SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Relator do modelo de edital do Tecon 10, o megaterminal do porto de Santos, o ministro Antonio Anastasia, do TCU (Tribunal de Contas da União), pediu pareceres a diferentes órgãos públicos. Tudo o que não conseguiu foi consenso.
As autarquias consultadas por ele enviaram posicionamentos inconciliáveis, que partem de princípios diferentes e chegam a conclusões diversas. O documento mais longo (176 páginas) e contundente foi redigido pela Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Portuária e Ferroviária. A área técnica do próprio TCU.
Anastasia vai elaborar a recomendação sobre como deve ocorrer a concessão do maior terminal de contêineres do principal porto do país. Seu parecer vai a votação no plenário do terminal e, depois, será encaminhado à Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e ao Ministério de Portos e Aeroportos.
A principal questão é se o TCU vai recomendar ou não que o certame aconteça em duas fases ou em apenas uma.
Sem restrições, qualquer empresa poderá apresentar lances. Em fases, na primeira rodada estariam barrados os chamados “atuais incumbentes” (armadores donos de terminais em Santos).
Isso excluiria algumas das maiores empresas mundiais do setor, como Maersk, MSC (sócias no terminal BTP), CMA CGM (dona da Santos Brasil) e DP World.
Como não se trata de ilegalidade, o TCU vai recomendar à Antaq o modelo do leilão. Mas o próprio Ministério de Portos escreveu, em seu parecer solicitado por Anastasia, que a opinião do tribunal será seguida.
Antaq e ministério são partidários das restrições como forma de evitar concentração de mercado e favorecer um novo entrante no porto. Ministério da Fazenda e área técnica do TCU defendem liberdade total.
O Cade diz entender que, em princípio, é melhor diversificar os operadores, mas que o assunto carece de estudo mais aprofundado. Em público, o presidente da APS (Autoridade Portuária de Santos), Anderson Pomini, afirma que “o importante é ter o leilão”. O governo federal quer realizá-lo ainda neste ano.
Para chegar a esta divergência principal, há outras questões expostas nos pareceres enviados a Anastasia.
Há a questão da queda do valor de outorga em caso de restrições.
“A licitação não apenas seleciona o agente mais eficiente, como antecipa os benefícios de sua eficiência para o início do contrato, mantendo ainda certo grau de concorrência no mercado, o que reforça a disciplina econômica”, diz o TCU.
Esta é a opinião que predomina nos argumentos da Maersk, por exemplo, a empresa interessada no leilão em fase única que mais tem lutado por isso.
Os argumentos do Ministério de Portos e Aeroportos, apresentados a Anastasia, são parecidos com o que pensa a filipina ITCSI, defensora das duas rodadas e que enviou pareceres ao Tribunal e ao Ministério da Fazenda sobre o tema. A alegação é que o valor de outorga não é o mais importante. Trata-se de política pública.
“(…) A finalidade precípua do porto público não é a maximização da arrecadação em certames licitatórios, mas sim a prestação de serviço adequado, eficiente e competitivo (…) Cabe ao poder público privilegiar soluções que assegurem, ao longo da execução contratual, condições de acesso justo e competitivo às instalações portuárias”, afirma o Ministério de Portos.
Seu parecer de seis páginas tem como outro principal argumento também o interesse nacional.
“(…) Essa orientação visa reduzir os riscos de captura de mercado, assegurar a neutralidade desse novo terminal e ampliar o número de opções para usuários e armadores. No caso da concessão de um ativo de tamanha relevância para o país, como o Tecon Santos 10, devem ser consideradas questões regulatórias propriamente ditas, questões concorrenciais, e também orientações de política pública, cada uma delas emanadas pelos respectivos órgãos no âmbito de suas competências”, escreveu.
No documento encaminhado a Anastasia, a área técnica do TCU várias vezes discorda dessa visão, com afirmações como “desconcentrar o mercado pode ser até mais nocivo para o consumidor” ou “concentração não necessariamente prejudica o consumidor e a eficiência.”
Também analisa que o mercado atual na mão de poucos incumbentes foi impulsionado “por economias de escala, avanços tecnológicos e pela necessidade de altos investimentos em capacidade e tecnologia”, com ganhos na qualidade de serviço repassados aos consumidores.
O TCU considera ilegal a proibição de participação de empresas e diz que a recomendação da Antaq por duas fases “desrespeitou os princípios constitucionais da isonomia [ampla concorrência] e proporcionalidade, ancorando-se em riscos e premissas hipotéticas.”
O órgão também diz ter havido irregularidade na “não submissão do estudo concorrencial [da Antaq]” a uma nova consulta pública.
Não há consenso sobre os chamados remédios concorrenciais, as medidas para evitar concentração de mercado na mão de uma empresa. Em seus pareceres, Antaq e Ministério de Portos acreditam que o leilão em duas fases soluciona a questão porque a possibilidade de não haver definição na primeira rodada é considerada remota.
Mas a Fazenda ressalta a necessidade de cuidados quanto à “adoção de remédios que ultrapassem o necessário para restaurar a concorrência no mercado.” Para ela, a obrigatoriedade de uma eventual vencedora com terminais em Santos vender seus ativos “se configura como medida apta e de menor risco para incrementar o dinamismo concorrencial no completo portuário de Santos.”
O TCU defende que uma possível concentração de mercado estaria justificada pelos ganhos de eficiência, “cabendo ao regulador e aos órgãos de defesa antitruste monitorar o mercado e definir os remédios para mitigar os riscos.”
A Fazenda também justifica seu posicionamento ao citar receio de judicialização que atrase o processo. A Maersk e o Ministério Público do TCU já pediram liminares para paralisar o leilão. Não tiveram sucesso.
A expectativa do mercado é que seja um leilão com poucas ofertas, por causa do tamanho da licitação e da expertise exigida.
O Tecon 10 será instalado em uma área no bairro do Saboó, em Santos, de 622 mil metros quadrados. O projeto é que seja multipropósito, movimentando contêineres e carga solta. O vencedor do leilão será definido pelo modelo da maior outorga: ganha quem oferecer mais dinheiro pelo direito de construí-lo e operá-lo.
A capacidade vai chegar a 3,5 milhões de TEUs por ano (cada TEU representa um contêiner de 20 pés, ou cerca de 6 metros). Será o maior terminal do tipo no país.
Serão quatro berços, como são chamados os locais de atracação do navio para embarque e desembarque. A previsão de investimento nos 25 anos de concessão pode chegar a R$ 40 bilhões.