[AGÊNCIA DC NEWS]. O país terminou 2024 com um pouco menos de famílias endividadas, embora em nível ainda alto: 76,7% em dezembro, ante 77,6% em igual período do ano anterior. Foi a segunda redução seguida. Os dados são da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Mas há mais famílias com dívidas em atraso – de 28,8% para 29,3%, na mesma base de comparação. Além disso, as famílias que não conseguem quitar o que devem são 13%, maior taxa da série histórica, iniciada em 2010.
Na visão da CNC, a menor proporção de famílias endividadas é um sinal de cautela diante do cenário econômico: elevação dos juros (Selic) e da inflação, o que dificulta o acesso ao crédito e o torna mais caro. Para o presidente do Sistema CNC-Sesc-Senac, José Roberto Tadros, a inadimplência é um reflexo do impacto desproporcional desses fatores sobre as famílias de baixa renda, que enfrentam juros elevados e renda limitada para absorver o aumento dos preços. “É fundamental promover um ambiente econômico estável e políticas que ampliem a capacidade de consumo”, afirmou. A maior quantidade de famílias que não sabem quando conseguirão quitar suas dívidas reforça, segundo ele, a necessidade de criar um ambiente econômico previsível, para que empresas e pessoas físicas possam “tomar crédito de maneira saudável e responsável, e que não tenham que reduzir o seu consumo por aumento da taxa de juros ou imprevistos em seus empregos”.
A pesquisa da CNC também mostra que o comprometimento da renda no ano passado ficou no menor nível desde 2019, atingindo 29,8% do rendimento familiar. Por outro lado, o prazo médio para quitação subiu de 6,9 meses, em dezembro de 2023, para 7,4 meses. “O que demonstra uma busca por melhores condições de pagamento”, afirmou a entidade. O cartão de crédito correspondeu por 83,8% das dívidas. Na sequência, as modalidades mais citadas são carnês (16,5%) e crédito pessoal (11,4%). Essa última categoria, diz a CNC, “vem se destacando nos últimos meses devido às constantes reduções das taxas de juros dessa modalidade em relação ao ano anterior”. Mas a entidade acrescenta que a Selic voltou a aumentar no último trimestre de 2024. O ciclo de altas do Comitê de Política Monetária (Copom) deve prosseguir na próxima reunião, na semana que vem.
A única categoria que teve maior endividamento foi a da famílias que recebem até três salários mínimos: 80,5%. “Coerente por ser um grupo com menor poder aquisitivo e, portanto, mais dependente do crédito para manter o seu padrão de consumo”, disse a CNC. A proporção de endividados cai conforme aumenta a faixa: 78,2% (famílias com rendimento de três a cinco salários mínimos), 72,4% (de cinco a dez mínimos) e 66,1% (acima de dez). A proporção de famílias que destinam mais da metade de sua renda ao pagamento de dívidas chega a 20,6% (ante 20,7% em 2023). Felipe Tavares, economista-chefe da CNC, diz que os dados mostram que, embora o endividamento tenha se tornado mais sustentável em termos de renda comprometida e prazo, a alta dos juros e o encarecimento do crédito dificultaram a gestão financeira das famílias. “É necessário reforçar a educação financeira e implementar políticas bem estruturadas de renegociação de dívidas”, disse Tavares.
Segundo o economista-chefe, o endividamento no Brasil é baixo, “em termos absolutos e relativos”, na comparação com a economia dos Estados Unidos. “No entanto, as famílias apresentam problemas em lidar com o seu endividamento devido à volatilidade excessiva do Brasil, com juros elevados e insegurança no mercado de trabalho”, afirmou. “Em 2024, vimos o endividamento reduzir e a inadimplência aumentar, mostrando na prática os efeitos negativos de uma macroeconomia instável.” De acordo com a entidade, as dívidas das famílias correspondem a 30% do PIB, ante 72% nos Estados Unidos. Para a CNC, ao observar que economias mais maduras possuem famílias mais endividadas, é possível compreender a importância do crédito para o desenvolvimento econômico. “É um componente necessário para a dinamização das atividades produtivas, uma vez que o consumo das famílias depende majoritariamente do crédito concedido”. Ainda segundo a entidade, nesse sentido, o endividamento elevado das famílias não é necessariamente um problema estrutural da economia brasileira. “O elevado endividamento surge como um desafio quando as famílias possuem grande parte da sua renda comprometida, aumentando o risco de se tornarem inadimplentes por estarem com pouca flexibilidade orçamentária para imprevistos.”