BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A tentativa da Câmara dos Deputados de aprovar, nesta quarta-feira (27), a chamada PEC (proposta de emenda à Constituição) da blindagem ou das prerrogativas terminou frustrada, com diversos partidos discordando totalmente ou em parte com o texto apresentado pelo relator Lafayette de Andrada (Republicanos-MG).
A proposta impede investigações criminais contra deputados federais e senadores sem aval do Congresso e impõe regras para a prisão de parlamentares. Na opinião de apoiadores, a PEC fortaleceria o Legislativo perante o STF (Supremo Tribunal Federal), mas a medida prejudica a transparência e enfrenta protesto da sociedade civil.
Na manhã desta quarta, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que as prerrogativas parlamentares eram uma prioridade. “É um direito do Congresso discutir aquilo que entende ser importante para que os parlamentares tenham independência acerca de suas atividades.”
Encampada pelo centrão e pela oposição bolsonarista, a matéria enfrentou oposição dos partidos de esquerda. A bancada do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu acusado de golpismo, pressionava por um texto que suspendesse até ações em andamento no STF, ponto que teve resistência dos demais.
Para ser aprovada, a PEC necessitaria de 308 votos favoráveis, o que equivale a três quintos dos deputados, em uma votação de dois turnos. Segundo líderes de partidos, não haveria votos suficientes, o que emperrou a votação. Depois, a PEC ainda teria que passar pelo Senado.
O texto da proposta foi mantido em sigilo até momentos antes de quando seria votado. Por volta das 19h30, líderes partidários foram chamados à residência do presidente da Câmara para discutirem os detalhes. Havia dois esboços em avaliação e, por fim, a reunião terminou sem um texto fechado.
Segundo deputados presentes no encontro, o encontro foi tenso, e Motta decidiu adiar a votação até pelo menos a semana que vem. O presidente da Casa chegou a argumentar que a aprovação da PEC destravaria a pauta para outras medidas, como a ampliação da isenção do Imposto de Renda, que é interesse dos governistas, mas não houve consenso.
Na Câmara, o plenário se esvaziou a partir das 20h, e a ideia era fazer a votação de forma remota ainda assim. Em tese, a votação de PEC exige um intervalo de cinco sessões entre cada turno, mas os deputados pretendiam atropelar esse rito e passar o texto em ambos os turnos nesta noite.
Ao sair da residência de Motta, o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), afirmou que “respira aliviado porque ganhou tempo”.
“A gente não acha que é correto ter algum tipo de autorização para investigação de deputados. Tem muitas polêmicas, como suspender inquéritos. Então a confusão foi grande em cima desses pontos. […] As mudanças eram muito grandes. O deputado é um cidadão como qualquer outro”, disse.
Segundo aliados de Motta, havia uma demanda interna para que ele fizesse um gesto para a Casa. Em entrevistas, o próprio presidente afirmou que os deputados se incomodavam com o que consideravam exageros por parte do Judiciário e disse que o Supremo “acaba decidindo sobre quase tudo no país”.
Nesta quarta, Motta afirmou, durante evento do grupo Globo, que a medida “atende o espírito da Casa” e tinha o apoio de vários partidos. Ele disse que algumas decisões do Judiciário tem “transgredido o limite daquilo que ao parlamentar é garantido”, mas negou que a PEC seja uma “retaliação a quem quer que seja”.
A PEC restringe a transparência ao determinar que a votação no Congresso para dar aval a investigações e prisões de parlamentares deve ser secreta atualmente a prisão em flagrante deve ser analisada em plenário, mas não há exigência de voto secreto.
Outros pontos também surpreenderam deputados, como a possibilidade de suspender inquéritos e processos em andamento no STF o que era defendido pelo PL como condição para apoiar a aprovação.
Aliados de Bolsonaro têm tentado pautar medidas que livrem o ex-presidente do julgamento no STF, marcado para a semana que vem, como a PEC da blindagem, a PEC do fim do foro especial e a anistia.
O cerne da proposta é retomar o texto original da Constituição de 1988, que previa a necessidade de autorização prévia do Legislativo para que parlamentares fossem processados e julgados por crimes comuns.
Essa regra parou de valer em 2001 e, desde então, o Legislativo pode suspender os inquéritos se achar que há uso político, mas não é mais exigido um aval para as investigações. A mudança ocorreu por decisão do próprio Congresso, após pressão da sociedade, já que Câmara e Senado mantinham engavetados os pedidos de investigação.
A PEC também especifica as situações em que parlamentares podem ser presos em flagrante, limitando-as a crimes inafiançáveis como racismo, crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas, terrorismo e ações contra a ordem constitucional.
O objetivo dos deputados do centrão é se blindarem de investigações sobre desvios de dinheiro em emendas parlamentares. O texto também ganhou apoio da oposição bolsonarista sob o discurso de que tornará os congressistas mais livres para atuar contra os ministros do STF.
A PEC da blindagem foi proposta em 2021, logo após a prisão do então deputado federal Daniel Silveira, por determinação do STF, após o bolsonarista publicar ataques aos ministros da corte e defender o AI-5. A prisão foi confirmada pela Câmara por 364 votos a 130. A proposta, porém, estava parada até que Motta designou Lafayette como relator na semana passada.