[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
São apenas três endereços. E ao mesmo tempo uma marca poderosa que acaba de se tornar centenária: a rede a.Oculista, fundada em 1925 na Lapa, Zona Oeste de São Paulo. Uma jornada que vai de um negócio familiar tradicional ao atual status de boutique. Na linha do tempo, a terceira geração foi a responsável pelas mudanças de nomenclatura e estratégia, com a visão dos irmãos Cinthia e Marcelo Schichvarger e a mulher de Marcelo, Regiane. Para eles, a palavra de ordem do momento que guia a.Oculista para o próximo centenário é “ter 100 anos sem parecer ter 100 anos”. No setor óptico, a previsão não poderia ser melhor. Segundo a Associação Brasileira da Indústria Óptica (Abióptica), o mercado global está em expansão constante, com perspectiva de que, até 2030, as vendas mundiais alcancem US$ 336 bilhões, com crescimento anual médio entre 8% e 8,6%. Aproveitando esse horizonte e a nova geração chegando, Cinthia enxerga um futuro com marca própria e projeto social.
A rede chegou a ter seis unidades. Na Lapa, no Tatuapé e no Panambi, que não existem mais, e as três atuais (na Oscar Freire, em Perdizes e no Shopping Bourbon). Encolher foi a saída para manter a qualidade e a excelência herdadas da geração anterior, composta por Isaac e Bernardo (pai de Cinthia e Marcelo). No momento não há planos de expandir o número de unidades, mas o que poderia adicionar uma loja à família seria o desenvolvimento de marca própria, que teria unidade voltada apenas para esses produtos. “Eu gosto muito de criar. Quando imagino uma novidade, penso nisso dia e noite, noite e dia”, disse Cinthia, que passa boa parte do tempo de trabalho em seu laboratório de montagem. “Um dos maiores de São Paulo”. O cuidado com detalhes técnicos, segundo ela, é um dos aspectos que justificam a longevidade de a.Oculista. A empresária conta que frequentemente eles corrigem erros em óculos de outros endereços que não foram precisos na leitura das receitas. “Todo mundo sai daqui enxergando. É o básico que quase ninguém faz.” A outra ideia, que na prática já acontece mas não é oficializada, é criar uma vertical social, com doações sistemáticas de óculos para quem não pode pagar. “A gente tem que retribuir um pouco do que a gente recebe”.
Esse movimento, de devolver à comunidade, também direciona a forma como a atual gestão de a.Oculista se relaciona com os clientes. “‘Mais vale um mau negócio do que uma boa briga’, eu brinco que é o nosso lema”, afirmou a empresária. No caso da boutique, o costume de comprar na marca passou de pai para filho, assim como a empresa. “Vender óculos demora. Nosso DNA está no cliente que entra para conversar, contar da família e tomar um cappuccino.” Segundo Cinthia, a maioria das óticas não consegue fidelizar o cliente pela frieza com que os atendimentos são feitos e pela alta rotatividade de funcionários. “Cada vez que você vai é um atendente. Aqui não. Os clientes nos conhecem, perguntam, convidam para aniversário dos filhos.” Devido à preferência pelo atendimento individualizado, a possibilidade de franquear nunca passou perto de a.Oculista.
SUCESSÃO – Por enquanto, os planos da marca própria e do braço social habitam o campo das ideias, mas a tendência é que comecem a sair do papel em breve. “Minha vida é o meu trabalho”, afirmou Cinthia. Ela diz ter dificuldade em conciliar os planos pessoais e os sonhos para a.Oculista com o dia a dia atrás do balcão. A parte mais intensa de sua gestão, por outro lado, já passou. Especialmente agora que Anne Schichvarger, de 26 anos, assumiu uma posição na empresa. “Ela já renovou muitas coisas, principalmente na comunicação virtual. Pretendemos preparar uma sucessão familiar.” Há também o irmão de Anne, que ainda está no Ensino Médio e distante da vida no negócio. Mesmo assim, caso não haja interesse da nova geração em dar sequência ao legado de Israel Schichvarger, o patriarca e fundador de a.Oculista, Cinthia fala sem tabus em contratar uma empresa para administrar a marca. “Nunca diga nunca. Não existe nada invendável.”
Cinthia tem 67 anos, dois a mais do que Marcelo, e há 30 trabalham juntos no negócio iniciado pelo avô Israel, em 1925. Quando questionada sobre o que diria para o fundador, a neta apenas ri e diz: “Me conte a sua história”. Tudo o que se sabe sobre o retraído empresário é que começou a vida muito pobre na Moldávia, na época em que o país fazia parte do Império Russo. Veio ao Brasil, começou um negócio de conserto de relógios na Lapa e passou a vender também joias e óculos. Com sua morte em 1964, os filhos, Isaac e Bernardo, assumiram e solidificaram o negócio do pai como uma ótica. Nas décadas seguintes, a.Oculista chegou a outros bairros da cidade. A unidade mais antiga ainda em funcionamento é a do Shopping Bourbon, inaugurada no antigo Shopping Matarazzo, e que foi a primeira sob direção dos filhos de Bernardo.
Para Cinthia, a época em que assumiram o negócio coincide com a transição dos óculos de necessidade a objetos de desejo. Ela se lembra do lançamento de Óculos, canção de Os Paralamas do Sucesso, de 1984, dos óculos de aro vermelho do repórter Ernesto Varela, personagem de Marcelo Tas, e dos óculos escuros azuis de José Wilker na novela Roque Santeiro, como marcos para o setor. E também foram importantes para a passagem de bastão em a.Oculista, que aconteceu oficialmente em 1995. Na esteira das cores e ainda antes de herdar a administração da empresa, a empresária conta que pintava armações transparentes no estoque do pai, na busca por manter os produtos dentro das tendências.
Apesar do peso que o nome da empresa já tinha na época, Cinthia afirma que assumir as lojas foi como abrir um negócio do zero. “Meu pai sempre teve uma ideia muito diferente de como gerir um negócio.” Um exemplo é a preferência do patriarca por manter as lojas funcionando em detrimento de reformar as unidades. Segundo Cinthia, Bernardo costumava dizer que “fazer coisa com dinheiro é fácil, quero ver sem dinheiro”. E foi assim que ela e Marcelo começaram em a.Oculista: sem dinheiro. A primeira ação dos irmãos foi fazer cursos sobre a área. Depois, fecharam todas as unidades para reforma. “Foi mais difícil do que a pandemia”, disse Cinthia. Ela também contou que, nas reaberturas, com os mesmos produtos expostos mas as lojas repaginadas, muitos clientes acabaram comprando os modelos encalhados, atraídos pelas novidades. “Ninguém quer entrar num lugar feio”, afirmou.
GRIFES – Outra mudança adotada pelos irmãos foi se abrir para grifes, algo que o pai desaprovava com veemência. “Ele é o cara mais ecológico que eu conheço”, disse aos risos Cinthia. “Dizia ‘vou pagar R$ 5 mil num par de óculos só porque é um Giorgio Armani? Quem é esse Armani?'”. Já os filhos aproveitaram a abertura do país para importações, um marco dos anos 1990, para colocar as grifes nas vitrines de a.Oculista. Hoje, ela vende designs de grifes de A a Z. Entre os modelos mais caros estão os Óculos de Sol Balmain, por R$ 10,3 mil e o de grau Hoffmann, por R$ 13,5 mil. A redução da rede de seis para três lojas permitiu que a.Oculista se concentrasse apenas nos públicos A e B e se tornasse o negócio de boutique que é hoje.
Cada geração trouxe um fragmento do que hoje compõe a.Oculista. A próxima ainda é jovem, mas já gera grandes expectativas. Apesar da declaração de Cinthia, de que existe a possibilidade de cortar o ciclo familiar da gestão da empresa, a maioria da família se mostra otimista com os filhos de Marcelo. Os próximos 100 anos prometem, mas, enquanto não chegam, o que Cinthia vê é uma coleção de histórias (como o shop tour em que vendeu cada peça – inclusive as quebradas – do estoque), clientes fiéis (do tipo que perguntam sobre suas cachorrinhas e “atendentes temporárias” da unidade da Pompéia), funcionários de décadas (como a Cleide Jorge, que há 25 anos cuida pessoalmente da visão de uma família que só confia nela) e um álbum de família que só quem vive do varejo constrói. “Esta empresa é uma verdadeira família mesmo.”
Cinthia Schichvarger continua o legado do avô, Israel Schichvarger, mas pouco se sabe sobre o patriarca
Cada geração trouxe um fragmento do que hoje compõe a.Oculista. Negócio começou como loja de consertos de relógios na Lapa e hoje funciona como ótica de boutique
Entre os modelos mais caros estão os Óculos de Sol Balmain, por R$ 10,3 mil e o Óculos de Grau Hoffmann, por R$ 13,5 mil
Hoje, a.Oculista habita três vizinhanças: Perdizes, Oscar Freire (a mais jovem) e Shopping Bourbon (a mais antiga)
Cinthia Schichvarger: "Vender óculos demora. Nosso DNA está no cliente que entra para conversar, contar da família e tomar um cappuccino"