SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao se pesquisar o nome dos minerais considerados críticos, dificilmente se encontrará uma lista onde o níquel não aparece. Esse metal está presente em alguns modelos de baterias de veículos elétricos e, por isso, a demanda por ele tende a crescer de forma exponencial nos próximos anos.
Mas no Brasil, o nono maior produtor de níquel e dono da terceira maior reserva do mundo, esse mineral não atende aos requisitos da cadeia de bateria e é quase todo direcionado para a indústria do aço.
A Anglo American -que está transferindo seus ativos em Goiás para a chinesa MMG- e a Vale, no Pará, têm como produto final o ferroníquel, uma liga metálica importante para a produção de aço inoxidável. Já a pequena Atlantic Nickel, com uma mina na Bahia, vende um produto ainda muito inicial para empresas que fazem parte da cadeia de baterias.
“Só o elemento químico é o mesmo, mas estamos falando de dois produtos completamente diferentes”, afirma José Antônio Rodrigues Júnior, engenheiro metalurgista especialista em níquel.
E, se depender apenas do planejamento dessas empresas, o cenário no Brasil continuará igual nos próximos anos, mesmo com a demanda por níquel para baterias crescendo.
As siderúrgicas são as principais clientes do mercado global de níquel e consomem 66% de toda a produção mundial -contra 16% da indústria de baterias. Mas a substituição do ferroníquel pela sucata na indústria do aço em países ricos e o crescimento da procura por veículos elétricos tendem a reduzir essa diferença.
A consultoria Fastmarkets estima que, em 2035, 31% do mercado de níquel atenderá as baterias, enquanto a participação do aço inoxidável cairá para 55%. Já a Agência Internacional de Energia estima que em 2040 quase metade da produção de níquel atenderá a produção de tecnologias ligadas à descarbonização, enquanto a demanda total, independentemente do destino, deve crescer 70%.
Não à toa, a China vem investindo pesado em plantas de níquel na Indonésia, responsável por mais da metade da oferta, para produzir o mineral como matéria-prima das baterias. E isso, na visão de especialistas, também poderia ser feito no Brasil, ainda que as mineradoras não estejam interessadas ao menos no curto prazo, segundo elas disseram à reportagem.
O minério de níquel extraído e processado na Indonésia vem de depósitos semelhantes aos das grandes minas do Brasil, os chamados minérios lateríticos. Até pouco tempo, o produto oriundo dessa rocha era direcionado sobretudo para a indústria do aço, mas os chineses desenvolveram uma tecnologia que mudou esse cenário.
Por meio de um processo à base de ácido sulfúrico e altíssimas pressões, as refinarias chinesas -localizadas na Indonésia- conseguem desenvolver o precipitado de hidróxido misto (MHP, na sigla inglês), um produto intermediário na produção de baterias. De lá, a grande maioria do MHP segue para a China, onde vira sulfato de níquel, um produto ainda mais próximo da produção de baterias.
Analistas apontam que o uso dessa tecnologia tem maior viabilidade econômica em projetos que ainda não saíram do papel, o que dificulta sua adoção nas grandes plantas em operação no Brasil. O processo, no entanto, poderia ser usado nos projetos de níquel recém-adquiridos da Anglo American pela chinesa MMG-no Mato Grosso e no Pará. A empresa não descarta a hipótese, mas qualquer decisão viria no longuíssimo prazo, principalmente considerando os atuais baixos preços do níquel.
De acordo com Olivier Masson, analista principal da Fastmarkets, nas grandes plantas em operação no Brasil tanto a Vale quanto a MMG, que assumirá os negócios da Anglo American em breve, poderiam redirecionar seus processos industriais para produzir um outro produto da cadeia das baterias: o chamado matte de níquel.
“Desenvolvimentos futuros neste mercado podem ser mais voltados para o lado da bateria do que para o ferroníquel, até porque não é muito difícil ou caro converter ferroníquel em matte para, em seguida, fazer sulfato”, diz Masson. “Tudo o que você precisa fazer é adicionar um conversor ao final de um processo de ferroníquel.”
A própria Vale já produz matte na Indonésia a partir de um processo semelhante. Outros exemplos são a mineradora francesa SLN, na Nova Caledônia, que adotou essa rota por um período, e a chinesa Tsingshan, que deslocou parte de sua produção de ferro-gusa de níquel (produto semelhante ao ferroníquel) na Indonésia para produzir matte -atendendo a produção de baterias.
A mudança teria lógica, inclusive, financeira, segundo os analistas. De acordo com a Fastmarkets, nos próximos dez anos o mercado de níquel para baterias crescerá 12% ao ano, enquanto o ferroníquel apenas 2,5%. “Não há mais ferroníquel sendo produzido na Europa e, assim como a Anglo American saiu de seus ativos de ferroníquel no Brasil, a South32 está vendendo sua fundição de ferroníquel na Colômbia. Essas tendências sugerem indiretamente que os investidores têm favorecido o níquel para baterias”, afirma Masson.
O último novo projeto de ferroníquel no Brasil, por exemplo, não foi para frente. A britânica Horizonte Minerals pretendia construir uma planta no Pará, mas precisou parar as obras devido a dívidas acumuladas e à dificuldade de atrair investidores para o projeto.
Ainda assim, à reportagem a MMG afirmou que a mudança de rota não faz parte dos planos da companhia, ao menos para a planta adquirida da Anglo American. “Neste estágio do ciclo, a adaptação tecnológica necessária para converter a produção em níquel para baterias exigiria investimentos de capital muito elevados, considerados atualmente inviáveis tanto sob o ponto de vista econômico quanto técnico”, disse por nota.
“Temos uma visão positiva para o mercado de níquel no médio e longo prazo, impulsionado tanto pela transição energética quanto pela demanda crescente do aço inoxidável, fundamental para o desenvolvimento industrial e de infraestrutura em escala global”, acrescentou.
Já a Vale afirmou que o ferroníquel produzido no Brasil é uma parte importante de seu portfólio de níquel, “permitindo que a empresa forneça níquel para todas as aplicações, incluindo aço inoxidável, aplicações especiais e os mercados de veículos elétricos”. A empresa produz níquel para baterias no Canadá e na Indonésia e no final de abril ampliou sua produção de ferroníquel no Pará.
A Atlantic Nickel, por sua vez, não tem planos de avançar, ao menos por ora, na cadeia de baterias. A empresa extrai um minério diferente do que o das grandes mineradoras e geralmente comercializa o produto concentrado para distribuidores da China, Europa e Canadá -que vendem para empresas da cadeia de baterias. “Nós não temos planos, porque requereria um volume maior para se justificar o investimento”, diz Tony Lima, diretor de operações da empresa.