BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Integrantes do centrão, liderados pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), fecharam de forma sigilosa os termos de um acordo com uma ala de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) como alternativa a uma anistia ampla aos condenados por tentativa de golpe de Estado.
O acerto foi feito às portas fechadas e está sendo negado publicamente por ministros da corte.
A Folha de S.Paulo apurou que o acordo envolve a votação de um projeto que reduza penas pelos atos golpistas, a garantia de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) poderá cumprir pena em regime domiciliar e a rejeição de qualquer forma de perdão pelos crimes julgados pelo STF, segundo pessoas que participam das negociações.
Esses pontos foram discutidos em uma série de conversas envolvendo políticos de partidos do centrão e ao menos dois ministros do tribunal.
A concretização do acordo depende agora do aval dos bolsonaristas a essa negociação. O partido do ex-presidente sustenta que só aceita uma anistia ampla e irrestrita, que tire Bolsonaro da prisão.
Ministros do Supremo demonstraram contrariedade com a possível aprovação de um regime de urgência para o projeto da anistia, mesmo que depois ele seja utilizado para aprovar o texto com a redução das penas. Qualquer movimento no Legislativo a favor de um perdão obrigaria o Judiciário a reagir, afirmaram os ministros a esses interlocutores do centrão.
Como consequência, Motta separou o projeto que era defendido pelos bolsonaristas -protocolado em 2022 pelo ex-deputado major Vitor Hugo (PL-GO), que foi líder do governo Bolsonaro- do projeto que teria o regime de urgência votado nesta quarta (17). O novo texto é do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), que ainda deve ser modificado por um relator que tenha alinhamento com o STF.
Deputados dizem que uma anistia, se aprovada, poderia ser rejeitada pelo presidente Lula (PT) e seria declarada inconstitucional pelo STF, que em outros momentos se posicionou para rejeitar o indulto a crimes contra a democracia. Já a redução de penas, embora não agrade totalmente aos ministros, não seria vista pela corte como ilegal, nem uma afronta direta à condenação do ex-presidente.
Lula também afirmou, em almoço com integrantes do PDT no Palácio da Alvorada nesta quarta, que não se opõe à redução de pena dos condenados por atos golpistas, segundo três políticos relataram à reportagem. De acordo com eles, o presidente afirmou ainda que ficou preso por 580 dias e sabe que isso não é fácil. Na segunda, o petista se encontrou com Motta.
O PL insiste numa anistia ampla. O partido apresentou uma proposta abrangente, que garante até que o ex-presidente possa disputar a eleição presidencial de 2026, e perdoa crimes desde 2019. Nos bastidores, porém, bolsonaristas admitem que reverter a inelegibilidade é improvável.
Após a publicação da reportagem, o ministro Alexandre de Moraes, apesar de não ter sido citado no texto, divulgou nota para negar a existência de um acordo.
Ele afirmou que as informações são “totalmente inverídicas”. “O STF não faz acordos. O STF aplica a lei e as sanções devidamente impostas pela Primeira Turma da Corte, após o devido processo legal”, declarou.
Moraes é relator dos processos sobre a trama golpista e cabe a ele uma decisão sobre o regime de prisão de Bolsonaro.
O centrão avalia que não há votos no Congresso para aprovar uma anistia, ainda mais tão extensa, e sinaliza com um projeto alternativo, que reduza as penas dos condenados pelos atos golpistas.
O projeto seria uma reformulação, um pouco mais branda, do texto negociado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que reduzia a punição para aqueles condenados por crimes praticados em multidão no 8 de Janeiro, mas aumentava as penas para futuros mandantes de novos golpes de Estado.
A Folha de S.Paulo teve acesso a uma versão preliminar desse novo texto negociado pela Câmara. A proposta deve passar por modificações até ser protocolada parte dos ajustes feitos por sugestão de ministros do STF “para correção de imprecisões”, nas palavras de um negociador. Essa minuta não prevê diferenciação entre organizadores e participantes, nem eleva as penas para os organizadores ou financiadores.
A proposta reduz a pena do crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito, de prisão de 4 a 8 anos para entre 2 e 6 anos. Já o crime de golpe de Estado, hoje com prisão entre 4 a 12 anos, iria para 2 a 8 anos. Além disso, as punições por esses dois crimes não se somariam mais -seria excluído o crime menos grave.
Além disso, a minuta também determina que os acusados de agir em contexto de multidão só serão punidos se houver demonstração efetiva de que atuavam combinados com o articulador do golpe de Estado ou tentativa de abolição da democracia. Isso ajudaria a livrar parte dos condenados pelo 8 de Janeiro que não tenham comprovação de depredação ou atuação mais ativa na organização dos atos.
Bolsonaro foi condenado pela Primeira Turma do STF a 27 anos e 3 meses de prisão, acusado de liderar uma trama para permanecer no poder. A mudança nas penas, se aprovada, reduziria o tempo de prisão de Bolsonaro em 6 anos e 8 meses, além de permitir que ele peça uma reconsideração no tamanho da pena, já que não foi condenado à punição máxima por esses crimes.
O ex-presidente foi julgado culpado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, abolição do Estado democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.
Apesar da redução, a mudança não evitaria a prisão em regime fechado para Bolsonaro. De acordo com os envolvidos nas negociações, o acordo para rejeitar a anistia envolve uma autorização do STF para que o ex-presidente cumpra pena em casa, por motivos de saúde.
Bolsonaro foi ao hospital para exames no domingo (14), quando foi identificado um quadro de anemia e um resíduo de pneumonia. Nesta quarta-feira, exames indicaram câncer de pele em duas lesões retiradas pelo ex-presidente, e ele passará por acompanhamento clínico para reavaliar a condição. Os advogados pretendem alegar risco à saúde dele caso cumpra prisão em regime fechado em um presídio, como o da Papuda, em Brasília.