Alemanha se distancia de aliados e reitera que não reconhecerá Palestina

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Três quartos dos 193 Estados-membros da ONU já reconhecem o Estado da Palestina, incluindo o Brasil. Na última semana, aliados importantes de Israel, como Reino Unido, França e Canadá manifestaram disposição de seguir caminho semelhante, caso a crise humanitária na Faixa de Gaza não melhore.

Outros países europeus também decidiram pelo reconhecimento em protesto contra a condução da guerra pelo governo de Binyamin Netanyahu: Portugal, Espanha, Noruega e Eslovênia passaram a reconhecer a Palestina nas últimas semanas. Mas o país mais populoso e principal economia da Europa, a Alemanha, não planeja fazer o mesmo.

“A Alemanha tem uma posição diferente”, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Johann Wadephul, em um comunicado após uma visita a Jerusalém no fim de semana. O país mantém seu compromisso com uma solução de dois Estados, que, segundo ele, “é o único caminho que permite às pessoas de ambos os lados viverem em paz, segurança e dignidade”. No entanto, o reconhecimento de um Estado palestino, para o governo alemão, só deve ocorrer ao final de um processo de negociação, que, nas palavras de Wadephul, precisa começar em breve.

A posição alemã se apoia em uma responsabilidade histórica com Israel, resultado direto do Holocausto cometido pela Alemanha nazista. “A Alemanha tem uma responsabilidade especial com relação a Israel”, disse o ministro. “Mas a situação dramaticamente agravada em Gaza não pode e não vai deixar a Alemanha indiferente.”

Em visita recente a Jerusalém, o chefe da diplomacia alemã afirmou que Tel Aviv corre o risco de se isolar na comunidade internacional. Esse alerta foi feito em um momento em que cresce a pressão para Berlim adotar uma abordagem mais dura frente ao governo Netanyah. A cobrança não vem só do exterior: há também resistência dentro da coalizão do governo alemão, formada pelo partido de centro-direita CDU e a sigla de centro-esquerda SPD.

Além disso, no fim de julho, mais de 200 artistas alemães, entre eles atores e músicos famosos, dirigiram-se ao primeiro-ministro, Friedrich Merz, em uma carta aberta. O título dizia: “Não deixe Gaza morrer, sr. Merz.”

“Na opinião pública alemã, houve uma mudança perceptível nas últimas semanas”, afirma à Folha de S.Paulo Meron Mendel, diretor do Centro Educacional Anne Frank e professor da Universidade de Frankfurt. “A pressão sobre o governo aumenta para que ele seja mais firme com Netanyahu.”

Mesmo assim, segundo Mendel, “não surpreende que a Alemanha —ao lado dos EUA— continue tratando o governo israelense com cautela, sem impor consequências políticas até agora.” A atual política externa do governo de Merz, segundo ele, segue fiel à doutrina formulada por Angela Merkel: “a segurança de Israel é razão de Estado para a Alemanha.”

A expressão “razão de Estado” tem marcado a relação da Alemanha com Israel no debate público do país europeu nos últimos anos. Merkel cunhou o termo (“Staatsräson”, em alemão) que foi reafirmado por Olaf Scholz após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023.

Esse compromisso reflete uma obrigação moral da Alemanha com Israel —país onde judeus sobreviventes do Holocausto, cometido pelo nazismo, encontraram refúgio. Mas também crescem na Alemanha as críticas de que o país não pode ignorar a crise humanitária em Gaza nem um governo israelense de ultradireita que ameaça anexar a Cisjordânia e que, segundo relatos atuais, fala em ocupar toda a Faixa de Gaza.

Wadephul reconhece o dilema. “Estamos em uma fase decisiva, na qual a Alemanha precisa se posicionar”, disse ele depois da reunião com Netanyahu. “Vim aqui como representante de um país com uma obrigação histórica que não termina, com a segurança do único Estado judeu, e que ao mesmo tempo está ligado a Israel pelos laços humanos mais estreitos”, afirmou.

A Alemanha está “firmemente ao lado de Israel, com o objetivo de finalmente libertar os reféns”. Mas o governo israelense, continua ele, tem que permitir ajuda humanitária e médica suficiente para evitar uma catástrofe por fome em Gaza.

A opinião do governo alemão é a de que Berlim está em uma posição única para influenciar Israel. “Se as fortes relações com Israel realmente fizerem Netanyahu levar a sério as preocupações de Berlim e encerrar a guerra, seria uma estratégia válida”, afirma Mendel. “Mas a experiência mostra que, com Netanyahu e seus parceiros de extrema direita, palavras não bastam.”

Para Mendel, é essencial que a Alemanha atue em conjunto com outras democracias ocidentais para que a pressão seja coordenada. O ministro das Relações Exteriores acredita ter conseguido transmitir que Israel precisa urgentemente permitir ajuda humanitária a Gaza. “Tenho a impressão de que isso começa a ser compreendido”, disse Wadephul ao final da visita.

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