Degustador de água da Sabesp evita escovar os dentes e usar perfume antes de teste

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O químico Eduardo Torres da Cunha, 43, já ouviu de familiares e amigos que se tornou muito exigente para sabores e odores.

“Falam que estou chato”, afirma.

É culpa da água. Todas as terças-feiras, ele e mais quatro funcionários da Sabesp se reúnem em uma das sedes da empresa para provar e cheirar amostras de 200 ml coletadas no dia anterior em diferentes reservatórios. O trabalho chama a atenção.

Água não tem cheiro ou gosto. Ou tem?

“É algo que a gente precisa treinar. A água não tem sabor ou odor, mas carrega algumas características. Por exemplo, a água da Sabesp é tratada com cloro. Então, no mínimo, a gente tem de perceber o sabor do cloro”, diz ele.

O trabalho é identificar o sabor e o cheiro, mas estes não podem ser exagerados. Desde 2008, Cunha trabalha no laboratório que faz análises sensoriais da água. A partir de 2011, o estudo desses dados e do monitoramento se tornou obrigatório, segundo diretrizes do Ministério da Saúde.

Quando se tornou norma, o químico que está na companhia há 24 anos, já fazia este trabalho para tentar prevenir ou reagir em caso de reclamações quanto à qualidade da água no estado de São Paulo.

“A gente não fica fazendo só isso. Não é nossa única função dentro de um trabalho de químico da Sabesp, mas faz parte. Somos 82 pessoas com essa tarefa, de acordo com o último levantamento que realizamos. Aqui (na cidade de São Paulo) verificamos a água da região metropolitana e fazemos treinamentos para pessoas de todo o estado”, completa.

O setor também se encarrega de análises de compostos orgânicos como pesticidas e agrotóxicos.

Para degustação da água, não é necessário ser químico. Qualquer funcionário da Sabesp pode se apresentar e passar pelo treinamento, que dura dois dias. Começa com percepção de alimentos, águas minerais mais carregadas no sabor e, aos poucos, acontece a redução da intensidade e dos padrões de cheiro para que o interessado comece a apurar os sentidos. Também é colocado mais cloro para apurar paladar e olfato.

O percentual deste elemento na água é regulamentado e há pessoas com maior ou menor sensibilidade a ele.

A melhoria na percepção é algo que vem com a prática e entra no dia a dia. Por isso, Cunha é visto, fora da Sabesp, como alguém exigente com gostos e cheiros.

“A gente calibra, treina. Eu mesmo não me considero um painelista nato. Sou bem treinado. Mas requer que a pessoa tenha interesse em alimentos e bebidas.”

No treinamento também são identificados padrões que o degustador já possui. O olfato, por exemplo, é ligado à memória e é mais fácil identificar o odor que já foi sentido alguma vez no passado.

“Sabe quando você diz que sente cheiro de chuva? Na verdade, é cheiro de terra. A água bruta, antes de ser tratada, tem odor e sabor de terra”, afirma o químico.

Por isso que ele afirma não querer saber, antes da degustação, da origem da água de cada frasco. Prefere fazê-lo às cegas porque faz isso há tanto tempo que sabe a característica da água de cada região. Poderia se deixar influenciar. Isso lhe permite, diz, perceber quando alguma amostra está com sabor ou odor muito forte.

Há também hábitos matinais proibidos nas terças-feiras para quem está na equipe.

A degustação das amostras é feita pela manhã para que o paladar não esteja influenciado pelos alimentos do almoço, principalmente por causa de comidas condimentadas. Pede-se que a pessoa não escove os dentes 30 minutos antes do teste nem use cosméticos com cheiro. Também não pode fumar porque o tabaco prejudica a sensibilidade na degustação.

“O humor também influencia. Se a pessoa está um pouco mais irritada, nervosa ou triste naquela manhã, pode ser mais crítica do que deveria ser.”.

A Sabesp deve abrir programa de trainees neste ano e a vaga no laboratório que faz análises sensoriais é uma das possibilidades. As descrições das vagas serão publicadas no site da empresa. O salário médio de químico (não apenas degustador) na Sabesp varia entre R$ 6.000 e R$ 11 mil, a depender da experiência.

É um trabalho que Eduardo Torres da Cunha leva para o seu dia a dia. É comum estar fora da Sabesp e comentar sobre o sabor da água que acabou de beber, o que sempre causa espanto em quem não o conhece bem e é seguido da pergunta:

Como você consegue perceber isso?

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