SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O assassinato de Iryna Zarutska, 23, refugiada ucraniana morta a facadas em Charlotte, na Carolina do Norte, ganhou repercussão nacional após a divulgação, na sexta-feira (5), das imagens do ataque. O caso rapidamente se transformou em combustível para Donald Trump e seus aliados, que passaram a usá-lo como exemplo da “carnificina americana” -expressão adotada pelo republicano para descrever a situação da segurança pública no país, apesar de os índices de criminalidade estarem em queda.
O vídeo de segurança mostra Zarutska, com o uniforma da pizzaria em que trabalhava, sentada em um trem no fim de agosto. Ela está olhando para o celular quando, de repente, um homem sentado atrás dela se levanta, segurando uma faca na mão direita. Naquele momento, segundo a polícia, ele esfaqueou e matou Zarutska, no que pareceu ser um ataque aleatório e sem motivo aparente.
A polícia prendeu Decarlos Brown Jr. logo depois, acusando-o de homicídio doloso. O Departamento de Justiça americano formalizou nesta terça (9) acusações contra ele. O homem de 34 anos agora enfrenta uma acusação federal, após já ter sido preso sob a acusação estadual de homicídio em primeiro grau. Embora as acusações estaduais e federais possam resultar em penas de morte, o estado da Carolina do Norte não executa um detento desde 2006, enquanto o governo federal realizou execuções até 2021.
Embora Charlotte registre queda de 8% na criminalidade geral e de 25% nos crimes violentos no primeiro semestre deste ano, o caso se encaixa no padrão em que conservadores destacam crimes brutais para reforçar a narrativa de que o país vive uma onda de violência e que as grandes cidades e a mídia falham em enfrentá-la.
No sábado, o deputado Mark Harris, republicano que representa partes de Charlotte, chamou o ataque de “um microcosmo de uma epidemia nacional”. Nesta segunda (8), a Casa Branca chamou Brown, que segundo as autoridades é sem-teto e tem problemas mentais, de “monstro perturbado” com uma “longa ficha criminal”, culpando os democratas locais pelo assassinato e acusando-os de serem brandos com o crime.
“É o culminar dos políticos, promotores e juízes democratas da Carolina do Norte priorizando agendas woke que falham em proteger seus cidadãos quando eles mais precisam”, disse o comunicado da Casa Branca.
Trump condenou o esfaqueamento e estabeleceu uma conexão entre o assassinato e suas ameaças de enviar agentes federais e tropas da Guarda Nacional para Chicago e outras cidades governadas pelos democratas. “Quando você tem assassinatos horríveis, você tem que tomar ações horríveis”, disse o presidente republicano, antes de se referir especificamente a Chicago, que ele tem atacado em discursos e nas redes sociais há semanas.
No ano passado, os conservadores usaram o assassinato de uma estudante de enfermagem na Geórgia, Laken Riley, por um imigrante venezuelano que havia entrado ilegalmente no país para alimentar o medo sobre o crime cometido por imigrantes. Enquanto alguns na esquerda apontam dados que mostram que os imigrantes são menos propensos a cometer crimes do que os americanos nativos, alguns conservadores argumentam que qualquer crime cometido por alguém que está ilegalmente no país poderia ter sido evitado com uma aplicação rigorosa das leis de imigração.
Trump destacou repetidamente o assassinato de Riley ao argumentar que as políticas de fronteira de seu antecessor, Joe Biden, tornaram o país menos seguro. Após o assassinato desta sexta, os críticos de Trump temem que ele use a morte de Zarutska para justificar o envio de tropas federais às cidades dos EUA, como fez em Washington, apesar de as estatísticas mostrarem uma queda nos crimes violentos em todo o país.
“Os aliados Maga de Trump estão tentando usar o trágico assassinato de uma funcionária em Charlotte, Carolina do Norte, para justificar sua ocupação ilegal das cidades dos EUA”, escreveu o reverendo William Barber, o mais proeminente líder afro-americano dos direitos civis do estado, em uma mensagem de texto.
Brown, 34, tem um histórico conturbado: ele foi preso 14 vezes nos últimos 12 anos, de acordo com o Departamento do Xerife do Condado de Mecklenberg, onde fica Charlotte, incluindo acusações de assalto à mão armada, furto em lojas e danos à propriedade privada.
Em agosto de 2014, ele foi preso após apontar uma arma contra um homem e roubar-lhe US$ 450, um celular e moeda hondurenha, segundo documentos judiciais. Ele se declarou culpado de roubo com arma perigosa e cumpriu a pena mínima de seis anos e um mês.
Após sua libertação em setembro de 2020, Brown ficou um ano sob supervisão. Um porta-voz do Departamento de Correção de Adultos da Carolina do Norte se recusou a comentar mais sobre o caso, citando registros confidenciais da prisão.
A moradia e o estado mental de Brown parecem ter se tornado cada vez mais instáveis nos últimos meses. Em janeiro, quando a polícia realizou uma verificação de bem-estar, ele disse aos policiais que alguém lhe havia dado “um material artificial que controlava quando ele comia, andava, falava”, de acordo com registros judiciais. Brown ficou chateado quando os policiais lhe disseram que não podiam fazer nada a respeito e ligou para o 911 [serviço de emergência americano].
Ele foi então acusado de uso indevido do 911. Brown foi libertado dias depois, com a magistrada Teresa Stokes concordando em libertá-lo sob a condição de que ele assinasse uma promessa por escrito de comparecer a futuras audiências. Nos documentos, “natureza e circunstâncias da ofensa” estão marcadas como um fato que apoiou as condições de libertação.
As tentativas de entrar em contato com Stokes não tiveram sucesso. A mãe de Brown, Michelle Ann Dewitt, disse em uma breve entrevista nesta segunda que, pouco depois de seu filho ser libertado da prisão em 2020, ele foi diagnosticado com esquizofrenia e começou a agir de forma “agressiva em casa”. Ela acrescentou que acreditava que seu filho, que ela deixou em um abrigo para sem-teto dias antes do assassinato, não deveria ter sido deixado na comunidade após sua prisão em janeiro.
Agora acusado de homicídio doloso, Brown está novamente sob custódia. Um juiz ordenou uma avaliação de acuidade mental, de acordo com um documento judicial.
As tentativas da reportagem de entrar em contato com a família de Zarutska não tiveram sucesso.
Em sua declaração nesta segunda, a Casa Branca concentrou a crítica nos democratas da Carolina do Norte, citando vários deles pelo nome por promoverem o que chamou de “agendas woke” em vez de combater o crime. Seus alvos incluíram o ex-governador Roy Cooper, que está concorrendo ao Senado dos Estados Unidos em uma eleição em 2026 que pode ajudar a determinar o controle da Câmara.
A Casa Branca observou que, como governador, Cooper havia estabelecido uma “Força-Tarefa para a Equidade Racial na Justiça Criminal” que recomendou programas de diversão, eliminando a fiança em dinheiro para muitos delitos menores e outras reformas após o assassinato de George Floyd em Minneapolis em 2020.
Em um comunicado emitido também na segunda, o gabinete de Cooper chamou o assassinato de “um ato desprezível de maldade” e defendeu suas políticas enquanto estava no cargo. “Roy Cooper sabe que os habitantes da Carolina do Norte precisam estar seguros em suas comunidades; ele passou sua carreira processando criminosos violentos e traficantes de drogas, aumentando as penas para violência contra as forças da lei e mantendo milhares de criminosos fora das ruas e atrás das grades”, disse o comunicado.
A prefeita de Charlotte, Vi Lyles, tem enfrentado críticas de seus oponentes pelo que eles descreveram como uma resposta inadequada ao assassinato e às preocupações com a segurança em Charlotte.
Dias após o incidente, Lyles divulgou um comunicado oferecendo condolências à família de Zarutska e chamando-o de “uma situação trágica que lança luz sobre os problemas com as redes de segurança social relacionadas aos cuidados de saúde mental”. Na segunda, em uma carta publicada nas redes sociais, a prefeita culpou “uma falha trágica dos tribunais e magistrados” e prometeu aumentar a segurança em torno do sistema de transporte público da cidade.