[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Ana Carolina Medeiros, presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav), está otimista com o turismo no Brasil. Para ela, o ano de 2025 já pode ser considerado a virada do setor, um movimento que começou há alguns anos. “Depois da pandemia, o brasileiro voltou a valorizar o turismo doméstico”, afirma. O otimismo se apoia nos números. Só em setembro, os voos internos movimentaram 8,5 milhões de passageiros, melhor resultado para o mês desde o início da série histórica, em 2000, e o 13º avanço consecutivo segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A demanda crescente também estimulou novos investimentos em pousadas e hospedagens de experiência, que, segundo ela, ampliaram a oferta e elevaram o padrão de serviço no país. O movimento interno se soma ao interesse internacional. Entre janeiro e setembro, o Brasil recebeu 7,09 milhões de turistas vindos de fora, alta de 45% sobre o mesmo período de 2024 e acima da meta prevista no Plano Nacional de Turismo (6,9 milhões). À AGÊNCIA DC NEWS, Ana Carolina afirma que o momento é, sim, positivo, mas ainda depende da superação de um obstáculo que atravessa décadas: a infraestrutura insuficiente para permitir que o turismo brasileiro, de fato, decole.
O impulso financeiro do setor confirma o otimismo. Entre janeiro e setembro de 2025, estrangeiros deixaram R$ 16,6 bilhões no Brasil durante suas viagens, segundo o Banco Central — alta de 12,9% em relação aos R$ 14,7 bilhões registrados no mesmo período de 2024, o que representa R$ 1,8 bilhão a mais circulando na economia nacional. O movimento é sentido na ponta. “Comerciantes passam a vender para turistas, cria-se uma indústria para abastecer o setor hoteleiro. Uma coisa puxa a outra”, afirmou Ana Carolina. Parte desse avanço também tem explicação econômica: com o dólar valorizado frente ao real, viajar ao Brasil ficou mais barato para quem vem de fora, enquanto o câmbio pressionado atua no sentido inverso para o brasileiro – que, ainda assim, continua viajando, muitas vezes reorganizando orçamento e ajustando escolhas de hospedagem e roteiro. “Temos dificuldades tributárias e o dólar atrapalhando, mas ainda há grande propensão a viagens”, disse.
Além de presidente da Abav, Ana Carolina também é diretora na Taguatur Transportes e na Taguatur Turismo, empresas fundadas pelos pais entre as décadas de 1970 e 1980, quando a família se mudou para São Luís do Maranhão. Ela se define como uma apaixonada por ser turista e agente do turismo e, entre seus cinco destinos favoritos, três estão no Brasil: a própria São Luís, em primeiro lugar, os Lençóis Maranhenses em segundo e o Rio de Janeiro em quinto. “São poucos os países que podem ser comparados ao Brasil, especialmente falando em variedade de paisagens para conhecer”, disse a executiva. Para ela, o país é pioneiro no turismo de experiência, tendência que deve dominar os próximos anos por reunir os principais atributos buscados por viajantes ao redor do mundo. “As pessoas estão extremamente preocupadas em buscar experiências que não sejam devastadoras. Buscam sustentabilidade e autenticidade, não um turismo fabricado.” Confira a entrevista abaixo.
AGÊNCIA DC NEWS – Como sua história com turismo começou?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Vem de família e, na verdade, começou com transportes. Meu pai entrou no ramo quando ainda morava no Rio de Janeiro e a palavra para ônibus era “lotação”. Durante a construção de Brasília ele foi para lá com o que tinha para prestar serviço de transporte. No final da década de 1960 meus pais se conheceram e fundaram juntos a Taguatur Transportes. Então eu nasci e eles acabaram comprando outra empresa de transporte no Maranhão, com matriz em São Luís.
AGÊNCIA DC NEWS – E como acabaram no ramo de turismo? ANA CAROLINA MEDEIROS – Eles eram muito rigorosos com a operação e foram convidados para fazer o receptivo de um navio de turistas. Naquela época só faziam transporte rodoviário, mas decidiram aceitar a proposta. Contrataram guias, fizeram treinamento e receberam os mais de 300 passageiros com mais de 12 ônibus. Foi uma operação muito grande para a época e para eles, mas foi um sucesso. Quando eu já era um pouquinho maior eles entraram de vez no ramo de turismo e nasceu a Taguatur Turismo. Hoje eu assumi as duas.
AGÊNCIA DC NEWS – Foi natural para você entrar no ramo também?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Eu cresci basicamente no escritório deles. Brinco que eu era como a sacolinha deles, onde eles iam eu estava presente. Eu saía do colégio e passava a tarde na agência. Via todos os lados do negócio, até porque meus pais não tinham condições de ter muitos funcionários. Era possível escutar os dois negociando e atendendo clientes. Também via minha mãe faxinar e meu pai consertar os ônibus. Então eu sempre estive dentro do ramo. Não me lembro de um dia ter falado “hoje vou começar a trabalhar”.
AGÊNCIA DC NEWS – Você se considera apaixonada por turismo?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Muito! Não só de ser passageira, ser turista, que é algo que eu gosto muito. Algo em que eu sempre escolho investir. Mas também do outro lado, da parte operacional. O turismo me encanta muito, é gerador de emprego, ensina muito, te capacita, gera economia.
AGÊNCIA DC NEWS – E sua trajetória dentro da Abav?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Minha história no associativismo também é herança deles. Enquanto meu pai era mais ligado à empresa de transportes, minha mãe gostava mais do turismo. Ela já participava da AbavMaranhão, da qual foi presidente, e sempre me levava nas reuniões e eventos da associação. Então desde a infância, adolescência, eu já frequentava. Já adulta, a diretoria me convidou para assumir um cargo e fiquei com a diretoria de receptivos. E eu gosto muito do associativismo, porque acho que juntos somos mais fortes. Meus pais também eram associados da Skål International Brasil, que é uma associação global. Eu também fui presidente nacional deles e viajei muito com meus pais por causa dessa entidade.
AGÊNCIA DC NEWS – Passando agora para o presente. Como você avalia o ano de 2025 para o setor?
ANA CAROLINA MEDEIROS – O ano de 2025 foi um ano de mudança brusca, de forma muito positiva, para o mundo e principalmente para o Brasil. As pessoas descobriram que o nosso país é um dos melhores e maiores países com potencial turístico. São poucos os países que podem ser comparados ao Brasil, né? Temos turismo natural nos biomas, turismo urbano em São Paulo, arquitetura nas cidades históricas, temos uma das maravilhas do mundo no Rio de Janeiro, o Cristo Redentor. Então, a gente vive um momento dos brasileiros conhecerem o nosso país, viajar internamente. Além do próprio turismo internacional, que pela primeira vez em anos superamos as marcas de estrangeiros dentro do país. Isso gera emprego, gera investimentos da iniciativa privada, seja do pequeno artesão até os investidores do entretenimento e da gastronomia.
AGÊNCIA DC NEWS – E a que se deve esse reconhecimento?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Acho que foi uma combinação de circunstâncias e investimento de oportunidade. Durante e depois da pandemia de Covid-19, quando as fronteiras ficaram fechadas, quem tinha condição decidiu explorar os destinos nacionais. Com isso, muitos investidores começaram a investir em pousadas, com a mesma qualidade da hotelaria estrangeira, além do mercado de luxo. O Brasil começou a atender não só o público comum, que procura uma coisa mais barata, mas também o público de luxo. O setor também soube aproveitar os incentivos dos governos, que precisaram ajudar durante a pandemia. Então, acho que todo mundo arregaçou as mangas e “vamos descobrir o Brasil”. Para fazermos turismo precisamos de infraestrutura. E estamos construindo, cada um fazendo sua parte.
AGÊNCIA DC NEWS – E os brasileiros viajando para fora? Os números já voltaram ao que eram antes da pandemia?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Voltaram e superaram. Apesar das dificuldades, eu prefiro ser positiva. No Brasil temos dificuldades tributárias e o dólar atrapalhando, mas percebemos que os brasileiros estão se organizando e viajando mais, inclusive para fora. Nem que para isso precise parcelar em várias vezes, mudar a categoria de hotel. A gente fala sempre do planejamento, né? Existe passagem barata, existe hotel mais em conta, existe até passeio com valor reduzido, quando você possui planejamento. Então vemos que as pessoas realmente estão se planejando mais e isso reflete nos voos já fechados para o final do ano, nos hotéis lotados, nos pacotes fechados.
AGÊNCIA DC NEWS – Quais segmentos estão puxando esse crescimento?
ANA CAROLINA MEDEIROS – O lazer com certeza é o que mais puxa. Outro segmento que vem crescendo é o que chamamos de turismo de incentivo, de empresas que estão batendo metas e promovendo passeios para os funcionários. Mas, no geral, é o lazer que acaba englobando o turismo esportivo e religioso, por exemplo.
AGÊNCIA DC NEWS – E nesse boom turístico, quais são as principais tendências? O setor acaba refletindo tendências de consumo?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Hoje é muito dinâmico e vemos um mix de sustentabilidade, responsabilidade e tecnologia. Percebemos que há uma preocupação muito grande das pessoas que trabalham no setor em ter essas questões na frente. Tomando o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses como exemplo, que está sendo muito elogiado pela segurança e pela limpeza. O receptivo teve a preocupação de todo mundo andar com um saquinho para descartar o próprio lixo. Até o transporte, hotel e restaurante, as pessoas se preocupam se causa alguma poluição. As pessoas estão extremamente preocupadas em buscar experiências que não sejam devastadoras. Buscam sustentabilidade e autenticidade, não um turismo fabricado. Chamamos de turismo de experiência.
AGÊNCIA DC NEWS – Como essa tendência funciona na prática?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Nesse turismo você não quer conhecer aquele ponto turístico fabricado para receber turista. A ideia é conseguir permissão para ir àquele local e experimentar a vida nativa. Conhecer um quilombo, uma aldeia, o trabalho cheio de cultura das rendeiras. Foge do modelo do guia que fala e depois você só vai embora. Isso é muito legal porque as comunidades estão sendo capacitadas para receber turistas sem mudar suas características. E o turista também está aprendendo a chegar nessas casas, nesses bairros e respeitar aquela localidade, aquela cultura.
AGÊNCIA DC NEWS – Observando essa e outras tendências, há espaço para inovação e startups dentro do mercado tradicional?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Muito! Hoje eu digo que a criatividade no que as startups podem desenvolver é infinita. Pensando no turismo de experiência, são inúmeras as oportunidades de negócios que podem ser feitos para gerar turismo sem tirar as características do local. Inovações que nascem da valorização da cultura local.
AGÊNCIA DC NEWS – Passando para as ações do poder público, como a Abav avalia as políticas de incentivo ligadas ao turismo?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Muitos líderes políticos já perceberam que o turismo é um investimento com retorno rápido. Temos inúmeros exemplos de vilas que há duas décadas eram desconhecidas entrando para o mapa turístico, ficando até melhores do que capitais. Isso traz mais qualidade de vida para os moradores, que vão usufruir da estrutura gerada pelo investimento em turismo. Com a troca de governo do ano que vem, os líderes das associações do setor vão até os políticos mostrar o retorno desse investimento. Vamos até um deputado explicar, por exemplo, a importância de pavimentar uma estrada no interior do Sergipe. Porque pode nascer dali uma ligação turística que vai impulsionar mais escolas, hospitais, acesso, empregabilidade, serviços e toda uma indústria para abastecer esse desenvolvimento.
AGÊNCIA DC NEWS – E você acredita que tem algo sendo feito, ou que pode ser feito, para que mais classes sociais possam acessar esse lazer?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Eu vejo que cada vez mais classes estão viajando sim. Desde pessoas mais humildes aos viajantes mais premium. Parece estar mais relacionado com a mudança de mentalidade do brasileiro e com mais opções de modelos de viagem. Hostel, por exemplo, vem ficando mais popular até para famílias. Assim como o turismo de luxo, que hoje o Brasil tem capacidade de ofertar em todo o território.
AGÊNCIA DC NEWS – Há algum trabalho da Abav que você gostaria de destacar?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Nós temos capacitado nossos associados para esse novo mundo. Nosso foco é mostrar que o empresário e profissional do ramo precisa se capacitar e estudar. Porque hoje em dia o cliente tem acesso a tudo. Então, um agente de viagem tem que ser um uma pessoa estudiosa, pesquisadora, conhecedora, tem que saber diferenciar os golpistas dos trabalhadores para saber fechar uma parceria. Então fornecemos cursos, capacitações e treinamentos para nossos associados saberem vender nosso país. Também trabalhamos para que as agências tenham estabilidade financeira e que saibam solucionar problemas tanto operacionais quanto dos clientes com o seu produto. Além, claro, do trabalho externo, de dialogar com os três poderes em nome da categoria.
AGÊNCIA DC NEWS – Para fechar, qual foi o lugar que você mais gostou de conhecer em suas viagens?
ANA CAROLINA MEDEIROS – Pode cinco? São Luís, o lugar onde cresci; Lençóis Maranhenses em segundo; Dubrovnik, na Croácia, em terceiro; Japão e Rio de Janeiro.