Putin e Trump convergem nas tentativas de subverter a democracia, dizem pesquisadores franceses

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os Estados Unidos não podem mais ser encarados como aliados de democracias liberais como o Brasil e a França. É o que pensam os pesquisadores franceses Maud Quessard e Maxime Audinet, que veem cada vez mais semelhanças entre as estratégias do Kremlin para manipular a opinião pública e a abordagem de comunicação do governo americano sob Donald Trump.

“Rússia e Estados Unidos convergem nas narrativas que usam e nas tentativas de subverter a democracia liberal”, diz Quessard, diretora de Estudos Transatlânticos do Instituto de Pesquisas Estratégicas da Escola Militar de Paris (Irsem), ligado ao Ministério das Forças Armadas da França.

Segundo Quessard, países como a França se beneficiaram da aliança com os EUA por muitos anos, não apenas por meio da Otan. “Mas quando você tem um aliado que não compartilha mais os seus valores, não se pode mais confiar nele e fazer parceria. É um ponto de virada muito difícil para as democracias liberais, especialmente na Europa: nosso maior parceiro não é confiável quanto costumava ser, também porque deixamos de ter a mesma visão sobre o que é democracia.”

A pesquisadora acredita que o Brasil deva se preocupar com operações de influência dos Estados Unidos no país durante as eleições presidenciais. O fato de parte da sociedade brasileira, notadamente evangélicos conservadores, se alinhar às políticas de Trump torna o Brasil terreno fértil para tentativas dos EUA de manipular a opinião pública, na visão dela.

Quessard e Audinet vieram recentemente ao Brasil para falar com integrantes da sociedade civil, governo e universidades sobre a influência da Rússia e dos Estados Unidos.

Segundo Audinet, especialista em política russa no Irsem, tanto Rússia como EUA rechaçam a ideia da democracia liberal como o sistema político mais eficiente. Ambos se opõem aos valores progressistas, rotulados de woke, com enquadramentos um pouco diferentes – na Rússia, há protagonismo dos valores tradicionais; nos EUA, dos conservadores. Religião tem um papel importante na Rússia, com a Igreja Ortodoxa; nos EUA, com o movimento cristão conservador.

Enquanto os russos dispõem de estatais como a RT e Sputnik e décadas de experiência em operações de influência, os Estados Unidos contam com uma aliança com as onipresentes big techs para amplificar suas mensagens e detêm boa parte da infraestrutura de comunicações no mundo.

“Vivemos em uma era em que a democracia liberal tem que lutar não apenas contra regimes autoritários, mas também contra democracias iliberais. Essa é a ameaça que os EUA representam agora – materializada pelo uso e a instrumentalização da desinformação, com narrativas e infraestrutura”, diz Quessard. “O grande resultado da parceria entre Trump e as grandes empresas de tecnologia é que elas podem espalhar ou aumentar o alcance de informações por toda parte –concorrendo com os chineses.”

Trump desmantelou a Voice of America e a Radio Free Europe, dois braços importantes de projeção de influência no exterior, afirmando estarem tomadas pela cultura woke. O secretário de Estado, Marco Rubio, fechou o Escritório de Engajamento Global, criado em 2016 para combater desinformação e campanhas de influência estrangeiras.

No caso da Rússia, segundo Audinet, a grande habilidade é customizar sua mensagem de propaganda. “O anticolonialismo é uma retórica de política externa russa que realmente ressurgiu desde a invasão da Ucrânia’, diz o pesquisador.

Segundo ele, a mensagem era usada pelo grupo Wagner na África desde 2019, e aí foi expandida pelo Kremlin. “A ideia é dizer que a Rússia está apoiando essa nova tentativa de muitos países do Sul serem mais soberanos para rejeitar o neocolonialismo ocidental que ainda prevalece”, diz Audinet. “A Rússia nunca foi uma potência colonial na África ou nas Américas. Quando se trata do espaço pós-soviético, porém, obviamente há colonialismo e imperialismo, que o Kremlin tenta omitir.”

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