BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após quase um ano de o Ministério da Fazenda propor medidas antitruste no mercado de plataformas digitais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enviou ao Congresso nesta quarta-feira (17) projeto de lei que dá poder ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) de impor obrigações às big techs para garantir a concorrência e barrar preços abusivos no país.
O projeto propõe a criação no Cade de uma superintendência voltada ao mercado digital com equipes especializadas. O responsável pela unidade será indicado pelo presidente da República com aprovação do nome pelo Senado Federal.
A autarquia federal, responsável por zelar pela livre concorrência no mercado, terá poder para estipular correções de conduta a empresas previamente designadas, que forem consideradas de relevância sistêmica em seus mercados.
As obrigações serão determinadas de forma específica, caso a caso, conforme a necessidade para garantir a concorrência. Ele tem inspiração nos modelos adotados pela Alemanha e Reino Unido.
Um dos pontos do texto estabelece um patamar mínimo de faturamento para definição dos grupos econômicos que estariam sujeitos às regras, sendo um valor bruto anual global superior a R$ 50 bilhões ou superior a R$ 5 bilhões no Brasil, como antecipou a Folha no início de agosto.
Na avaliação do governo, entre cinco e dez grandes empresas em operação no país se enquadrariam nas regras. O projeto segue as diretrizes divulgadas pela Fazenda em outubro do ano passado para coibir práticas predatórias contra empresas nacionais. O texto do projeto ficou pronto em abril, mas só agora recebeu o sinal verde do Palácio do Planalto para ser enviado à Câmara.
A proposta não tem relação com o projeto de regulação das big techs sobre o conteúdo publicado nas redes. Inicialmente, o governo apresentaria dois textos ao Congresso. Mas recuou da decisão em meio à pressão política e comercial do governo Donald Trump. A opção foi enviar apenas o projeto da equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
A expectativa do governo é que o projeto não irá enfrentar maiores resistências dos partidos de direita no Congresso pela perspectiva de que as novas regras estimulam a concorrência no país.
Integrantes do governo, que participaram da elaboração da proposta, afirmaram à Folha que as medidas não têm nada de muito diferente de práticas que vêm sendo adotadas pelo próprio governo Trump, Europa e outros países.
Um dos cuidados da equipe de Haddad é mostrar que as propostas não tratam de uma regulação de conteúdo das plataformas e das fake news, mas de proteção e fomento à competição nesses mercados digitais diante do tamanho e a importância que essas grandes plataformas de tecnologia estão assumindo na economia. Nos Estados Unidos e na Europa, elas têm sido alvos de uma série de processos concorrenciais.
A proposta determina que a promoção de concorrência em mercados digitais seja orientada pelo processo competitivo, redução de barreiras de entrada a novas empresas e liberdade de escolha do usuário dos serviços.
Entre as principais obrigações a serem seguidas pelas big techs estão a submissão ao Cade de aquisições em que sejam parte, independentemente do faturamento e adoção de critérios para ranqueamento e exibição de ofertas, incluindo buscas; estrutura de preços e taxas dos produtos e serviços.
Pelo projeto, o Cade também poderá proibir o chamado autofavorecimento. Ou seja, a vinculação da aquisição de um produto ou serviço a outro e práticas que impeçam o acesso aos usuários finais por canais alternativos.
Também poderá determinar a transferência de dados; interoperabilidade para produtos e serviços; instalação e uso de aplicações de terceiros e permitir a alteração de configurações-padrão.
O diagnóstico do governo para enviar o projeto é de que há um descompasso entre as novas dinâmicas das plataformas digitais e os mecanismos atuais de promoção da concorrência. As principais big techs (Google, Apple, Microsoft, Amazon e Meta) não só estão crescendo em valor de mercado, mas expandem sua atuação para vários serviços.
A visão do governo é que as big techs adquiriram um nível de dominância no mercado muito grande e que a falta de competição pode afetar a economia brasileira como um todo.
O mapeamento feito pela Fazenda mostrou que as big techs estão crescendo para mercados adjacentes, além de dominar os mercados em que elas já atuam. Competir com essas plataformas é muito difícil porque o serviço delas é mais barato por trabalharem num nível de escala elevado.
A big techs, porém, argumentam que não precisam dessa regulação. Já o governo afirma que elas não estão nem mesmo adotando no Brasil as mesmas exigências estipuladas pelos países europeus.
O projeto foi elaborado pela equipe do secretário de Reformas Econômicas do Ministério, Marcos Barbosa Pinto, com base no resultado da tomada de subsídios sobre o tema -mecanismo de consulta aberto ao público para coletar dados nas etapas iniciais do processo de regulação.
Com a proposta de regulação, o governo quer impedir que as big techs aproveitem seu poder de mercado e não cobrem preços abusivos dos usuários, sejam consumidores ou usuários empresariais. E também evitar que elas se expandam para negócios adjacentes, matando todas as outras empresas inovadoras no seu nascedouro, as chamadas startups.
Entre os problemas observados, há casos em que a plataforma dá direito de exclusividade para um usuário e até mesmo discrimina a entrada de outros.
A proposta da Fazenda prevê um modelo de regulamentação híbrido entre o estadunidense, de análise posterior dos casos, e o europeu, que identificou e estabeleceu obrigações diretas para sete grandes companhias: Alphabet, Amazon, Apple, Booking, ByteDance (TikTok), Meta (Facebook e Instagram) e Microsoft.
A regulamentação das big techs está no foco de Lula desde o começo deste mandato, mas ganhou tração nas últimas semanas diante do tarifaço imposto ao Brasil por Trump.