LA PAZ, BOLÍVIA (FOLHAPRESS) – Pela primeira vez em 20 anos, o MAS (Movimento ao Socialismo), partido que teve no ex-presidente Evo Morales sua figura mais emblemática, ficará de fora da disputa pela Presidência da Bolívia.
Vão se enfrentar no segundo turno o senador Rodrigo Paz Pereira e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga, ambos da oposição, de acordo com dados preliminares publicados neste domingo (17).
Paz Pereira é uma surpresa, que não aparecia até então como favorito nas pesquisas figurando, no máximo, em terceiro lugar. Agora, o político de Tarija (no sul do país) tentará seguir os passos de seu pai, o ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989-1993).
O favorito das pesquisas, o empresário Samuel Doria Medina, que disputava a Presidência pela quarta vez, ficou em terceiro lugar.
Fragmentada, a esquerda amarga rara derrota. Sua maior chance de continuar no poder era com Andrónico Rodríguez, presidente do Senado e liderança cocaleira, que foi aliado de Evo mas rompeu com o ex-presidente e disputava de forma independente.
A autoridade eleitoral publicou os resultados preliminares no fim da noite, e os números totais devem ser conhecidos em até sete dias.
Como nenhum dos dois candidatos alcançou mais da metade dos votos ou 40% com uma vantagem de 10 pontos ante o segundo colocado, os bolivianos vão precisar voltar às urnas no dia 19 de outubro. Esta também é a primeira vez que o país andino terá segundo turno desde a Constituição de 2009.
O fim de ciclo de eleições vencidas pela esquerda na Bolívia reflete a fragilidade do MAS, que chegou ao poder em 2006, com Evo, mas teve de ir ao pleito deste ano perdido em batalhas internas, especialmente entre o ex-presidente e o atual, Luis Arce, ex-ministro de Evo que o sucedeu e desistiu de tentar a reeleição.
Evo foi impedido de concorrer neste ano. Rompido com Arce, a quem acusou de se apoderar do MAS e trabalhar para que ele não pudesse se candidatar novamente, e também afastado de Andrónico, que já foi considerado seu sucessor político, o ex-presidente passou a defender o voto nulo como expressão de protesto.
O principal adversário da esquerda nas eleições deste ano, no entanto, foi a economia. O governo quase esgotou suas reservas em dólares, enquanto as exportações de gás, que tiveram o papel de motor econômico que sustentou a redução da pobreza e a melhora do padrão de vida, caíram nos últimos anos.
A disparada do câmbio resultou em uma inflação recorde (em julho, chegou a cerca de 25% em 12 meses), além de escassez de combustíveis e preços altos de produtos básicos, aumentando o descontentamento popular.
Com os números negativos e a guerra fraticida entre seus principais expoentes, a esquerda abriu espaço para que candidatos de direita que já eram conhecidos dos eleitores tivessem vantagem.
“A Bolívia precisa de estabilidade, precisa de governabilidade, mas precisa acabar com o ‘Estado de bloqueio’ para que o Estado trabalhe para nós e nós para o Estado, para acabar com a injustiça, a corrupção”, disse Paz Pereira.
“Esta talvez seja a eleição mais importante em 40 anos. É a oportunidade que a democracia nos dá: deixar para trás a divisão, o confronto, com a estabilidade econômica, com um futuro diferente”, disse Quiroga, ao acompanhar seu candidato a vice, Juan Pablo Velasco, que votou em Santa Cruz de la Sierra.
Em suas redes sociais, Evo desqualificou os adversários e o atual presidente, na manhã deste domingo. “Se não fosse por seu aliado Luis Arce, que roubou nossa sigla [o MAS] e baniu o maior movimento político do país, teríamos vencido essas eleições com uma margem esmagadora. O voto nulo expressa a nossa rejeição a uma eleição fraudada”, concluiu o líder cocaleiro, o primeiro presidente indígena do país, que celebra neste mês seu bicentenário .
Andrónico foi atacado por críticos ao votar em uma escola em Entre Ríos, no departamento de Cochabamba. Vídeos nas redes sociais mostram o candidato cercado por apoiadores que tentavam protegê-lo enquanto pessoas xingavam e lançavam pedras quando ele deixava o local, segundo o jornal El Pais.
“Cumprimos com nossa vocação democrática ao exercer nosso voto no dia de hoje”, escreveu ele no X, após votar.
“Claramente são grupos organizados que, de forma intolerante, no momento em que cheguei, queriam evitar que eu votasse. Ainda assim, a população se impôs e controlou a situação”, disse ele aos jornalistas, ao classificar o episódio como um incidente isolado.
Quem ganhar as eleições assumirá o cargo em 8 de novembro para um mandato de cinco anos. O futuro governo terá de enfrentar outras questões urgentes, como as negociações sobre a exploração do lítio. Além disso, os próximos dias serão importantes para demonstrar a capacidade do novo presidente de formar alianças políticas no Parlamento.
Em La Paz, o clima era de tranquilidade, com ruas esvaziadas, no domingo de votação. A circulação de veículos foi limitada a carros autorizados e as estações de teleférico, símbolo do transporte público local, ficaram fechadas todo o dia.
As seções abriram às 9h (em Brasília) e fecharam às 16h, com 3.733 locais distribuídos por todo o país. O voto é obrigatório na Bolívia.
No sábado (16), o governo Arce denunciou o que chamou de “guerra suja” nas redes sociais promovida entre candidatos da oposição e rejeitou que pudesse haver uma fraude eleitoral em curso, conforme apontaram adversários.