China recrudesce campanha de censura online e usuários têm medo de falar de política

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PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – O chinês Wang, 30, usa redes sociais todos os dias. Entre os aplicativos instalados em seu celular estão americanos, como o Instagram, e aqueles permitidos pelo regime da China, tal qual o WeChat. A experiência de uso entre os dois, porém, é bem diferente.

Vivendo em território chinês, o operador do mercado financeiro, assim como todos os outros moradores e visitantes do país, só está autorizado a usar plataformas validadas pelo regime. Isso significa que, quando acessa aplicativos como Instagram e X, precisa se conectar a uma VPN (rede virtual privada) que permite alterar sua localização virtual e acessar páginas bloqueadas geograficamente -o que é ilegal.

O risco ainda é menor do que ter certos tipos de comportamento nas redes sociais chinesas liberadas, como falar de política e outros temas sensíveis no país. O medo de Wang (nome fictício) e de muitos outros usuários é que o regime esteja ativamente rastreando o que é falado, seja em plataformas em que os perfis são públicos, como o Weibo, ou em conversas privadas, como no WeChat.

E seu temor não é infundado. Nos últimos meses, o regime chinês tem recrudescido a censura de conteúdo online sob uma campanha liderada pela Administração do Ciberespaço da China, órgão regulador da internet no país, para lidar com a “incitação maliciosa de emoções negativas”.

A campanha, que tem como alvo “plataformas de mídia social, vídeos curtos e plataformas de transmissão ao vivo”, quer evitar conflitos entre grupos, a promoção de pânico e ansiedade, a violência e a hostilidade online e o excesso de sentimentos negativos e pessimistas, segundo o órgão regulador.

Embora o debate sobre como evitar que a internet se transforme em um gatilho para a violência seja uma discussão que toma o mundo à medida que ataques a escolas e a grupos minorizados, por exemplo, frequentemente nascem no ambiente online, a execução da campanha chinesa mostra viés político.

Cerca de uma semana após o lançamento, a conta oficial do Weibo, plataforma similar ao X, comunicou a suspensão de “mais de 16 mil conteúdos violadores” e “mais de 1.200 contas infratoras”. Os casos citados como exemplo pela plataforma envolvem usuários que “fabricaram e disseminaram rumores e informações relacionadas à economia, às finanças e ao bem-estar social”.

Províncias pelo país também divulgaram suas próprias campanhas após o lançamento da nacional e passaram a tirar do ar conteúdo considerado infrator. Em Anhui, 240 sites foram retirados do ar e 199 responsáveis por contas ilegais ou irregulares foram convocados para entrevistas. A página oficial do local não dá detalhes do conteúdo, mas afirma que se tratava de “manipulação e especulação maliciosa” e “criação e propagação de boatos”, entre outros.

Em Xi’an, o órgão regulador afirma que retirou do ar cinco contas, além de realizar entrevistas e advertir ou instruir os donos dos perfis em decorrência da disseminação de informações falsas relacionadas à educação e ao setor imobiliário.

“A conta ‘XX Observador Imobiliário’ espalhou informações falsas sobre ‘colapso dos preços’ e ‘obras inacabadas’ e as associou a temas como ‘zonas escolares’ e ‘registros estudantis’ para criar alarde e confundir o público”, argumenta o órgão em um dos casos.

Na cidade de Zhengzhou, ao menos duas contas foram retiradas do ar após críticas ao município. “O monitoramento constatou que a conta de mídia social ‘Dadongpai Zhengzhou’ divulgou informações falsas e prejudiciais em vídeo relacionadas aos meios de vida da população para atrair atenção, o que teve um impacto negativo na imagem da cidade de Zhengzhou”, afirma o comunicado oficial.

As campanhas locais e nacional, porém, apenas dão contorno a uma forma de censura já praticada pelas autoridades chinesas. Em 2022, outra campanha do órgão regulador nacional fez com que as plataformas autorizadas tivessem que lidar com 2.800 contas que publicavam “rumores” sobre “emergências públicas, prevenção de epidemias, questões sociais e bem-estar público”.

Outra ação liderada pela entidade em 2023 encerrou definitivamente 66 mil contas por diferentes motivos, entre eles explorar tópicos polêmicos como “questões econômicas, sociais e de subsistência”.

A Folha de S.Paulo entrou em contato por email disponibilizado no site da Administração de Cibersegurança da China com questões acerca das campanhas, mas não recebeu resposta até a publicação da reportagem.

As histórias acerca do monitoramento do regime chinês fazem com que o brasileiro Daniel, 38, (nome também fictício) que mora na China há cerca de uma década, evite temas sensíveis em aplicativos de mensagem como o WeChat. Para ele, toda a rede está sob monitoramento.

Por via das dúvidas, evita escrever coisas mais simples, como “VPN”. Segundo o professor, essa é uma indicação que todos seguem. Não vê, porém, as ações das autoridades chinesas como uma mordaça. Afirma que há liberdade de expressão em diversos casos e que as reclamações e sugestões podem ser feitas em canais direcionados.

Além de responsabilizar aqueles que disseminam conteúdo considerado infrator nas redes, as autoridades chinesas também punem aqueles que disponibilizam formas de burlar o firewall chinês, que bloqueia sites estrangeiros.

Em 2021, uma pessoa levou uma multa de 1.000 yuans (cerca de R$ 760) e foi advertida após comprar um software de VPN para assistir vídeos e conversar com pessoas no exterior. Em 2017, a Apple retirou dezenas de aplicativos desse tipo da App Store chinesa por serem ilegais no país.

Outros casos envolvendo provedores e usuários de VPN já foram documentados.

Qiang Xiao, diretor do Counter Power Lab na Universidade da Califórnia em Berkeley, afirma que as medidas garantem que a opinião pública permaneça dentro dos limites definidos pelo Partido Comunista e projeta um modelo de espaço digital controlado pelo Estado.

Para ele, o medo dos usuários não é paranoia, mas o resultado procurado por um sistema de vigilância desenhado para normalizar a autocensura. “Aplicativos chineses como o WeChat conduzem uma vigilância em tempo real de palavras-chave, e termos sensíveis como ‘VPN’ podem automaticamente acionar filtros, bloqueios parciais ou alertas para revisão por parte do Estado”, diz.

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