Multifranquias consolidam novo ciclo do franchising brasileiro e marcam avanço em gestão e escala

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André Friedheim: “O nome do jogo é ganho de escala”
(Divulgação)
  • Em franca expansão desde 2019, multifranqueados já respondem por 1/3 das operações de franquias no Brasil, segundo a ABF
  • Com foco em escala, 82% das redes já possuem multifranqueados, e 95% permitem expansão com múltiplas unidades
Por Bruno Cirillo

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Em seis anos, o franchising brasileiro mudou de escala e de perfil. O estudo mais recente da Associação Brasileira de Franchising (ABF) mostra que a presença de multifranqueados – empresários que administram duas ou mais unidades – vem crescendo de forma consistente desde 2019. Hoje, 82% das redes contam com esse tipo de franqueado, ante 78% no início da série. O avanço traduz a maturidade de um setor que se profissionalizou e aprendeu a operar com portfólio, pois inclusive um terço dos pontos de venda no país é gerido por quem comanda mais de uma marca de franquias. Para André Friedheim, sócio da CommUnit e da consultoria Francap, o fenômeno é reflexo direto da busca por eficiência e competitividade. “O nome do jogo é ganho de escala”, disse o empresário ao definir a estratégia que transformou o multifranqueado em símbolo da nova fase do franchising nacional.

O movimento acontece em um mercado que segue em expansão. O setor de franquias no Brasil soma 200,6 mil operações e faturou R$ 135,8 bilhões no primeiro semestre de 2025, alta de 11,6% sobre o mesmo período de 2024, segundo a ABF. O número de empregos diretos chegou a 1,7 milhão, impulsionado por redes que apostam em novos formatos – de quiosques e unidades móveis a franquias digitais e home based, modalidades que juntas já representam cerca de 14% do total de operações. Para os especialistas, a consolidação do multifranqueado reflete essa profissionalização da rede, com gestores mais experientes, estruturas administrativas compartilhadas e visão corporativa. “Quando sou um multifranqueado, negocio melhor com fornecedores”, afirmou André Friedheim. Ele reforça que o ganho de escala permite reduzir custos e ampliar margens.

Essa mudança de perfil foi tema central da feira Somos Multi, promovida pela CommUnit em setembro, no Allianz Parque, em São Paulo. O evento reuniu centenas de empresários e redes de diferentes setores, evidenciando a tendência de grupos econômicos que operam múltiplas marcas sob uma mesma gestão. Para Denis Santini, sócio da CommUnit e do Grupo MD, o novo franqueado é também um comunicador de marca. “O multifranqueado consegue fazer uma propaganda mais unificada e de maior impacto”, disse. O cenário confirma a leitura de que a expansão do franchising caminha menos pela abertura de novas redes e mais pela escala obtida dentro das já existentes – um franchising que cresce em base sólida, e não apenas em número de lojas.

Escolhas do Editor

O processo de consolidação das multifranquias no Brasil segue o mesmo caminho dos Estados Unidos, o maior e mais estruturado mercado de franchising do mundo. Lá, cerca de 200 grupos de multifranqueados operam 33 mil lojas, com um faturamento de US$ 55 bilhões (quase o equivalente a todo o sistema brasileiro somado). A comparação revela a força da gestão centralizada e da governança profissional, pilares que começam a se firmar também entre os empresários locais. “Uma dica para crescer com sustentabilidade? Estude os mercados, se capacite, se prepare: não saia comprando operações sem segurança”, afirmou Friedheim, ao defender que o crescimento deva vir acompanhado de planejamento e inteligência administrativa. A tendência, segundo ele, é que o franchising brasileiro avance menos em número de marcas e mais em integração de operações, caminho que ele define como “a virada de chave da escala para a eficiência”.

Quer ser um multifranqueado ou multifranqueador? Confira as dicas de quem já está nesse meio.

CONCORRÊNCIA PRÓPRIA
Em São José dos Campos (SP), a empresária Alexandra Borges, de 52 anos, decidiu transformar a própria concorrência em estratégia. Ela opera três cafeterias (Casa do Pão de Queijo, Café do Ponto e a marca própria Café do Barão), sendo duas delas no mesmo shopping. “Não se aproveita nada de uma franquia na outra. É outra empresa, outra operação, tudo diferente”, afirma. O grupo faturou R$ 8 milhões em 2024 e deve alcançar R$ 10 milhões em 2025, impulsionado pela criação da marca autoral.

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Não se aproveita nada de uma franquia na outra. É outra empresa, outra operação, tudo diferente

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Alexandra Borges

A decisão de manter negócios concorrentes reflete a nova dinâmica de portfólio que as multifranquias vêm adotando. Segundo a ABF, mais de 60% das redes com multifranqueados abrigam franqueados multimarcas, sinal de que o mercado valoriza diversificação e inteligência de nicho. Alexandra administra suas operações como se fossem divisões de um mesmo grupo: cada loja tem gestão autônoma, mas compartilha estrutura administrativa e equipe de gerentes. “Preparei todo o back-office para crescer com consistência, processos validados e um time maduro”, diz.

Entre uma cafeteria tradicional e outra mais voltada ao público apreciador, a empresária traça uma fronteira nítida. “A Casa do Pão de Queijo é uma cozinha afetiva; o Café do Ponto é para quem entende de café”, explica. A marca própria, por sua vez, é o passo seguinte, uma aposta na identidade e diferenciação de marca, reflexo do que especialistas chamam de “segunda onda das multifranquias”: empresários que deixam de apenas representar bandeiras e passam a construir as suas.

AMPLITUDE DE VISÃO
O empresário Luiz Sgobbi, segunda geração de uma família com tradição no varejo, representa a nova face do multifranqueado profissional. À frente de quatro lojas da Arezzo e onze unidades d’O Boticário em Araçatuba (SP) e região, ele comanda uma operação de R$ 50 milhões anuais, sustentada por um modelo de gestão familiar e compartilhado. “A gente pega as melhores práticas de um negócio e aplica no outro”, diz, ao resumir o aprendizado cruzado entre setores tão distintos quanto moda e cosméticos.

O caso de Sgobbi reflete o retrato identificado pela ABF: mais de 60% das redes com multifranqueados contam com empreendedores multimarcas, capazes de administrar operações de segmentos diferentes sob a mesma estrutura de comando. No grupo da família, o crescimento projetado de 18% para 2025 vem justamente dessa sinergia – 30% nas vendas diretas e 12% nas lojas físicas. Para o empresário, o franchising amadureceu porque exige “visão generalista e disciplina de gestão corporativa”, algo que ele associa ao fortalecimento dos processos sucessórios. “Não basta ser da família para assumir o negócio. É preciso chancela e preparo”, diz. Ele destaca que O Boticário mantém um dos sistemas de sucessão mais rigorosos do setor.

NÃO MISTURAR OS OVOS
Na zona leste de São Paulo, o empresário Leo Polachini construiu um portfólio de franquias que traduz, na prática, o conceito de diversificação estratégica que domina o franchising atual. À frente de 11 unidades do Bob’s, duas do KFC, uma loja da Casa Bauducco e uma Vila Trampolim (parque de recreação indoor na Baixada Santista), ele personifica o perfil de multifranqueado que busca escala com gestão profissional. “O empresário não pode botar os ovos no mesmo cesto. Porque se ele cai, vai quebrar tudo”, afirma.

Leo Polanchini: “O empresário não pode botar os ovos no mesmo cesto. Porque se ele cai, vai quebrar tudo”
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O alerta ganha peso num cenário em que, segundo a ABF, mais de 95% das redes permitem que um mesmo franqueado opere múltiplas unidades – e mais de 60% incentivam a atuação multimarcas, como a de Polachini. A estratégia se baseia na distribuição de risco e no ganho de eficiência administrativa: o empresário montou um back-office compartilhado que atende todas as operações e, agora, testa o modelo como serviço para outros franqueados. “Estamos começando um piloto para oferecer nossa estrutura de gestão a terceiros”, afirmou.

O grupo, que investiu R$ 1 milhão na Vila Trampolim, projeta crescimento de 50% em 2025, impulsionado pela diversificação. Polachini adota uma regra rígida de retorno: mantém apenas negócios que se pagam em até 18 meses, um horizonte de maturação alinhado ao que o setor considera sustentável. “Acima disso, eu estou fora”, diz. A visão reflete o novo momento do franchising, que é menos movido por expansão acelerada e mais guiado por rentabilidade e inteligência operacional.

ADMINISTRAÇÃO CENTRALIZADA
No Norte do país, a empresária Leandra Bisi Priante, dona de 12 lavanderias 5àsec e duas cafeterias Havanna, traduz a lógica da gestão integrada com operações independentes – modelo que tem se tornado dominante entre multifranqueados brasileiros. “A administração é centralizada, mas cada rede tem sua operação própria”, disse. A estrutura financeira e de back-office é única, mas o controle de indicadores (de custos a tíquete médio) é realizado por marca, como recomendam as boas práticas de governança.

Os números da ABF reforçam o retrato de um setor que avança em profissionalização e eficiência, com aumento no número de multifranqueados (de 17,5% em 2019 para 22% neste ano) sem abrir espaço para expansão desordenada. Bisi é exemplo dessa maturidade. Sua rede cresce, em média, 18% ao ano – sendo 15% nas lavanderias e 20% nos cafés. Ela trata o grupo como um ecossistema único, com controle de rentabilidade e desempenho em tempo real. “É tudo tratado como um grupo econômico, mesmo que cada negócio tenha o seu custo”, afirmou.

Outro diferencial está na gestão de pessoas. Bisi mantém programas permanentes de capacitação voltados à operação e à qualidade – da passadoria e lavagem de tecidos na 5àsec ao atendimento e mix de produtos na Havanna. “São cuidados e percepções muito diferentes, mas igualmente estratégicos”, disse. O método evidencia que o crescimento por multifranquias exige padronização, treinamento e visão de longo prazo – um salto em profissionalismo que explica por que o setor mantém crescimento de dois dígitos pelo quinto ano consecutivo.

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