BRASÍLIA, DF E NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Grandes empresários brasileiros facilitaram contatos entre os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump, ajudando a pavimentar o caminho para os acenos feitos pelo republicano ao petista nesta terça-feira (23), durante a Assembleia-Geral da ONU.
Segundo interlocutores que acompanharam o processo, a atuação de gigantes como a Embraer (empresa da qual o governo é acionista) e a JBS, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, contribuiu para fortalecer, dentro da gestão Trump, a ala que defende uma negociação focada no comércio, e não em questões políticas, entre EUA e Brasil.
Na administração republicana, os representantes desse grupo estão nas equipes do escritório de comércio dos EUA, chefiado por Jamieson Greer, e do Departamento de Comércio, liderado por Howard Lutnick. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, também teria demonstrado preocupação com os impactos que a eventual aplicação de sanções contra bancos brasileiros poderia causar ao sistema financeiro.
Esse grupo se opõe a funcionários do Departamento de Estado e ao ex-assessor de Trump, Jason Miller, que consideram o julgamento de Jair Bolsonaro como peça central da relação bilateral e defendem uma estratégia de pressão máxima contra o Brasil.
Diferentes argumentos foram apresentados nas conversas de representantes do setor empresarial com autoridades americanas. O mais repisado foi que sobretaxas a itens brasileiros, como café e carne, resultariam no aumento de preços para os consumidores americanos.
Outros argumentos foram utilizados. Um deles alertava que as punições tarifárias impostas por Trump acabavam por fortalecer politicamente Lula -justamente o oposto do desejado por Washington.
Outro ponto apresentado foi que a reabilitação política de Bolsonaro, uma das principais demandas de Trump ao lançar o tarifaço contra o Brasil, estava fora do alcance dos EUA. Prova disso seria o fato de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter ignorado a pressão de Washington e condenado o ex-presidente.
Houve ainda casos em que companhias atuaram diretamente para ajudar o governo Lula a romper resistências entre auxiliares de Trump no diálogo com autoridades brasileiras.
Na semana de 11 de setembro, grandes empresários estiveram em Washington para negociar sobre as tarifas. Fizeram parte da comitiva Joesley Batista, João Camargo (presidente do conselho da Esfera Brasil) e Carlos Sanchez, da EMS, entre outros.
Eles se reuniram no Congresso com parlamentares republicanos, como Maria Elvira Salazar -deputada próxima do secretário de Estado, Marco Rubio-, além de outros integrantes da equipe de Trump.
Integrantes do grupo também tiveram encontro com Susie Willes, chefe de gabinete do presidente americano e uma das principais assessoras do republicano.
Na semana anterior, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) havia ido a Washington para uma reunião com o vice-secretário de Estado, Christopher Landau, além de encontros com o USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA) e com o Departamento de Comércio.
Os empresários também acionaram grupos de lobby nos EUA, compostos por profissionais com acesso direto ao governo.
Paralelamente, integrantes do governo Lula identificaram, nas últimas semanas, movimentos de membros da própria gestão Trump pedindo cautela nas medidas relacionadas ao Brasil.
O principal sinal de que a atuação do setor privado e do governo Lula -por meio de canais mantidos abaixo do radar, principalmente no Departamento de Comércio e no USTR- estava surtindo efeito veio na segunda-feira (22), quando Trump anunciou uma nova rodada de sanções contra o Brasil.
Viviane Barci, esposa do ministro do STF Alexandre de Moraes, foi incluída na lista de sanções da Lei Magnitsky, e o ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias, teve seu visto cassado -punição que se estendeu a outros funcionários.
No entanto, não houve aplicação de novas tarifas contra o país, nem a exclusão de itens da lista de exceções.
Pelo contrário, interlocutores ouvidos pela reportagem se dizem otimistas com a possível inclusão da carne na lista de produtos isentos do tarifaço.
Com o diagnóstico de que a margem de interlocução estava se ampliando, auxiliares de Lula passaram as últimas semanas discutindo a possibilidade de um contato direto entre os presidentes. Trump havia sinalizado abertura para um telefonema com Lula no início de agosto, mas o Planalto avaliou que o melhor seria esperar a Assembleia-Geral da ONU.
A ordem dos discursos -com Lula falando primeiro, seguido por Trump- colocaria os dois líderes na mesma sala, ainda que por poucos segundos.
A conversa, que segundo Trump durou menos de um minuto, resultou no agendamento de uma reunião entre os dois na próxima semana. De acordo com o chanceler Mauro Vieira, a conversa deve ocorrer por videoconferência. Caso se confirme, será o primeiro diálogo direto entre Lula e Trump e poderá relançar as bases das negociações sobre o tarifaço de 50% imposto a produtos brasileiros.