SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A revista Der Spiegel, um dos veículos de imprensa mais influentes da Alemanha e da Europa, anunciou que o conhecido jornalista e cientista da comunicação Bernhard Pörksen será o primeiro ombudsman do semanário isto é, escreverá uma coluna trimestral criticando a produção jornalística da revista e atuando como representante do leitor.
O posto de ombudsman, que existe também na Folha de S.Paulo, não é amplamente difundido na imprensa alemã entre grandes veículos, sendo encontrando mais frequentemente em jornais locais com a notável exceção do Süddeutsche Zeitung, um dos jornais diários mais importantes do país.
Em carta aos leitores, o editor-chefe da Spiegel, Dirk Kurbjuweit, explicou que tomou a decisão em nome da transparência e da credibilidade. “Nós cometemos erros. Não somos perfeitos, mas queremos melhorar. É por isso que acreditamos que a crítica é bem-vinda”, escreveu Kurbjuweit. “Entendemos que nossos leitores valorizam a transparência e que ela é um importante elemento de credibilidade. Queremos que vocês saibam o que um especialista pensa sobre nosso trabalho.”
Segundo o editor-chefe, Pörksen “é provavelmente o observador da imprensa mais conhecido da Alemanha”. “Uma vez por trimestre, ele vai se debruçar sobre um tema importante no noticiário e analisar como fizemos a cobertura. Ele tem liberdade de realizar essa tarefa da maneira que quiser. Terá acesso completo ao nosso arquivo e aos nossos jornalistas. Queremos que ele seja capaz de desenvolver uma compreensão profunda do nosso trabalho, e seus textos não serão editados por nós o que ele escrever será publicado como foi escrito, mesmo que machuque.”
Pörksen já escreveu artigos de opinião sobre a cobertura da Spiegel no passado. Em abril de 2025, por exemplo, disse que a forma como a revista tratava o partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha), embora correta, corria o risco de cair na armadilha do jornalismo declaratório isto é, colocando frases incendiárias de líderes extremistas em manchetes sem o devido contexto.
No seu primeiro artigo como ombudsman, publicado em 21 de agosto, o jornalista analisa o que chama de “feudalismo digital” e seu impacto sobre a imprensa profissional. “Com as transformações da mídia na era digital, por um lado, muitas pessoas passaram a ter voz e visibilidade, o que é uma boa notícia. Mas por outro, paradoxalmente, observamos uma marcha na direção do feudalismo digital.
“Somente no ano passado, três empresas o Google, a Meta e a Amazon controlaram mais da metade de toda a renda com propaganda. Isso significa que poucos atores e plataformas monopolizaram o mercado de anúncios, outrora a fonte principal de financiamento do jornalismo, e o fizeram por meio de algoritmos opacos”, escreve Pörksen, que conclui que a Spiegel, assim como outros veículos, precisa refundar sua relação com o leitor.
Ao falar de confiança e credibilidade, entretanto, nem Kurbjuweit nem Pörksen fazem menção a um caso que abalou profundamente a confiança do público na revista e virou manchete no mundo todo. Em 2018, a Spiegel reconheceu que o repórter Claas Relotius, na época um dos jornalistas investigativos mais premiados da Alemanha e autor de uma série de reportagens de impacto, havia inventado entrevistas, personagens e até mesmo apurações inteiras. A revista publicou um pedido de desculpas em sua capa.
Criada em 1947 em Hamburgo, a Spiegel rapidamente se tornou uma das revistas mais importantes na então Alemanha Ocidental, sendo responsável por revelar uma série de escândalos políticos no período do pós-guerra no mais famoso deles, em 1962, o semanário publicou um relatório da Otan que dizia que a Alemanha não tinha capacidade militar de responder a um eventual ataque soviético.
A publicação da reportagem causou uma crise no governo do premiê Konrad Adenauer, que tentou processar os jornalistas por traição à pátria. A reação de Adenauer foi mal recebida entre a população, levando a um recuo e à renúncia do então ministro da Defesa, Franz Josef Strauß.