SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio a intensa pressão de diversos países europeus, familiares de reféns israelenses e dezenas de nações árabes e muçulmanas, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, organizou uma entrevista coletiva para defender sua decisão de expandir a guerra e ocupar a Cidade de Gaza.
O premiê reafirmou neste domingo (10) a intenção de prosseguir com o plano diante da recusa do Hamas de se render, mesmo com a ocupação sendo veementemente condenada por grande parte da comunidade internacional mas não por seu maior aliado, os Estados Unidos de Donald Trump. A fala ocorre ainda meio a uma onda de indignação com as cenas de fome no território palestino.
“Dada a recusa do Hamas de abaixar as armas, Israel não tem outra alternativa a não ser terminar o trabalho e derrotar o Hamas”, afirmou o premiê em uma entrevista coletiva, acrescentando que a facção ainda teria “milhares de terroristas armados”. “Nosso objetivo não é ocupar Gaza, é libertar Gaza, libertá-la do terrorismo do Hamas.”
O anúncio dos planos de ocupar o território chocou ativistas e organizações de direitos humanos que apontam para violações em série ao longo dos 22 meses de guerra. No final de julho, duas das principais ONGs de direitos humanos de Israel afirmaram que o país comete genocídio na Faixa de Gaza acusação que Tel Aviv nega.
Uma das críticas mais comuns a Israel é em relação à restrição de ajuda humanitária que o Estado judeu impõe ao território. Neste domingo, o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, afirmou que cinco pessoas morreram de fome no território, elevando o número de mortos por desnutrição desde o início da guerra a 217, incluindo 100 crianças.
Até agora, mais de 61 mil pessoas foram mortas por Israel durante o conflito, de acordo com a Defesa Civil de Gaza, que registrou também 27 mortos neste domingo, incluindo 11 a tiros enquanto aguardavam distribuição de alimentos.
Durante a entrevista neste domingo, Netanyahu em um primeiro momento se negou a responder se acredita que há fome generalizada em Gaza e criticou a imprensa internacional por publicar fotos de crianças esqueléticas que, segundo ele, não comprovariam a crise humanitária no território, uma vez que teriam condições de saúde preexistentes.
Minutos depois, porém, o premiê admitiu que houve um “problema de privação” no território causado, segundo o político, principalmente pelo Hamas e pela ONU, que estariam se negando a entregar suprimentos aos palestinos.
De acordo com estatísticas militares israelenses, uma média de 140 caminhões de ajuda entraram em Gaza diariamente durante o conflito cerca de um quarto do que as agências humanitárias afirmam ser o mínimo necessário para atender os mais de 2 milhões de habitantes do território.
De acordo com organizações que atuam em Gaza e relatos de moradores, a situação se tornou ainda mais dramática após Israel bloquear totalmente a entrada de ajuda humanitária por 11 semanas no primeiro semestre e, em seguida, monopolizar a distribuição à FHG (Fundação Humanitária de Gaza), uma controversa organização apoiada por EUA e Israel.
Quando começou a operar, em maio, o sistema tinha apenas quatro pontos de entrega para atender uma população de mais de 2 milhões de pessoas a infraestrutura anterior, coordenada pela ONU, contava com 400 centros.
Desde então, quase 1.400 palestinos foram mortos em busca de ajuda, segundo a ONU 859 nas proximidades dos locais da fundação e 514 ao longo das rotas dos comboios de alimentos, a maioria deles vítimas de soldados israelenses, de acordo com as Nações Unidas.
Sob a justificativa de que o sistema não respeita os princípios humanitários, a ONU e outras organizações se negaram a colaborar com a FHG. Resoluções da Assembleia-Geral das Nações Unidas determinam que a ajuda deve se guiar apenas pela necessidade das pessoas afetadas, sem qualquer distinção religiosa, política ou ideológica, e deve ser supervisionada por uma parte neutra.
Confirmar as afirmações é um desafio para a imprensa internacional, que também enfrenta restrições para entrar em Israel. Segundo o premiê, o Exército foi instruído a facilitar a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza desde o início da guerra, o acesso de profissionais de imprensa só foi permitido como parte de excursões organizadas pelas Forças Armadas de Israel. Essas excursões tinham o objetivo de levar repórteres a túneis encontrados por Tel Aviv em Gaza que seriam utilizados pelo Hamas.
Netanayhu insistiu também neste domingo que a ideia não é permanecer em Gaza, mas destruir o que considera “os dois últimos bastiões do Hamas”, que estariam na Cidade de Gaza e no campo de refugiados no centro do território. “Ao contrário do que se afirma, esse é o melhor jeito de acabar com a guerra”, disse.
O plano envolveria entregar o território para um órgão civil não israelense, reafirmou o premiê, sem entrar em detalhes Netanyahu já disse que não aceitará que a Autoridade Palestina, que governa parcialmente a Cisjordânia ocupada, volte à Faixa de Gaza, de onde foi expulsa pelo Hamas em 2007.
Os planos não causaram alarde apenas em ONGs e ativistas pró-Palestina, no entanto. O anúncio também foi mal recebido pelas famílias dos reféns, que veem a ideia como uma sentença de morte para seus parentes, nas mãos do grupo terrorista desde outubro de 2023.
Na última semana, relatos na imprensa israelense mostraram divergências entre o premiê e o chefe do Exército, Eyal Zamir, que considera o plano uma armadilha que colocaria os sequestrados em perigo. O Hamas, por sua vez, alertou que a nova ofensiva terminaria com o “sacrifício” dos reféns.
“O gabinete decidiu o destino dos reféns: os vivos serão mortos e os mortos desaparecerão para sempre”, afirmou Einav Zangauker, mãe de um dos sequestrados que ganhou notoriedade na mobilização das famílias. “Se os reféns forem mortos, nós os caçaremos. Nas praças, durante as campanhas eleitorais, em todos os momentos e em todos os lugares”, disse sobre o premiê Shahar Mor Zahiro, sobrinho de um refém assassinado.
Neste domingo, Netanyahu falou que estava discutindo “maneiras criativas” para libertar os sequestrados, sem entrar em detalhes.
Internacionalmente, o premiê também viu a pressão aumentar, com diversos países, incluindo membros permanentes do Conselho de Segurança, como Reino Unido e França, demonstrarem a intenção de reconhecer o Estado palestino.
“Desafia a compreensão que pessoas inteligentes, diplomatas e líderes mundiais, caiam na mentira [de que um Estado palestino encerraria o conflito]. Os palestinos não querem criar um Estado, eles querem destruir um Estado. O Estado judeu”, afirmou Netanyahu.
A extrema direita israelense, por sua vez, critica o premiê por não ir além da Cidade de Gaza. “A vitória é possível. Quero toda a Faixa de Gaza, a transferência [de sua população] e a colonização”, disse o ministro da Segurança Nacional de Netanyahu, o extremista Itamar Ben-Gvir.
Já o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, um dos mais radicais membros do gabinete de Netanyahu, disse que o premiê “se rendeu aos fracos”. “Eles decidiram repetir a mesma abordagem mais uma vez, lançando uma operação militar que não busca uma resolução decisiva, mas simplesmente pressionar o Hamas a chegar a um acordo parcial sobre os reféns”, disse.
O líder da oposição, Yair Lapid, por sua vez, também criticou o plano, mas por outras razões. “Eles vão mobilizar 430 mil reservistas no último minuto. Eles estão desmantelando o país por dentro”, afirmou à imprensa neste domingo.