SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A expansão da iniciativa privada no saneamento básico não se limitou aos municípios que eram considerados o “filé mignon” do mercado brasileiro. De 2020 para cá, cidades com os piores indicadores de água e esgoto do país também entraram na leva de leilões, privatizações e PPPs (parceria público-privada) que vêm dando o tom do setor atualmente.
Dos 20 municípios que figuram no fim do ranking nacional elaborado pelo Instituto Trata Brasil, 16 já passaram ou devem passar por concessões até o próximo ano. É o caso de Santarém (PA), último da lista com 4% de coleta de esgoto, e cujo contrato foi recentemente arrematado pela Aegea.
O levantamento considera apenas os cem municípios mais populosos do Brasil. No entanto, a penetração privada em locais desafiadores também pode ser constatada pelos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que engloba todas as 5.570 cidades.
O Piauí domina a lista de municípios com rede de esgoto inadequada (8 dos 10 piores). No fim de 2024, a operação de saneamento no estado foi concedida –também para a Aegea.
Em relação ao abastecimento de água, o estado da Paraíba é quem se destaca negativamente (8 dos 10 últimos). Atualmente, a concessionária responsável pelos serviços é pública, mas um projeto de privatização está em estudo e pode sair em 2026.
O interesse da iniciativa privada nessas localidades vai na contramão de uma das críticas que opositores faziam ao marco legal do saneamento: a de que os grupos não estatais só entrariam nas cidades mais rentáveis.
Para especialistas, o avanço evidencia que os instrumentos da legislação –aprovada em 2020– estão funcionando e dá sinais de que os investimentos cheguem justamente onde a situação é mais precária.
Luana Preto, presidente do Instituto Trata Brasil, lembra que, além dos índices ruins, os últimos municípios do ranking investem muito pouco em água e esgoto. A média é de R$ 81,50 por ano por habitante, sendo que o desejável seria algo próximo de R$ 223.
“O fato de esses municípios estarem em projetos de concessão garante contratos com investimentos previstos bastante vultosos para universalização do saneamento”, afirma.
Das 20 cidades do ranking, 2 não têm previsão de concessão: Várzea Grande (MT) e Rio Branco (AC). Outras duas –Bauru (SP) e São Luís (MA)– integram estudos para a concessão.
Porto Velho (RO) e quatro municípios de Pernambuco (Olinda, Recife, Paulista e Jaboatão dos Guararapes) também aparecem no fim da lista e estão com projetos na reta final antes dos leilões.
Luana atribui essa expansão da iniciativa privada aos instrumentos do marco legal, como a necessidade de comprovação econômico-financeira por parte das companhias estaduais.
“Em muitos casos não havia capacidade de investimento. Isso trouxe a perspectiva de adoção de uma solução que trouxesse maiores recursos.”
Christiane Dias, presidente da Abcon Sindcon (entidade das operadoras privadas de saneamento), concorda com o diagnóstico e diz que os dados provam que os mecanismos previstos no marco estão funcionando.
Segundo ela, o setor privado vem muito agressivo nas concessões plenas e, onde não consegue entrar como operador, acaba participando via PPPs.
“A presença do setor privado está muito evidente no Brasil. Saímos de 5% [em 2019] e hoje estamos em 33%. No final do ano que vem, vamos estar em 50% [dos municípios]”, afirma.
Christiane destaca que a população pode não ter resultados visíveis ainda, dado que as concessões são muito recentes e os investimentos em saneamento não aparecem tão rapidamente.
“Os contratos são longos, toda essa infraestrutura tem que ser feita. Tem que parar a cidade inteira, abrir buraco e passar cano. A verdade é essa. Quando é que o serviço vai efetivamente chegar na porta do cidadão? Essa é quase a última etapa”, diz.
A Aegea é a empresa que mais possui contratos nos municípios que formam o fim do ranking. A companhia –que domina metade do mercado de saneamento no Brasil– é operadora de 9 dos 20 municípios com os piores índices.
Radamés Casseb, CEO da Aegea, diz que o foco da empresa quando foi fundada, em 2010, era entrar exatamente nos mercados mais difíceis, longe do polo Sul-Sudeste.
Segundo ele, nesses locais o investimento é mais impactante e o cidadão dá mais valor.
“A gente se preparou para operar em cidade pequena, onde demorava para chegar o insumo, onde a capacidade de renda das pessoas era menor. Cidades que não tinham um metro de rede de água”
Hoje, a Aegea atende mais de 39 milhões de clientes, em mais de 860 cidades espalhadas por 15 estados.
Segundo Radamés, assim como acontece nas periferias de grandes cidades, a empresa precisa enfrentar desafios de engenharia específicos para operar em municípios com índices tão ruins.
“Às vezes não tem rua, às vezes são palafitas. O aglomerado das casas não tem uma coerência arquitetônica homogênea como na cidade. Às vezes, elas estão em um ambiente de topografia desafiadora, em cima de um morro, em cima de uma pedra, em cima de uma área que é alagada…”, diz.
“Em um lugar alagado, você vai ter que construir infraestrutura aérea. Da mesma forma que você passa fios, você passa tubos de água”, acrescenta.
Radamés diz se animar com a expansão privada nas cidades que mais precisam avançar em saneamento.
“Mas fico um pouco triste com o que está oculto. Tem muito lugar que a discussão sequer começou, como no interior do Amazonas, em alguns estados do Nordeste, em alguns municípios do Centro do Brasil. Mas entendo isso como uma jornada.”
PRÓXIMOS LEILÕES DE SANEAMENGO NO BRASIL
– Pernambuco
Concessão parcial de saneamento
Investimento total: R$ 18,9 bilhões
Previsão: 4º tri 2025
– Rondônia
Concessão plena de saneamento
Investimento total: R$ 4,3 bilhões
Previsão: 1º tri 2026
– Goiás
PPP de esgoto
Investimento total: R$ 5,8 bilhões
Previsão: 1º tri 2026
– Paraíba
PPP água e de esgoto
Investimento total: R$ 5,7 bilhões
Previsão: 2º tri 2026
– Rio Grande do Norte
PPP de esgoto
Investimento total: R$ 4 bilhões
Previsão: 3º tri 2026
– Maranhão
Concessão plena de saneamento ou PPP
Investimento total: não informado
Previsão: 4º tri 2026