BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deixou de participar nesta segunda-feira (21) de entrevista coletiva. A decisão vem após o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes proibir transmissão ou veiculação de áudios e vídeos de entrevistas do ex-mandatário nas redes sociais.
Parlamentares da oposição interromperam o recesso legislativo para se reunir na Câmara dos Deputados após Moraes determinar que Bolsonaro utilizasse uma tornozeleira eletrônica. Inicialmente, havia previsão do ex-presidente participar do encontro, mas ele acabou ficando no gabinete da liderança do PL.
Nas falas à imprensa, os parlamentares classificaram o despacho de Moraes como censura.
Participaram mais de 50 deputados dos partidos Republicanos, PP, Novo, PSD, União Brasil e o próprio PL, segundo o líder Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Dois senadores, Damares Alves (Republicanos-DF) e Magno Malta (PL-ES), também participaram do encontro.
Estavam na coletiva envoltos em bandeiras do Brasil com assinatura do ex-presidente e data.
“Bolsonaro queria falar com imprensa, mas por mais uma ordem de censura do ministro Alexandre de Moraes, preventivamente, seus advogados inclusive o recomendaram não falar com imprensa. Esse é o Brasil de democracia relativa que estamos vivendo”, disse Sóstenes.
“Buscaremos todas as estratégias de comunicação para continuar dando voz a ele. Se ele ficar impedido de ter voz nas redes sociais, nós falaremos por ele”, completou.
A líder da minoria, Caroline de Toni (PL-SC), por sua vez, afirmou: “O que estão fazendo com o presidente Bolsonaro é uma covardia que mostra que a censura, a perseguição chegaram a um nível jamais visto, não há mais Estado democrático de Direito”.
Nikolas Ferreira (PL-MG) relembrou casos de pessoas que estavam presas, mas tiveram o direito na Justiça de conceder entrevista a veículos de imprensa, como o caso de Lula, à Folha de S.Paulo, em 2019.
“Suzane Von Richtofen, Champinha, Marcola, Fernandinho Beira-mar e Lula. Qual que é a semelhança entre eles? Todos puderam dar entrevista na cadeia. Presos, criminosos. Enquanto isso, nós temos aqui ao lado o presidente Bolsonaro que deveria estar aqui, mas não está, por uma medida do Alexandre de Moraes. Que tipo de liberdade estamos construindo do nosso presente e futuro? Quando vocês irão acordar?”, questionou.
O caso de Marcola é controverso. A TV Bandeirantes exibiu, em 2006, entrevista do repórter Roberto Cabrini que teria sido feita por telefone com o criminoso. A conversa, feita sem autorização judicial, teve sua autenticidade questionada.
Casos como o da Suzane foram mencionados pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski para autorizar o pedido de entrevista de Lula para a Folha de S.Paulo. Na época, ele disse que “não raro, diversos meios de comunicação entrevistam presos por todo o país, sem que isso acarrete problemas maiores ao sistema carcerário”.
Bolsonaro não está preso, mas cumpre medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica, proibição de viagens, e toque de recolher: ele deve ficar em casa no período da noite até de manhã.
Na coletiva, os parlamentares anunciaram as prioridades elencadas na estratégia de defesa de Bolsonaro no Legislativo. Na Câmara dos Deputados, eles insistirão no projeto de lei que concede anistia aos presos dos ataques golpistas de 8 de janeiro. Segundo Sóstenes disse, será anistia ampla, geral e irrestrita, negando a possibilidade de uma proposta menos abrangente.
Além disso, a oposição passou a falar na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do fim do foro especial. Eles também anunciaram a criação de três comissões de trabalho para orientar a atuação do grupo.
Uma delas será de comunicação, comandada pelo deputado Gustavo Gayer (PL-GO). Outra, trata de mobilizações no Parlamento, sob o comando do Cabo Gilberto (PL). A última tratará de mobilizações nacionais para, segundo disseram, “dar voz ao Bolsonaro”. Esta última será organizada pelos deputados Rodolfo Nogueira (PL-MS) e Zé Trovão (PL-SC), ligados ao agronegócio e aos caminhoneiros, respectivamente.
No próximo dia 3 de agosto, um dia antes do retorno dos trabalhos legislativos, os bolsonaristas estão convocando atos pelo país já com o mote: “Reaja Brasil”.
Segundo relatos da reunião, Bolsonaro fez uma fala no começo do encontro, recapitulando seu processo, a que classificou como “perseguição”. Ele disse ainda que foi surpreendido com a decisão de Moraes de colocar-lhe uma tornozeleira, e que nunca se negou a cumprir nenhuma das determinações do magistrado. O ex-presidente disse que as medidas servem como uma espécie de prisão para ele.
Bolsonaro não pediu nada aos parlamentares, e as propostas não vieram dele. Ao final, agradeceu e disse que nunca tinha participado de uma reunião com tamanho alinhamento, mesmo com mais de 20 anos de deputado. Apenas ao final, ele disse que não poderia participar da coletiva de imprensa, por determinação de seus advogados.
O ex-presidente demonstrou indignação e irritação com as decisões do STF. Ao deixar a Câmara, foi acompanhado de uma confusão de parlamentares, assessores e imprensa que chegou a quebrar uma mesa de vidro no Salão Verde e o deputado Nikolas Ferreira se machucou na saída.
Ele parou na escada da Chapelaria da Casa, local de saída dos carros, mostrou a tornozeleira pela primeira vez e disse: “Não desviei recurso, não matei ninguém, não trafiquei ninguém. Isso aí [tornozeleira] é cobardia o que estão fazendo com um ex-presidente da República. Isso aqui é um símbolo da máxima humilhação”.
Em despacho nesta segunda Moraes afirmou que a divulgação de entrevistas do ex-presidente pode configurar uma burla à proibição do uso de redes sociais, sob o risco de decretação de prisão de Bolsonaro.
“A medida cautelar de proibição de utilização de redes sociais, diretamente ou por intermédio de terceiros, imposta a Jair Messias Bolsonaro inclui, obviamente, as transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas de redes sociais de terceiros, não podendo o investigado se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação e decretação da prisão”, disse o ministro no despacho.
Bolsonaro cumpre medidas cautelares desde sexta-feira (18). Ele está proibido de acessar redes sociais e de falar com o seu filho Eduardo, que está nos Estados Unidos e cuja atuação para o governo Trump para levantar sanções contra o Brasil é investigada pela Polícia Federal.
O ex-presidente também foi obrigado a usar tornozeleira eletrônica e não pode sair de casa à noite e nos fins de semana. Bolsonaro não pode manter contato com outros investigados ou com representantes de embaixadas estrangeiras.
As medidas foram impostas por Moraes após a PGR (Procuradoria-Geral da República) alegar que elas seriam urgentes para evitar uma eventual tentativa de fuga de Bolsonaro. O ex-presidente nega a intenção de deixar o país.