SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Comitê Norueguês do Nobel anunciou nesta sexta-feira (10) que a líder opositora da ditadura de Nicolás Maduro, María Corina Machado, venceu o Nobel da Paz de 2025 por sua atuação pela democracia na Venezuela.
A láurea foi concedida pelo seu “trabalho incansável promovendo os direitos democráticos para o povo da Venezuela e pelo seu esforço em alcançar uma justa e pacífica transição da ditadura para a democracia”, de acordo com o anúncio.
María Corina, que completou 58 anos na última terça-feira (7), afirmou que a conquista é um impulso para a liberdade de seu país e dedicou o prêmio ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que estava em campanha aberta pelo Nobel e ainda não a parabenizou.
“Estamos no limiar da vitória, e hoje, mais do que nunca, contamos com o presidente Trump, o povo dos EUA, os povos da América Latina e as nações democráticas do mundo como nossos principais aliados para alcançar a liberdade e a democracia. Dedico este prêmio ao povo sofredor da Venezuela e ao presidente Trump por seu apoio decisivo à nossa causa!”, escreveu ela no X.
Antes disso, a líder havia afirmado estar em choque com a notícia durante uma ligação com o também opositor Edmundo González, candidato à Presidência da Venezuela em 2024 e exilado na Espanha desde que Maduro se proclamou vencedor após o pleito.
“O que é isso? Não consigo acreditar”, afirma ela em um vídeo publicado no perfil na rede social X de González, que entrou na disputa após María Corina ser declarada inelegível pelo regime. “Estamos em choque de alegria”, responde ele.
Com o prêmio, ela se tornou a 20ª mulher a ganhar o Nobel, concedido desde 1901 o que significa que, agora, 83% das premiações foram masculinas. A última mulher a ganhar a homenagem havia sido a ativista iraniana Narges Mohammadi, em 2023.
O comitê caracterizou María Corina como “um dos exemplos mais extraordinários de coragem civil na América Latina nos tempos recentes” e uma “figura-chave e unificadora em uma oposição política que antes era profundamente dividida”.
“É precisamente isso que está no cerne da democracia: nossa disposição compartilhada de defender os princípios do governo popular, mesmo discordando. Em um momento em que a democracia está ameaçada, é mais importante do que nunca defender esse ponto em comum”, diz o anúncio.
O presidente do comitê, Jorgen Watne Frydnes, ainda citou os esforços “inovadores e corajosos, pacíficos e democráticos” da oposição nas eleições de 2024 na Venezuela, quando o antichavismo reuniu as atas de votação ao longo do dia em uma tentativa de contestar possíveis fraudes do regime.
Embora os documentos, atestados por diferentes órgãos independentes, tenham apontado vitória ao candidato da oposição, Edmundo González, Maduro declarou sua terceira reeleição horas após o fechamento das urnas, sem apresentar as provas exigidas pela lei venezuelana.
O episódio foi apenas uma das anormalidades do pleito. Cerca de um ano antes, María Corina havia sido declarada inelegível ao lado de outros opositores pela Controladoria-Geral do país que, assim como a maioria dos órgãos públicos da Venezuela, está aparelhada.
Na ocasião, o regime atribuiu a decisão a irregularidades administrativas da época em que ela foi deputada, de 2011 a 2014. A medida, imposta em 2015, tinha vigência de apenas um ano, mas foi estendida porque ela apoiou sanções dos EUA contra Maduro, segundo o órgão.
“A oposição recebeu apoio internacional quando seus líderes divulgaram as contagens de votos coletadas nos distritos eleitorais do país, mostrando que a oposição havia vencido por uma margem clara. Mas o regime se recusou a aceitar o resultado das eleições e se agarrou ao poder”, disse o comitê nesta sexta.
O prêmio pareceu também ser uma forma de jogar luz ao avanço do autoritarismo em diferentes partes do mundo nos últimos anos.
“Vivemos em um mundo onde a democracia está em retrocesso, onde cada vez mais regimes autoritários desafiam as normas e recorrem à violência”, afirmou o comitê. “Observamos as mesmas tendências globalmente: Estado de direito violado por aqueles que o controlam, imprensa livre silenciada, críticos presos e sociedades empurradas para o regime autoritário e a militarização. Em 2024, mais eleições foram realizadas do que nunca, mas cada vez menos eleições são livres e justas.”
Questionado sobre o significado do prêmio em meio a esse retrocesso, Frydnes afirmou que “viver em um mundo em que há menos democracia e mais regimes autoritários significa que o mundo também está ficando menos seguro”. “Nós acreditamos que a democracia é uma precondição para a paz. Então, sim, isto é uma mensagem para o mundo”, completou.
A decisão do comitê frustrou o presidente americano, Donald Trump, para quem a premiação havia se tornado uma meta pessoal e presença constante em seus discursos, nos quais fez campanha aberta para ser premiado.
Ironicamente, um dos principais membros do seu gabinete, o secretário de Estado Marco Rubio, fez parte dos esforços para indicar María Corina antes de trabalhar para o republicano. No ano passado, quando ainda era senador pela Flórida, ele enviou uma carta ao comitê junto com colegas afirmando que os esforços da venezuelana “incorporam os próprios princípios que o Prêmio Nobel da Paz busca honrar”.
“A luta incansável de María Corina Machado por uma Venezuela livre e justa é uma verdadeira inspiração. Sua coragem será lembrada por muitos anos”, afirmou o político no X em agosto do ano passado, ao compartilhar o documento.
Ele ainda não se pronunciou publicamente sobre o anúncio desta sexta, mas a Casa Branca não parabenizou a líder na sua primeira reação oficial e disse que o comitê “provou que prioriza a política acima da paz”. “Trump continuará fazendo acordos de paz, encerrando guerras e salvando vidas. Ele tem o coração de um humanitário, e nunca haverá ninguém como ele, capaz de mover montanhas com a força de sua vontade”, disse o porta-voz Steven Cheung no X.
Trump dizia merecer a premiação com o argumento de ter encerrado “seis ou sete” guerras pelo mundo desde que voltou à Casa Branca embora o republicano tenha participado de negociações em uma série de conflitos, nem todos que ele listava terminaram ou tiveram sua atuação como determinante para tal.
Indagado também sobre os esforços do republicano, Frydnes disse que, ao longo da história, houve “todo tipo de campanha”. “Este comitê se senta em uma sala repleta de retratos de todos os laureados, e essa sala é cheia de coragem e integridade. Nossa decisão é baseada apenas no trabalho e no desejo de Alfred Nobel”, afirmou, em referência ao inventor sueco (1833-1896) que idealizou o prêmio.
A campanha pró-Nobel de Trump havia sido engrossada na quarta-feira (8) com o anúncio, feito pelo americano em suas redes sociais, de que Israel e Hamas concordaram com a primeira fase de um plano de paz para Gaza, com libertação de reféns pelo grupo terrorista e retirada militar de Tel Aviv. Nesta quinta (9), o governo israelense aprovou acordo para encerrar o conflito.
Ao todo, 338 candidatos haviam sido indicados à láurea neste ano, dentre os quais 244 eram indivíduos, e 94, organizações. O número é menor do que o do ano passado, quando houve 286 indicações, e do que o de 2016, quando houve um recorde de 376 nomes.
Mais curiosidades sobre a lista de indicados, no entanto, só poderão ser sanadas daqui a 50 anos. Os candidatos e aqueles que os indicaram que envolvem, entre outros, líderes de países e quem eventualmente já foi laureado ficam em sigilo por cinco décadas.
Até a metade do século 20, os laureados na principal categoria eram “políticos ativos que procuravam promover a paz internacional, a estabilidade e a justiça por meio da diplomacia e de acordos internacionais”.
Desde o fim da Segunda Guerra, porém, o prêmio passou a reconhecer esforços nas áreas de desarmamento, democracia e direitos humanos. Na virada para o século 21, o foco foi ampliado para incluir iniciativas que tentem conter a crise climática causada pelo homem.
RELEMBRE OS DEZ VENCEDORES ANTERIORES DO NOBEL DA PAZ:
2024: A organização japonesa Nihon Hidankyo, que atua pela abolição das armas nucleares e reúne sobreviventes das bombas de Hiroshima e de Nagasaki
2023: A ativista dos direitos humanos iraniana Narges Mohammadi, 51, por apoiar a luta das mulheres pelo direito de elas terem vidas plenas e dignas
2022: O ativista da Belarus Ales Bialiatski, o Memorial, grupo de direitos humanos da Rússia, e o Centro para Liberdades Civis da Ucrânia, por demonstrarem a importância da sociedade civil para a paz e a democracia
2021: Os jornalistas Maria Ressa (filipina) e Dmitri Muratov (russo), pela defesa que fazem da liberdade de expressão, pré-requisito para a democracia e a paz duradoura
2020: Programa Mundial de Alimentos (PMA), por atuar como uma força motriz nos esforços para prevenir o uso da fome como arma de guerra e conflito
2019: O primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, que assinou acordo de paz que pôs fim a duas décadas de hostilidades com a Eritreia
2018: O congolês Denis Mukwege e a iraquiana Nadia Murad, que denunciaram a violência em relação a vítimas de violência sexual como arma de guerra
2017: Campanha Internacional para Abolir Armas Nucleares (Ican), por chamar a atenção para o risco de armas nucleares
2016: Juan Manuel Santos, ex-presidente da Colômbia que negociou o acordo de paz com as Farc
2015: Quarteto para o Diálogo Nacional da Tunísia, pela contribuição decisiva na construção de uma sociedade plural no país