Belas Artes faz 100 anos hoje e planeja as primeiras unidades fora do estado de São Paulo

Uma image de notas de 20 reais
Patrícia Cardim: "O caminho [na Belas Artes] é para que os alunos sejam criativos implementadores"
(Divulgação / Ampliada por IA)
  • Patricia Cardim, CEO da Belas Artes: "Ser criativo requer muito repertório. A gente não acredita na criatividade do 'eureca'"
  • Haverá missa às 17h na Catedral da Sé, homenagem ao Instituto Histórico Geográfico (sábado) e apresentação no Theatro Municipal (domingo)
Por Vitor Nuzzi

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Nesta terça-feira (23), o Centro Universitário Belas Artes chega ao centenário. Nascida Academia de Bellas Artes de São Paulo, os escritores Mário de Andrade e Menotti Del Picchia, por exemplo, prestigiaram sua inauguração. Lá foi criado o primeiro curso de Arquitetura da cidade, que teve Benedito Calixto como aluno. As comemorações terão missa hoje às 17h na Catedral da Sé, homenagem no Instituto Histórico Geográfico no sábado (27) e apresentação artística no Theatro Municipal no domingo (28). Da quarta geração à frente da instituição, a CEO Patricia Gomes Cardim diz que a Belas Artes – que surgiu com o objetivo de tornar e consolidar São Paulo como polo cultural – está pronta para sair do estado.

Atualmente, são quatro campi: três na capital (Vila Mariana, Paraíso e Cidade Jardim) e um no interior (Votorantim). São 50 mil formados até hoje. Atualmente, 8 mil alunos – matriculados em 40 cursos de graduação e 27 de pós – e outros 40 mil espalhados em seus 200 cursos livres. Segundo Patricia, 12 cidades em quatro estados são monitoradas para a instalação de novas unidades. “A Belas Artes nasceu com a missão de transformar vidas por meio da arte, da cultura e da educação”, disse Patricia. “E o mais bonito é saber que ainda estamos só começando.”

Inquietos e eternos insatisfeitos, como se definem as cabeças por trás da instituição. Inquietude que marcou seu fundador, o jornalista e escritor Pedro Augusto Gomes Cardim – que, por sinal, também nasceu em setembro (dia 16, em 1865 – morreu em 1932). Cardim não escondia a angústia com a falta de ações artísticas e culturais da São Paulo do começo do século passado. Tanto que fez amizade com os modernistas da Semana de Arte Moderna, realizada três anos antes da criação do centro de Ensino. Antes, Cardim já havia se envolvido na criação do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1894), do Conservatório Dramático e Musical (1904) e do Theatro Municipal (1911). Tanto que as comemorações pelo centenário incluem, além da missa de hoje na Catedral da Sé, o Instituto Geográfico e o Theatro Municipal no fim de semana. A seguir, a entrevista completa com Patricia Cardim.

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – Pensando no precursor, inquietude é um bom termo para definir a Belas Artes?
PATRICIA GOMES CARDIM – Inquietude e eternos insatisfeitos.

AGÊNCIA DC NEWS – Como desenvolver o espírito crítico em um momento em que se vê tão pouco debate e tanta violência verbal no país?
PATRICIA CARDIM – Na Belas Artes há uma prática rotineira de colocar o contraditório em debate. Seja qual for o grupo, a Belas Artes sempre trabalha para que eles sejam quebrados. Para que entrem outras ideias. Ela faz isso há 100 anos sem tornar a diversidade um ato de ideologias, de bandeiras. É assim que a gente enxerga a diversidade.

AGÊNCIA DC NEWS – A instituição já veio assim, não?PATRICIA CARDIM – Nasceu já num contexto de diversidade. Nosso fundador era um defensor de artes plásticas, da manualidade. Ele era muito amigo de todos os modernistas, que davam aula na Belas Artes. (Aberto a) Todos os pensamentos ideológicos, só que sempre com essa regra do debate, franco e aberto.

AGÊNCIA DC NEWS – E como conectar, ou aproximar, a atividade artística ao mercado?
PATRICIA CARDIM – Nem na fundação a instituição imaginou a atividade artística como hobby ou como um prazer. Sempre foi pensado como profissão. Com grandes feiras que a gente promovia, com galerias, marchands, para que [os alunos] pudessem estar próximos dos artistas como profissionais. [No Instagram, Patricia aparece manuseando atas dos primeiros tempos de Belas Artes, o que mostra, segundo ela, que a instituição “sempre acreditou na aproximação com o mercado”. Desde 1926, comentou, a universidade recebia “profissionais, influenciadores e autoridades para dialogar com os projetos dos nossos alunos – em 1929, foram mais de 700 pessoas presentes!”.]

AGÊNCIA DC NEWS – E há, por exemplo, o evento de conclusão da graduação (BA Creative Collectibles)…
PATRICIA CARDIM – Um grande evento, duas vezes por ano, onde parte da nota do aluno é dada pelo próprio mercado. Todos esses alunos têm essa possibilidade, que a gente chama de a grande última aula. E o BA Carreiras, com mais de 6 mil empresas cadastradas, um grande portfólio, onde eles se conectam com os nossos alunos. É a economia criativa como impulso para o PIB.

AGÊNCIA DC NEWS – Você já falou que é possível ensinar a criatividade. Não são situações antagônicas? A criatividade não exige liberdade total?
PATRICIA CARDIM – A criatividade pode ser ensinada. Nossa head nos mostrou que quando a pessoa está criando algo inovador, está usando todas as regiões do cérebro. Ser criativo requer muito repertório e também essa liberdade de crítica. A gente não acredita na criatividade do eureca. É esse exercício neural de criatividade. Eu imagino que é você estar o tempo todo se questionando. Você faz o mesmo caminho para ir ao trabalho? É bom variar. É você estar aberto, mesmo que seja para reafirmar a crença. É você não ficar vendido para o logaritmo que a sua própria mente estabelece.

AGÊNCIA DC NEWS – Criativitômetro. O que é isso?PATRICIA CARDIM – A superintendente [professora Josiane Tonelotto], que é formada em neuropsicologia, criou esse índice, que já está sendo feito com os alunos há cinco anos. O dado macro que a gente extraiu é que 70% dos alunos entram como criativos utópicos, que não é o que a Belas Artes quer para o aluno. O caminho é para que eles sejam criativos implementadores. Todo ser humano é criativo, mas tem tipos de criativos.

AGÊNCIA DC NEWS – Seria, então, um criativo realista, pragmático?
PATRICIA CARDIM – Sim. Um criativo que saiba ter método.

AGÊNCIA DC NEWS – Esse é o processo?
PATRICIA CARDIM – É esse desconforto neural, é você sair da zona de conforto, é isso que a gente tem como metodologia.

AGÊNCIA DC NEWS – Fala-se muito em inteligência artificial, mas quais são as efetivas possibilidades de utilização desse recurso, sem prejuízo das nossas habilidades criativas naturais? E como aplicar aos negócios?
PATRICIA CARDIM – A Belas Artes está entrando no terceiro semestre como disciplina para todos os cursos. é um tema transversal, obrigatório. todo aluno usa em algum momento dos trabalhos dele, sem nenhum prejuízo da criatividade artística, estética. Ela dá muita eficiência de leitura de dados, traz opções de um olhar que você não está conseguindo sair. E melhorou muito, muito, a entrega de imagem. Agora mesmo os alunos fizeram um vídeo como nosso fundador falando. Era possível fazer antes? Era. Mas demoraria muito. Eles fizeram em quatro ou cinco dias. Foram construindo com um prompt muito bem feito, para sair da forma mais natural possível.

AGÊNCIA DC NEWS – Pode dar mais um exemplo?
PATRICIA CARDIM – Outro exemplo bom é uma IA chamada CLO 3D no curso de moda. A gente já fazia roupa com uma certa flexibilidade tridimensional, mas hoje, quando o aluno desenvolve uma roupa no CLO 3D, você tem uma experiência quase tátil. Quer dizer que a IA substituiu o design? Claro que não. Ele [aluno] precisa de uma rampa. Como qualquer outra ferramenta inovadora, a Belas Artes vai colocar nos currículos.

Belas Artes
Centro Universitário completa 100 anos nesta terça: quatro campi e 8 mil alunos
(Reprodução)

AGÊNCIA DC NEWS – Para usar uma expressão sua, pensando na educação do Brasil, “o sarrafo precisa subir”?PATRICIA CARDIM – A educação básica no Brasil atende 90% da população, que é o inverso do ensino superior, e é muito mal gerida. São lamentáveis os resultados do Brasil na alfabetização, que eu entendo ser o grande gatilho da causa do não desenvolvimento do país. É a base de tudo. Você dá liberdade para a criança implementar.  

AGÊNCIA DC NEWS – É possível, digamos assim, recuperar esse terreno perdido?
PATRICIA CARDIM – Tem vários estudos que mostram que o cérebro é plástico. Então, é possível reverter também. Outro dia fui numa aula sobre o conflito entre Israel e Palestina, e o palestrante disse que levaria 500 anos para resolver. Eu acredito que todo conflito parte da educação básica. Na educação, tudo é cíclico, então eu acredito que em uma geração, sim, é possível.

AGÊNCIA DC NEWS – Com ensino público?
PATRICIA CARDIM – A educação tem que ser pública mesmo, mas tem que ser a escolha da família. Hoje, a família recebe uma carta informando qual é a escola que o aluno será direcionado. Quando a família escolhe, gera uma concorrência entre as escolas públicas.

AGÊNCIA DC NEWS – Não poderia existir uma Belas Artes do ensino básico?
PATRICIA CARDIM – Meu sonho sempre foi esse, quando eu me coloco como uma militante voluntária… Mas ela atenderia também esse nicho dos 10% do particular.

AGÊNCIA DC NEWS – De olho nos próximos anos, a Belas Artes já pensa em novos cursos. Ou novas unidades?
PATRICIA CARDIM – É o momento. O nosso debate é para onde a Belas Artes vai. De certa forma, o market share em São Paulo ela atendeu. O fundador chamava a Belas Artes de “a caçula”. Durante os últimos quatro anos, fizemos um teste no interior de São Paulo [campus de Votorantim, na região de Sorocaba, a 100 quilômetros da capital]. O importante era sabermos se a entrega acadêmica seria a mesma, e tivemos um resultado excelente lá. Agora, a gente se entende pronto para ir para outros estados.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual é o projeto?
PATRICIA CARDIM – O importante, para a Belas Artes, é que a cidade tenha um ecossistema.  A gente está olhando essas cidades, 12, que são primas culturais da Belas Artes. A ideia é que nos próximos anos a diretoria faça algumas imersões.

AGÊNCIA DC NEWS – Em quantos estados?
PATRICIA CARDIM – A gente quer ir primeiro para quatro.

AGÊNCIA DC NEWS – Em quanto tempo?
PATRICIA CARDIM – É um projeto de cinco anos. Em dois anos, deve ser lançado também para que em cinco possa estar em operação. Precisamos estar preparados. É o que a gente chama de super polos. A gente nunca quis para ir para o 100% online.

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