ainda nesta quinta-feira (11) irá definir o tamanho das penas. Os outros sete réus também foram condenados pelos mesmos crimes.

Bolsonaro está inelegível e em prisão domiciliar por ordem de Alexandre de Moraes, relator do caso e condutor da tese julgadora que acabou vencedora. Nome da corte à frente das diversas investigações relacionadas ao ex-presidente, ele é também o principal alvo de críticas do bolsonarismo.

A condenação do ex-presidente se dá em meio à pressão de aliados por uma anistia no Congresso e está inserida em um ambiente de polarização política com implicações na eleição presidencial do ano que vem.

A pena máxima para as condenações de Bolsonaro poderia chegar a 43 anos de prisão devido ao agravante do papel de liderança atribuído a ele.

O ex-presidente foi condenado por organização criminosa armada, tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

Presidente do Brasil de 2019 a 2022, Bolsonaro é objeto da ofensiva que seu filho Eduardo faz, do exterior, com a intenção de obter sanções de Donald Trump ao país.

Antes de começar a propor as penas aos réus, Moraes disse que o Supremo dá precedente a magistrados brasileiros para “ter coragem de aplicar a lei para não se vergar a sanções nacionais ou estrangeiras”. O ministro foi sancionado pelo governo Donald Trump em meio ao processo contra Bolsonaro.

O ex-presidente só deve ser preso na condição de condenado (e eventualmente em regime fechado) após o fim do processo, quando a defesa não tiver mais recursos a apresentar ao Supremo.

No voto que apresentou na terça-feira (9), Alexandre de Moraes apontou Bolsonaro como líder da trama golpista ocorrida no final de seu governo, em 2022, o que incluiu pressão sobre comandantes militares para a adoção de medidas de exceção que evitassem a posse de Lula (PT) e o mantivessem no poder –cenário que não se vislumbrava no país havia 60 anos.

“O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou Mores, sobre o papel do ex-presidente.

O contraponto no julgamento coube a Luiz Fux, que votou pela absolvição de Bolsonaro e minimizou a gravidade da maior parte das acusações, explorando lacunas das investigações e desconsiderando evidências. O ministro se referiu aos atos golpistas de 8 de janeiro como ação de “turbas desordenadas” e disse que “choro de perdedor” não é crime.

“Além de pretender criminalizar discursos críticos ao sistema eleitoral, também se pretende punir rascunhos rudimentares, que jamais pode se considerar nada além de mera cogitação”, afirmou ainda Fux.

Além de Bolsonaro, os demais sete réus do núcleo central também foram condenados por todos os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República. São eles o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres, o ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno, o ex-ajudante de ordens e Mauro Cid, delator da ação, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa Walter Braga Netto e o ex-chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem.

Nesta quinta, votaram Cármen Lúcia e Zanin.

Durante o voto de Cármen, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin se uniram à ministra em uma reação contra Fux.

Moraes chegou a exibir um vídeo de falas de Bolsonaro direcionadas ao Supremo e chamou as declarações de “grave ameaça” ao STF. Na véspera, Fux havia afirmado que não era possível classificar manifestações desse tipo como ameaça.

Moraes ainda fez uma intervenção em tom acalorado durante o voto de Cármen para reforçar o argumento de que uma série de ações, envolvendo Bolsonaro e os demais réus, desencadeou a tentativa de golpe de 8 de janeiro, enquanto Fux havia dito no seu voto que não há provas da existência de uma organização criminosa.

“Não foi combustão espontânea, não foram baderneiros descoordenados que ao som do flautista fizeram filas e destruíram as sedes dos Três Poderes. Foi uma organização criminosa”, disse o relator do caso.

O STF condenou Bolsonaro e outros réus um dia depois de Fux abrir uma divergência e votar para condenar apenas dois deles, por acusações mais leves do que as apresentadas pela PGR.

Cármen deu indiretas a Fux desde os primeiros momentos do voto. Ainda na avaliação das questões preliminares, sobre formalidades do processo, ela discordou do ministro e afirmou que a competência para julgar o caso é do STF. “E eu sempre votei do mesmo jeito”, afirmou, citando o processo do mensalão, do qual ambos participaram. Depois, ela recebeu o respaldo dos demais ministros da turma.

O ministro Gilmar Mendes, que não faz parte da Primeira Turma, esteve na sessão desta quinta-feira e se sentou na primeira fila do plenário, num gesto que foi descrito por ministros do grupo de Moraes como de apoio à maioria e uma manifestação de isolamento de Fux.

A ministra apontou que Bolsonaro agiu como líder de um grupo, formado por militares e outras autoridades de seu governo, com o objetivo de atentar contra as instituições democráticas.

“Fez prova cabal de que o grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro e composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022, minar o livre exercício dos demais Poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”, afirmou.

Moraes abriu as sessões de votação na terça-feira (9) com um longo posicionamento em que atribuiu a Bolsonaro o papel de liderança da trama. “O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou.

Dino foi o segundo a votar. Ele acompanhou integralmente a posição de Moraes quanto à condenação de Bolsonaro e da maior parte dos réus, afirmando que “não há dúvidas” de que o ex-presidente e Braga Netto ocupavam posições de comando na organização criminosa. Ele indicou que pode votar por penas mais brandas para alguns réus, como os ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.

“Não é normal que a cada 20 anos nós tenhamos eventos de tentativa ou de ruptura do tecido constitucional. Então, creio que, para muito além do julgamento criminal que nos cabe, não há dúvida que as considerações que constam da denúncia, das defesas, do julgamento, devem se prestar a uma reflexão do conjunto das instituições de Estado para que elas se mantenham isentas e apartidárias”, afirmou Dino.

Em um voto com cerca de 12 horas de duração, mais que o dobro do tempo usado por Moraes, Fux rejeitou as acusações contra Bolsonaro e outros quatro réus. Ele votou pela condenação do tenente-coronel Mauro Cid e do ex-ministro Walter Braga Netto por apenas um dos cinco crimes: tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.

Para Fux, não ficou demonstrado que o ex-presidente tenha praticado atos executórios, que se diferenciariam da preparação, de declarações ou de discussões em relação a uma ruptura. Ele minimizou a minuta golpista, apontou que Bolsonaro não poderia ser acusado de golpe quando estava no mandato e afastou sua responsabilidade pelos ataques de 8 de janeiro.

Durante a sessão, Fux manifestou uma série de divergências com Moraes e outros ministros, num enfrentamento direto com a conduta do relator do processo. Ele votou pela nulidade da ação, por entender que o STF não seria o foro adequado para julgá-lo, e descartou a condenação dos réus por organização criminosa e dano ao patrimônio.

O voto de Fux surpreendeu as defesas dos réus, após meses de incerteza sobre como ele se posicionaria diante do avanço do processo contra o ex-presidente. Os advogados dos acusados identificaram argumentos para questionar a ação no futuro e, eventualmente, anular uma provável condenação.

O posicionamento do ministro irritou a ala do tribunal próxima de Moraes, que enxerga um alinhamento de Fux com o bolsonarismo no julgamento.

Na denúncia contra Bolsonaro, o procurador-geral Paulo Gonet disse que o ex-presidente foi o líder de uma organização criminosa que tinha como base um projeto autoritário de poder com “forte influência de setores militares”. A PGR ainda afirmou que os crimes começaram a ser cometidos em 29 de julho de 2021, quando Bolsonaro fez uma live nas redes sociais com ataques às urnas, e tiveram sequência com ações do ex-presidente para incitar as Forças Armadas e seus apoiadores a contestarem o resultado das eleições.

MAIS LIDAS

Voltar ao topo