SANTIAGO, CHILE (FOLHAPRESS) – “Está vendo todo esse povo ali, sorrindo e conversando nesses bares? Vão voltar para casa mais cedo e de carro, ninguém se atreve mais a sair caminhando tarde da noite”, conta o motorista Hernán Álvarez, 53, enquanto dirige por um bairro de classe média alta de Santiago. “Está muito perigoso, antes não era assim.”
Além dos hábitos dos chilenos, o aumento da presença do crime organizado tem mudado também a política do país, conforme as eleições presidenciais de novembro se aproximam, dando à extrema direita uma chance real de chegar ao poder.
O Chile viu um aumento nos homicídios desde 2016, passando de um mínimo de 2,32 por 100 mil habitantes em 2015 para 6 em 2024. Houve uma queda desde que o atual presidente, Gabriel Boric, assumiu o mandato, em 2022, e a taxa ainda é uma das mais baixas da América Latina, mas a escalada de ocorrências na última década assustou uma sociedade que não estava acostumada com esse problema.
Um estudo do Centro Latino-Americano de Políticas Econômicas e Sociais, da Universidade Católica do Chile, aponta que o país perde, em média, 2,6% de seu Produto Interno Bruto, cerca de US$ 8,2 bilhões anuais, devido ao aumento da criminalidade, seja pelos gastos com segurança ou pela necessidade de empresas fecharem mais cedo em determinadas áreas.
Boric não pode disputar um segundo mandato, e o cenário eleitoral ainda está aberto. A indicada para tentar manter a esquerda no Palácio La Moneda, Jeannette Jara, lidera as pesquisas, seguida de perto pelo ultradireitista José Antonio Kast e com Evelyn Matthei, da direita tradicional, no terceiro lugar. Em um segundo turno, com os votos da direita concentrados, a candidata da esquerda hoje perderia para ambos.
A participação nas eleições chilenas passou a ser obrigatória, o que se por um lado pode trazer novos eleitores, também dificulta previsões sobre quem pode vencer nas urnas.
“Independentemente dos dados objetivos e de a criminalidade não ser tão alta comparativamente, a sensação de insegurança é muito alta. É o problema mais urgente, e todas as pesquisas mostram isso”, avalia o sociólogo chileno Mauro Basaure, professor da Universidade Andrés Bello e pesquisador do Crispol (Núcleo Milênio de Crises Políticas na América Latina).
“A criminalidade, além de dominar o debate político, tornou-se um termômetro, por assim dizer, também emocional. Os candidatos estão tentando oferecer propostas para restaurar a ordem, e quem tiver mais credibilidade nessa promessa terá maiores chances hoje de se conectar com uma população marcada pelo medo e pela desconfiança institucional”, diz.
Kast é um defensor do regime de Augusto Pinochet e está em sua terceira candidatura à Presidência. Ele critica os governos anteriores pela forma como lidaram com o crime e a imigração.
Em um evento no último dia 22, com a presença de suas principais rivais, ele disse que o crime organizado começou a se consolidar no país e que os chilenos hoje sentem medo. “Temos regiões inteiras onde o Estado retrocede e, mais grave, temos um governo que não reage. Não negociaremos com os delinquentes e nem trataremos os criminosos com amor, vamos aplicar todo o peso do Estado”, disse.
A chegada de imigrantes, sobretudo da Venezuela, é apontada por ele como um fator que contribuiu para o aumento da criminalidade. Ele promete fortalecer as leis que protegem policiais e facilitar a deportação de imigrantes que entram ilegalmente no país e se inspira no presidente de El Salvador, Nayib Bukele, propondo o reforço da fronteira norte.
Jara, por sua vez, tem um discurso mais de diálogo. A ex-ministra e militante do Partido Comunista propõe para a segurança pública uma abordagem abrangente, que investigue a origem do dinheiro do narcotráfico, incentiva que agentes de segurança se aposentem mais tarde e que o Estado reforce sua presença em comunidades mais pobres.
“Não é preciso reinventar a roda. Outros países já fizeram isso: onde o Estado está ausente, o narcotráfico entra. É por isso que, mais do que nunca, precisamos de um Estado presente, forte e coordenado”, disse, em entrevista a uma rádio, na última semana.
Segundo Basaure, assim como ocorre no Brasil, a direita chilena tem mais facilidade em pautar o debate da segurança pública do que a esquerda, que tende a adotar uma posição mais defensiva.
“No Chile, como em outros países latino-americanos, a direita conseguiu construir uma narrativa mais simples e emocionalmente eficaz. Eles propõem ordem, punição, mão firme. Isso ocorre com a conservadora Matthei, que conseguiu colar em si a imagem de figura de autoridade, e é muito mais pronunciado em líderes como Kast e [o deputado libertário Johannes] Kaiser, que se inclinam para a extrema direita.”