SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dia após o ultimato dado a Vladimir Putin para tentar acabar com a Guerra da Ucrânia, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pediu nesta terça (15) que Volodimir Zelenski não ataque Moscou.
A fala ocorreu após a publicação de uma reportagem do jornal britânico Financial Times, segundo a qual Trump havia questionado o colega há quase duas semanas se Kiev teria condições de atacar alvos militares em Moscou, e ouviu em resposta que sim, caso os americanos lhe fornecessem armamentos capazes de fazer isso.
“Com certeza”, disse o presidente ucraniano, segundo relato publicado nesta terça pelo Financial Times. Ciente do azedume em Moscou com o texto, que não foi negado, Trump disse que não está do lado de ninguém. “Só quero parar a matança”, afirmou.
A conversa por telefone ocorreu no dia 4 de julho. Na véspera, Trump havia falado com Vladimir Putin para, mais uma vez, tentar convencer o russo a aceitar um cessar-fogo no conflito iniciado por Moscou em 2022.
Decepcionado novamente, Trump aumentou o tom das críticas ao líder do Kremlin e, na segunda-feira (14), emitiu um ultimato para que ele aceite a trégua em até 50 dias, sob penas de ser punido com duras sanções e mais fluxo de armas para Zelenski.
A Rússia rejeitou o ultimato, mas manteve a porta aberta para negociações diretas com os ucranianos. Segundo o Financial Times, o relato feito por duas pessoas que foram informadas acerca da conversa entre Trump e Zelenski mostrou um republicano muito menos próximo de Putin do que vinha demonstrando.
Ele chamou o colega de mau e introduziu o tema das armas de longo alcance. “Volodimir, você pode atingir Moscou? Pode atingir São Petersburgo também?”, disse Trump, segundo o jornal. “Com certeza. Nós podemos, se você nos der as armas”, respondeu Zelenski.
Então Trump, sempre segundo a versão publicada, insinuou que tal fornecimento pode ocorrer porque ele acredita que “os moscovitas precisam sentir a dor” da guerra.
O republicano era um dos maiores críticos da autorização limitada para ataques dentro de território russo com armas ocidentais dada no fim do mandato de Joe Biden, seu antecessor democrata. Segundo Trump, a medida era “uma loucura” que poderia levar à Terceira Guerra Mundial.
Talvez tudo seja só ameaça, mas os russos estão atentos. Nesta terça, o secretário-geral da Otan, Mark Rutte, afirmou que ainda não há uma decisão acerca do envio de armas de longo alcance para Kiev, mas que “o assunto está sendo discutido”.
Na segunda, circularam na mídia ucraniana relatos de que os EUA estavam se preparando para fornecer um míssil ar-solo, o AGM-158 JASSM, para equipar os F-16 doados por países europeus a Kiev.
A arma em sua versão básica tem alcance de 360 km, suficiente para colocar cerca de 30 bases aéreas russas sob sua mira, mas chega aos 926 km em modelos modernizados. Moscou fica a cerca de 500 km de pontos de lançamento na Ucrânia.
Ainda nesta terça, ao comentar o anúncio de Trump, o chefe adjunto da inteligência militar ucraniana, general Vadim Skitibskii, disse que não está claro o que será enviado, mas que, na conversa do dia 4, Zelenski tentou convencer sem sucesso o americano a lhe dar mísseis de cruzeiro Tomahawk.
Poderosas armas de precisão, com alcance de 1.600 km, elas seriam vistas como uma declaração americana de guerra à Rússia. “Vamos ver o que acontece com Putin”, disse Trump nesta terça.
Até aqui, os ataques à capital russa foram feitos com drones de longo alcance ucranianos, de produção doméstica. Eles têm efeito psicológico e mataram ocasionalmente pessoas nas periferias da capital, mas o centro do poder continua bem protegido por defesas antiaéreas.
Um míssil americano, ou europeu, que as rompesse e atingisse o coração da Rússia elevaria o conflito a um novo patamar, que até aqui Trump evitava. Resta saber a acurácia do relato do Financial Times e se ele não faz parte, a partir do vazamento da história, de uma estratégia para pressionar o Kremlin a aceitar a paz.
Até aqui, Trump só anunciou um esquema para que parceiros europeus na aliança militar Otan comprem sistemas de defesa antiaérea Patriot dos EUA e os enviem para Kiev, que hoje opera estimadas seis baterias do armamento. Nenhuma palavra sobre mísseis ofensivos foi dada.
Kiev recebeu, ao longo da guerra, um número incerto e limitado de modelos de cruzeiro franco-britânicos Storm Shadow/Scalp-EG, que foram empregados apenas em regiões fronteiriças russas, segundo a autorização vigente de Washington. Além disso, os ucranianos usam mísseis de artilharia de precisão ATACMS americanos, nas mesmas condições.
Mas o grosso das ações ucranianas contra a Rússia é com drones, e a mais vistosa dela envolveu simples quadricópteros com pequenas munições levados por caminhões até bases de bombardeiros, no começo de junho.
O sucesso dessa assimetria é tão grande, principalmente no emprego de drones no campo de batalha mais intenso, que até os EUA deixaram a letargia em tratar do tema e determinaram a disseminação desses armamentos em suas forças até 2027.