O Boletim Focus do Banco Central (BC), relatório semanal que reúne expectativas do mercado financeiro sobre indicadores econômicos, aponta uma leve alta na previsão do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e no PIB para o final deste ano. Divulgado nesta segunda-feira (2), o relatório mantém a projeção da Selic inalterada para 2024 (10,50%). Segundo o levantamento, o IPCA deve subir 4,26% este ano, acima dos 4,25% projetados na semana anterior. Para 2025, a previsão é de um aumento de 3,92%, contra os 3,93% estimados anteriormente. Os números foram divulgados após o IPCA-15 da semana passada mostrar desaceleração dos preços, com alta de 0,19% na base mensal e 4,35% no acumulado de 12 meses.
O boletim também indicou que o PIB deve crescer 2,46% em 2024, acima dos 2,43% previstos na semana anterior, marcando a terceira semana consecutiva de melhora no indicador. Para 2025, a projeção é de crescimento de 1,85%, levemente abaixo dos 1,86% estimados anteriormente. Quanto à taxa Selic, o mercado prevê que o BC a manterá em 10,50% ao ano, até o fim de 2024, uma previsão que se mantém inalterada por 11 semanas consecutivas. Para o ano que vem, a expectativa é de que a taxa básica de juros caia para 10%. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está agendada para os dias 17 e 18 deste mês.
A DC NEWS consultou economistas e especialistas do mercado financeiro para compreender as expectativas em torno da alta da Selic e suas implicações para o cenário econômico. Os especialistas discutiram como a elevação da taxa básica de juros pode impactar o consumo. A seguir, veja as análises desses profissionais.
RENAN PIERI, doutor e mestre em economia pela Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). “Desde agosto do ano passado, a Selic vem sendo ajustada, caindo de 13,75% para 10,5% no primeiro semestre deste ano. Com a inflação em queda e se aproximando da meta, o Banco Central conseguiu reduzir a taxa, mas o cenário mudou. A economia brasileira está mais aquecida do que o esperado, com a taxa de desemprego no menor nível desde 2012, caindo para 6,8% no trimestre encerrado em julho. Além disso, a inflação nos Estados Unidos e na Europa permanece alta, levando os bancos centrais dessas regiões a postergar cortes nas taxas de juros. Esse cenário influenciou o Copom, que interrompeu os cortes na Selic. Agora, há incertezas sobre a possibilidade de novas reduções ou até mesmo um aumento. Com a Selic elevada, o crédito fica mais caro, reduzindo o consumo e os investimentos, o que pode desacelerar a economia. Contudo, o Copom sugere que, se o governo avançar na redução do déficit público, a Selic pode voltar a cair no futuro. O novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, deu uma entrevista dizendo que a Selic aumentar era uma carta na mesa e isso agitou o mercado, que passou a esperar que talvez possa, assim, haver o aumento. Então, é um momento de indefinição quanto à trajetória da Selic, que deve ser mais clara na próxima reunião do Copom.”
LYANA BITTENCOURT, CEO do Grupo Bittencourt. “A alta da inflação tem pressionado o Banco Central a aumentar a taxa Selic. Essa decisão é tomada pelas autoridades monetárias quando é necessário estabilizar a economia, mesmo que isso resulte em uma redução do consumo e em um consequente desaquecimento econômico. Sempre que a taxa de juros aumenta, ocorre um desaquecimento na economia, pois o crédito ao consumidor se torna mais caro, o que leva as pessoas a ser mais cautelosas em relação ao consumo. Esse efeito é especialmente evidente em setores de bens de maior valor, como eletrodomésticos, veículos e móveis. Esses itens geralmente exigem parcelamentos mais longos e, com os juros elevados, a decisão de compra do consumidor pode ser comprometida. Outro reflexo desse aumento dos juros é o crescimento da inadimplência, já que muitos consumidores podem ter dificuldades para honrar as parcelas de bens de maior valor que adquiriram. Da mesma forma, o investimento das empresas também tende a ser reduzido. A captação de capital pelas companhias fica mais cara e, em um cenário de consumo retraído, o retorno sobre os investimentos realizados se torna mais demorado. Mesmo quando as empresas optam por tomar capital a juros altos, elas enfrentam dificuldades para repassar esses custos ao consumidor, que já está com um comportamento de compra mais contido. Para atrair consumidores, as empresas muitas vezes recorrem a promoções e descontos, o que, por sua vez, reduz suas margens de lucro e limita ainda mais sua capacidade de investir.”
JULIANA INHASZ KESSLERI, economista, professora e coordenadora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). “Considerando o cenário atual e os riscos inflacionários no segundo semestre, há motivos para se pensar em possíveis aumentos na taxa de juros. A pressão inflacionária pode surgir de um mercado de trabalho aquecido, no qual reajustes salariais podem aumentar a inflação. Outro fator preocupante é a energia elétrica, pressionada por uma estiagem e pelos efeitos do fenômeno La Niña, que podem exigir maior uso de termelétricas, elevando ainda mais o custo da energia e pressionando a inflação. O Banco Central já demonstrou preocupação com esses fatores e, diante de um cenário externo incerto, pode optar por manter ou aumentar a taxa de juros. Isso pode frear a atividade econômica, reduzindo investimentos e consumo, impactando negativamente o varejo, porque tudo ficará mais caro. Com o custo do crédito mais alto, o consumo tende a cair, o que desacelera o crescimento econômico e gera incertezas sobre a capacidade de manter um mercado de trabalho aquecido. Além disso, há incertezas sobre a política monetária futura, especialmente com a mudança na presidência do Banco Central, o que aumenta os riscos e as dúvidas sobre a condução econômica no curto e médio prazo.”
VANDYCK SILVEIRA, economista, CEO da Humaitá Digital e comentarista econômico da BM&C News. “A tendência da Selic é subir devido à pressão inflacionária, especialmente no setor de serviços, no qual já atingimos o teto da meta de inflação. As expectativas de inflação funcionam como uma ‘profecia autorrealizável’. Se as pessoas acreditam que haverá inflação, elas ajustam seu comportamento, como antecipar compras, o que eleva os preços. No Brasil, as expectativas inflacionárias estão desancoradas até 2027, refletindo a falta de confiança do mercado no Banco Central para manter a inflação dentro da meta. Isso afeta as taxas de juros de longo prazo, que são fundamentais para a economia, pois influenciam o consumo e os investimentos. Com taxas de juros elevadas, as pessoas tendem a poupar em vez de consumir, o que reduz a demanda e pode levar à queda dos preços. Além disso, sem investimentos, o país não cresce, e a baixa taxa de Formação Bruta de Capital no Brasil limita o crescimento do PIB sem gerar inflação. Além disso, as transferências de renda do governo, como o Bolsa Família e a valorização do salário mínimo, impactam grande parte da população. Mais de 111 milhões de brasileiros recebem algum tipo de benefício do governo, representando quase metade da população. Sem controle fiscal, não será possível reduzir as taxas de juros. E o governo precisa reconhecer a gravidade desse problema.”