Como Ambipar foi de 800% de valorização acionária à beira da recuperação judicial

Uma image de notas de 20 reais

Imagem gerada por IA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ano de 2024 foi dourado para a Ambipar. Abriu janeiro com sua oferta internacional de títulos verdes -“green bonds”, em inglês- fazendo sucesso. Inaugurou escritórios em Dubai e Abu Dhabi. Fez parceria com a chinesa BYD. O fundador e controlador Tércio Borlenghi Junior, integrando a comitiva do Lide, de João Doria, até almoçou com o presidente da França, Emmanuel Macron.

As ações da companhia não pararam de subir. Em dezembro, chegaram ao topo de R$ 26,85 na B3, a Bolsa brasileira -dando uma imagem de solidez à companhia que respaldou uma segunda emissões de bônus verdes em janeiro de 2025.

Na semana que passou, a companhia viveu o reverso da moeda. Envolvida numa disputa judicial criada por ela mesma com os maiores bancos em atividade no país, a companhia viu a ação dar um mergulho abissal. Em cinco dias, preço foi de R$ 10,75 a R$ 1,40. Em relação ao topo, é uma queda de 95%, e o BR Partner foi contratado para evitar uma recuperação judicial em 90 dias.

Procurada pela reportagem para responder sobre a situação, a assessoria de imprensa disse que a companhia não se manifestaria.

Criada em 1995, a Ambipar ganhou projeção partir de 2020, promovendo uma acelerada expansão com mais de 70 fusões e aquisições, especialmente de pequenas e médias empresas. O que se conta no setor é que a pressa era tanta que nem faziam avaliação prévia (em inglês due diligence) e, quando havia, o controlador não dava atenção. Pagava e via depois. A estratégia era atuar como consolidadora nesse segmento de negócio.

Em seu site, ela é definida como multinacional brasileira, líder global em soluções ambientais, presente em 40 países, com mais de 20 funcionários. Opera com projetos de descarbonização, economia circular, transição energética e regeneração ambiental -a linha de frente dos negócios do século 21.

A percepção é que a companhia encarnou o estilo de Tércio. Descrito como vaidoso, é visto como alguém que prefere as coisas do seu jeito, no lugar e na hora que ele disser. Um folclore desse perfil é que chegou a marcar reuniões simultâneas, com interlocutores de diferentes empresas, num mesmo restaurante, e ficou pulando de mesa em mesa.

Os analistas explicam que identificaram a crise da Ambipar vindo de fora, em setembro, quando o valor daqueles “green bonds” começaram a cair. Alguém estava vendendo com vontade. Analistas passaram a perguntar por que a companhia não entrava comprando, já que as demonstrações financeiras anunciaram que havia R$ 4,7 bilhões em caixa.

Essa relutância já incomodava quando, em dia 24 de setembro, apesar de ter sede em São Paulo, a Ambipar recorreu à 3ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, considerada mais aberta a pleitos corporativos. Nessa petição inicial, pediu medida cautelar para suspender o pagamento a credores por 30 dias, prorrogáveis por mais 30. Apesar de citar problema apenas com uma instituição, o Deutsche Bank, apontou que execuções antecipadas criavam risco de colapso de mais de R$ 10 bilhões.

No centro dessa divergência está a Ambipar Lux, de Luxemburgo, que tem com o Deutsche um empréstimo US$ 35 milhões e três contratos de swap (um tipo de instrumento financeiro usado para fazer proteção contra a variação cambial).

Segundo a Ambipar, o banco alemão havia feito um aditivo, atrelando o pedido de garantias ao desempenho dos “green bonds”. Com a queda no valor desses títulos, cobrava R$ 60 milhões em garantias adicionais. O não pagamento resultaria no vencimento antecipado de todas as dívidas relacionadas aos swaps, que somavam US$ 550 milhões.

A Ambipar questionava a legitimidade da cobrança, alegando o banco exigia garantias muito além dos termos contratuais e já havia drenando mais de R$ 200 milhões em caixa em dias recentes.

O movimento na Justiça do Rio vazou para a Faria Lima, apelido do centro financeiro concentrado nessa avenida em São Paulo -que ligou a luz vermelha, com sirene. O raciocínio é simples: quem tem R$ 4,7 bilhões em caixa não cria confusão por causa de R$ 60 milhões.

No dia seguinte, bem cedo, o juiz já tinha um aviso adicional da Ambipar. Relatava que o banco espanhol Santander havia acionado a execução de cláusulas de vencimento de suas dívidas, antecipando a cobrança e exigindo pagamentos até as 14h daquele mesmo dia.

O juiz, então, acatou o pedido antes das 9h -e uma bola de neve começou a rolar. De lá para cá, outros credores já se manifestaram, em conjunto e em separado, pedindo da suspensão da cautelar. A Folha de S.Paulo tem acompanhado os autos. Há manifestações de Itaú, Bradesco, Banco ABC, Banco do Brasil, Sumitomo Mitsui e o já citado Santander que, juntos, teriam a receber cerca de R$ 2 bilhões da Ambipar. Até o Ministério Público Estadual entrou na discussão questionando a decisão do juiz.

Os analistas contam que sempre tiveram o pé atrás com a Ambipar -empresa que cresce depressa demais atrai desconfiança. Mas haviam dado um crédito à companhia por causa do time de executivos escolhido pelo controlador.

Pesou muito a presença de João Arruda, que assumiu como CFO, principal executivo de finanças, em julho do ano passado. Arruda havia trabalhado quase 15 anos no Bank of America. Fortaleceu a imagem da Ambipar até entre investidores estrangeiros.

Três dias antes de a Ambipar recorrer à Justiça, Arruda deixou a companhia. Nesta segunda-feira (6), ele e seus advogados têm audiência privada marcada na SRE da CVM (Superintendência de Registro de Valores Mobiliários da Comissão de Valores Mobiliários). A assessoria de imprensa confirmou o encontro à reportagem.

A leitura atual é que a Ambipar não tinha mesmo a sustentabilidade financeira expressa na valorização das ações, e que a fatura daquela alta artificial começa a ser cobrada.

Para quem não lembra ou não acompanhou: em meados de 2024, as ações da Ambipar embicaram uma valorização espantosa. Foram 863%, de 31 de maio a 19 de agosto. Na época, os analistas mais atentos desconfiaram que essa rápida subida não poderia ser natural.

A percepção foi, posteriormente, confirmada pela CVM. A área técnica emitiu parecer afirmando textualmente que encontrou “indícios claros de atuação em conjunto” entre Tercio, o banco Master, hoje com sérios problemas, e o empresário Nelson Tanure. Produziu um relatório esmiuçando como isso teria ocorrido (leia mais abaixo). Procurados, Master e Tanure não enviaram comentários até a publicação deste texto.

Quem gravita no entorno do mercado de capitais, porém, não esqueceu. “A área técnica da CVM descreveu muito detalhadamente como se deu a alta das ações da Ambipar”, diz José Andrés Lopes da Costa, sócio do DCLC Advogados e especialista em mercado de capitais.

Como ninguém conseguiu localizar em que contas estariam os R$ 4,7 bilhões do caixa da Ambipar, a memória desse caso agora ajudou a espalhar pela Faria Lima que o dinheiro estaria no Banco Master -o que negam pessoas que acompanham o caso pela Ambipar.

Relatório do banco suíço UBS indicou que o estado de ânimo dos investidores, refletido nas ações, tende a migrar da Bolsa para o dia a dia da companhia. Como credibilidade é um item importante também na decisão de negócios ambientais, o banco alertou para o risco de a crise financeira contaminar a operação -afugentando clientes e agravando a situação da companhia nas próximas semanas.

COMO A ÁREA TÉCNICA DA CVM DESCREVEU A ALTA DAS AÇÕES DA AMBIPAR EM 2024

Segundo detalha documento da CVM a que a reportagem teve acesso, em março de 2024, foi criado o fundo Phoenix FIP, um veículo de investimento de Nelson Tanure. Esse fundo era gerido pela Trustee DTVM que, então, pertencia ao mesmo grupo econômico do Banco Master.

Em abril, por R$ 1,04 bilhão, esse fundo Phoenix arrematou a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), na primeira privatização do governo do estado de São Paulo sob o comando de Tarcísio de Freitas.

Para financiar a compra das ações da Emae, a Phoenix SA, controlada pelo fundo Phoenix, emitiu debêntures -um tipo título que capta recursos de investidores. As debêntures foram subscritas pelo Master Capital FIM, fundo exclusivo do Banco Master.

Como garantia dessas debêntures foram oferecidas ações da Ambipar -que criaram um emaranhado de cruzamentos.

As ações da Ambipar foram cedidas como garantia para o Master Capital, do banco Master -e não eram quaisquer ações. Eram especificamente as que pertenciam a Tércio, o controlador da companhia, e ao fundo Esna, gerido pela Trustee, ligada ao mesmo Banco Master. Tanure e Tércio também figuraram como fiadores das debêntures.

Pelo descrito nos documentos da CVM, de junho a agosto, o controlador da Ambipar e o Esna, em conjunto com dois outros fundos, Kyra FIA e Texas FIA, também da Trustee, do Master, iniciaram um processo de compra de ações, que turbinaram o valor do papel.

Em setembro, outro fundo entrou nesse novelo: o fundo Ilha de Patmos FIM, identificado como outro veículo de investimentos de Tanure, se tornou cotista do Esna, substituindo o Banco Master. Na sequência, a totalidade das cotas do Esna detidas pelo fundo Ilha de Patmos foi integralizada no fundo Phoenix -aquele fundo que tinha feito a aquisição da Emae.

A área técnica da CVM entendeu que o movimento levou à concentração e reduziu a liquidez no mercado (o chamado free float), que despencou de 30,60% no final de maio para 10,23%, no início de agosto. Como bateu no limite, que exige ao menos um terço de ações em circulação, havia prejuízo aos minoritários. A área técnica cobrava a exigência regulatória de realização de uma OPA (Oferta Pública de Aquisição) por aumento de participação.

Os envolvidos negaram que atuavam em conjunto ou eram partes relacionadas e afirmavam que, por isso, a OPA não fazia sentido. Recorreram. A discussão no colegiado da CVM gerou controvérsias e reviravoltas. Dias depois de apoiar a área técnica, acatando a manipulação e votando a favor da OPA, o presidente da CVM renunciou. O interino mudou o voto de minerva. O recurso foi aceito pela maioria, e o caso, encerrado 29 de julho deste ano.

Neste domingo (5), um capitulo da história se encerrou. O não pagamento de juros da emissão das debêntures emitidas pela Phoenix levou à execução de garantias -quase 75% das ações ordinárias da Emae, que foram postas à venda e adquiridas pela Sabesp. As demais ordinárias estão com o controlador da Ambipar.

MAIS LIDAS

Voltar ao topo