Cenário com mundo fragmentado sob Trump atrasa transição energética, diz CEO da Shell

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SÃO PAULO., SP (FOLHAPRESS) – O tradicional estudo anual dos cenários que a Shell elabora desde a década de 1970 para embasar suas decisões estratégicas vai ser divulgado nesta segunda (25) com novas perspectivas sobre o futuro da energia no mundo. Segundo Cristiano Pinto da Costa, CEO da Shell Brasil, foi introduzido um outro cenário, contemplando os efeitos da inteligência artificial, que elevará a demanda energética.

Enquanto o presidente americano Donald Trump avança com sua política tarifária, o cenário que se destaca é aquele que a empresa chama de Arquipélagos e retrata um mundo nacionalista, com pouca cooperação global.

“No cenário Arquipélagos, em que o mundo fica um pouco mais fragmentado, confrontacional e não colaborativo em relação a políticas de transição energética, cada país passa a olhar para o seu interesse próprio versus o interesse coletivo da humanidade em migrar para uma economia de baixo carbono. Esses elementos estão exatamente acontecendo agora e se materializando no que estamos vendo na política tarifária do governo americano”, diz.

Costa afirma que, desde 2024, a Shell vem preparando um estudo dos cenários com um recorte específico para o Brasil. Segundo ele, o material será a colaboração da Shell para o debate da COP30.

Pela frente, o executivo vê a demanda por óleo e gás estabelecida por décadas, independentemente do cenário, e reitera a decisão da empresa de frear projetos de energia solar devido à saturação do mercado.

Sobre o interesse da Shell, que no último leilão não fez ofertas na bacia Foz do Amazonas, na chamada margem equatorial, ele afirma que a ideia é focar na Bacia de Santos, onde já atua.

PERGUNTA – O que os cenários da Shell devem mostrar de diferente neste ano?

CRISTIANO PINTO COSTA – Há décadas, a Shell faz cenários globais de segurança e transição energética. Não é previsão de futuro. Tentamos vislumbrar caminhos que o mundo pode tomar e testamos as estratégias de negócio em cada um desses cenários, sabendo que trabalhamos em uma indústria que tem horizonte de muito longo prazo. Em 2024, pela primeira vez, nós trouxemos um recorte específico para o Brasil. Neste ano, a Shell atualizou os cenários globais, introduzindo um terceiro.

Um dos cenários, chamado Horizontes, desenha uma curva em que o mundo atinge emissões líquidas zero em 2050 e o que precisa acontecer para que esse objetivo se materialize.

O segundo cenário é chamado Arquipélagos. Nele, o mundo fica mais fragmentado, com brigas políticas entre países, que ficam mais protecionistas. Cada um olha mais para o seu interesse próprio, seu umbigo. Como consequência, o mundo demora mais para chegar nas emissões líquidas zero.

E o terceiro cenário, que foi introduzido neste ano, é chamado Surge. Ele traz um fenômeno recente, que é a digitalização e a inteligência artificial, que está trazendo um crescimento de demanda por energia. Os data centers estão demandando muito mais energia.

P. – Estes cenários contemplam o clamor global por redução dos combustíveis fósseis?

CC – Todos mapeiam os caminhos possíveis para evolução, crescimento ou declínio das diferentes fontes de energia.

No cenário Horizontes, esse declínio do consumo de energia fóssil é um pouco mais rápido. Nos cenários Surge e Arquipélagos, esse declínio é mais gradual. E o que é comum nos principais pontos de todos os cenários? Primeiro: o mundo continua demandando cada vez mais energia. Segundo: todos os cenários também demonstram um aumento da participação da eletrificação como forma de energia, em velocidades diferentes.

O terceiro ponto é que a demanda por óleo e gás continua existente por décadas, independentemente do cenário, porque o mundo tem hoje uma infraestrutura e um baixo custo desse tipo de energia, que é difícil de replicar ou substituir em uma velocidade mais rápida do que todo mundo gostaria. Então, óleo e gás continuam sendo necessários por décadas. E o gás primordialmente como um combustível de transição.

O quarto ponto são as novas tecnologias. Soluções baseadas na natureza para sequestrar carbono são necessárias, complementares a energias renováveis para que o mundo acelere a transição e chegue em emissões líquidas zero.

E o último fator: um reconhecimento de que geopolítica e transformações tecnológicas podem ser grandes game changers [virada do jogo], acelerando ou desacelerando alguma das rotas.

P. – E o ingrediente Trump e as políticas tarifárias? Como interfere no cálculo dos cenários?

CC – Não interfere no cálculo. Os cenários foram feitos antes do fenômeno das tarifas globais.

No cenário Arquipélagos, em que o mundo fica um pouco mais fragmentado, confrontacional e não colaborativo em relação a políticas de transição energética, cada país passa a olhar para o seu interesse próprio versus o interesse coletivo da humanidade em migrar para uma economia de baixo carbono. Esses elementos, que foram identificados pela Shell no cenário Arquipélagos, estão exatamente acontecendo agora e se materializando no que estamos vendo na política tarifária do governo americano.

Eles fazem, como consequência, que a jornada de transição energética leve mais tempo para se materializar. Então, o que aconteceu com o tarifaço do governo americano atual foi identificado pela Shell como um potencial cenário dentro do Arquipélagos.

P. – Em abril, teve uma mudança na Shell que deu mais relevância para a unidade brasileira. A ação de Trump atrapalha isso de alguma forma?

CC – A Shell está no Brasil há 112 anos, com crescimento exponencial da operação do país nos últimos 7 a 10 anos. Com isso, o Brasil foi elevado à posição de vice-presidência executiva global, reportando direto ao comitê executivo. O nível hierárquico subiu, e eu sento hoje numa mesa global podendo representar o país e fazer uma das coisas mais importantes para mim, que é brigar por mais investimentos no Brasil.

O país é o maior produtor de óleo do grupo. É o maior produtor de etanol, via a joint venture com a Cosan na Raízen. Temos uma grande comercializadora de energia, e estamos tomando algumas posições no mercado de soluções baseadas na natureza, tentando desenvolver um negócio de crédito carbono no Brasil. Temos várias linhas de negócios.

Mas sobre o impacto, que é a tua pergunta: a princípio, são poucos, porque o petróleo foi um dos itens que ficou fora, na lista de isenções. Parte do petróleo brasileiro é exportado para os EUA, mas a maioria vai para a Ásia, China em particular, e um pouco para a Europa. O que estamos observando e ainda tentando entender é: com a mudança de tarifa em vários países, qual é a consequência na cadeia de suprimento dos fornecedores de materiais, equipamentos para os projetos no Brasil?

P. – Qual impacto isso pode vir a ter, tanto do ponto de vista de custo para os meus projetos, como prazo de entrega?

CC – Esse estudo está acontecendo. Mas a nossa análise inicial é de um impacto pouco material para as operações da Shell no Brasil.

P. – A empresa vai ter alguma iniciativa na COP30? Como pretende contribuir para o debate?

CC – Uma das razões pelas quais decidimos fazer pela primeira vez o recorte de Brasil nos cenários globais foi justamente para que a Shell pudesse dar ao governo e à sociedade brasileira um estudo robusto como nossa contribuição dos potenciais caminhos que o Brasil pode tomar.

Esse recorte aponta potenciais políticas públicas que o Brasil pode vir a adotar para ser um grande ator na transição energética, contribuindo, consequentemente, para o debate da COP30. Nesta segunda (25), vamos apresentar a atualização dos cenários da Shell. Estamos fazendo um estudo que aponta que o Brasil larga na frente ante a maioria das grandes economias com boa parte do dever de casa da transição energética já feito. O Brasil tem a matriz energética mais limpa do mundo. Tem potencial na área eólica e solar. Temos o etanol, o biocombustível, que é o grande combustível da transição. O nosso estudo indica o potencial de triplicar a demanda de biocombustível em 2050 quando comparado a 2020.

Tem tudo para ser um grande ator no mercado de carbono. O estudo mostra que o Brasil tem vários exemplos construtivos que podemos apresentar para o mundo na COP30 do que já foi feito aqui, que pode ser replicado.

Podemos exportar políticas públicas, com o que foi feito no biocombustível. Temos potencial para atuar como grande fornecedor de energia. Óleo e gás têm competitividade. O petróleo brasileiro produzido na bacia de Santos tem uma intensidade de carbono com CO2 emitido por barril bem abaixo da média global. Ao consumir mais petróleo brasileiro, o mundo reduz as emissões globais. O Brasil pode ser um ator em exploração e produção de óleo e gás. Já mostrou que é um grande ator em renovável. Tem o bioetanol como indústria estabelecida que pode ser exportada ainda mais e tem a oportunidade de gerar crédito de carbono. Essa é a contribuição da Shell com esse estudo nos debates para a COP30.

P. – Há um movimento no setor de recuo dos projetos de solar e eólica. Como está esse tema na Shell?

CC – A Shell investiu US$ 45 bilhões em soluções de baixo carbono na última década. Entre 2023 e 2025, estamos investindo entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões em soluções de energia de baixo carbono.

Recentemente, foi feita uma atualização estratégica. Em vez de abrir novas frentes e continuar investindo em novos projetos, desaceleramos um pouco os novos projetos globalmente, não só no Brasil.

Aqui no Brasil, decidimos manter o etanol como principal veículo de transição energética e de economia de baixo carbono e paramos os projetos de desenvolvimento de solar, porque o mercado brasileiro estava saturado com muito projeto, o preço da energia, muito baixo. Preferimos não investir nesse momento.

P. – E o debate de licenciamento ambiental no Brasil? Como estão acompanhando?

CC – De perto, como todos na indústria. O Brasil tem uma das leis de licenciamento ambiental mais robustas da indústria globalmente, o que bom. Temos acompanhado com atenção o projeto de lei, os vetos recentes do presidente. Esse debate é saudável para conseguirmos, como sociedade, achar oportunidades de otimizar ou acelerar o processo de licenciamento sem comprometer o rigor necessário para não ter violação de questões ambientais em grandes projetos.

P. – No leilão recente, vocês não entraram na Foz do Amazonas. Levaram Bacia de Santos? Por quê?

CC – Depois da Petrobras, nós somos o segundo maior produtor de óleo e gás. Temos ativo em produção e agora em construção no investimento de Gato do Mato [projeto em águas profundas na área do pré-sal da Bacia de Santos]. Temos a área de exploração, onde nos últimos três anos adquirimos mais de 40 blocos em parceria, em várias geografias do Brasil.

A Shell acredita no futuro geológico, no potencial para continuar crescendo o negócio de exploração e produção no Brasil.

P. – Qual foi a estratégia da companhia nesse leilão recente?

CC – Há dois anos, compramos outros blocos na bacia Sul de Santos. Estudamos essa bacia e identificamos o potencial. Nesse leilão, nossa decisão estratégica foi concentrar os esforços e recursos, pessoas e dinheiro, para comprar quatro blocos adicionais nessa área em que já tínhamos vantagem competitiva e focamos de forma bem sucedida, porque ganhamos os quatro blocos que queríamos no leilão nessa área, deixando a margem equatorial para eventuais futuros leilões.

P. – Foi por causa da polêmica?

CC – Não. Foi uma decisão estratégica de concentrar numa área onde já tínhamos a competitividade, onde vemos prospectividade e queríamos consolidar. Eu não tenho recurso para bidar [fazer oferta] em todos os blocos.

RAIO-X | CRISTIANO PINTO DA COSTA, 50

Engenheiro químico formado pela UFRJ com MBA pela Cranfield School do Reino Unido. Está na empresa há 28 anos tendo ocupado cargos em áreas como operações, estratégia, comercial e outras, em Londres, Haia e Houston. Voltou ao Brasil em 2018 e foi nomeado presidente da Shell Brasil em 2022. Neste ano, a unidade brasileira passou a ter uma vice-presidência global de Upstream, liderada por ele.

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