BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Guiana vai às urnas nesta segunda-feira (1º) para eleger o presidente dos próximos cinco anos, repletos das promessas que só um crescimento explosivo de receitas originadas do petróleo pode dar a uma nação tão jovem, pouco desenvolvida e menor em população que muitas cidades brasileiras.
Diferentemente do último pleito, em 2020, desta vez há um raro terceiro candidato que pode complicar a disputa no país, acostumado à alternância entre dois partidos construídos sobre bases étnicas durante os quase 60 anos de independência.
Azruddin Mohamed, 38, é filho do magnata do garimpo de ouro Nazar Mohamed e criou há poucos meses a legenda Win (Nós Investimos na Nação, na sigla em inglês, que também significa vitória). Mohamed tem se tornado um alvo frequente da campanha do presidente Irfaan Ali, que busca a reeleição. Não há segundo turno.
Assim como o principal candidato da oposição, Aubrey Norton, Mohamed quer renegociar os contratos de exploração de petróleo assinados com a empresa americana Exxon Mobil em 2016, vistos como pouco vantajosos para a Guiana. O governo de Ali rejeita essa ideia, dizendo que seria uma quebra das regras do acordo, e também sob o argumento de que traria instabilidade para o nascente setor.
Há ainda um ponto importante em debate sobre o outsider: Mohamed foi sancionado em 2024 pelos Estados Unidos com base na Lei Magnitsky, a mesma usada contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
“De 2019 a 2023, a Mohameds Enterprise [o conglomerado da família] omitiu mais de 10 mil quilogramas de ouro em declarações de importação e exportação e evitou pagar mais de US$ 50 milhões em impostos ao governo da Guiana”, diz o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac) americano, que cita propinas pagas pelos Mohameds para falsificar documentos e facilitar carregamentos ilegais de ouro.
No mês passado, Mohamed afirmou à imprensa local que tem advogados trabalhando nos EUA e se disse “muito otimista” de que será retirado da lista de sanções do Ofac “para trabalhar conjuntamente com os EUA”.
Dias antes, a embaixadora americana na Guiana havia dito que Washington está “muito preocupado” com a possibilidade de que alguém sancionado, como Mohamed, seja eleito, ainda que para um cargo no Legislativo.
Bharrat Jagdeo, atual vice-presidente e ex-presidente, visto como um dos políticos mais poderosos e hábeis do país, questionou recentemente a falta de experiência do outsider, ressaltando que o novato não teria condições de defender o país na disputa com a vizinha Venezuela pela região de Essequibo, que corresponde a cerca de dois terços da Guiana e é reivindicada por Caracas.
Embora não existam pesquisas de intenções de voto internacionalmente confiáveis, comícios com mais participantes do que o esperado e o caráter de outsider de Mohamed podem fazer dele e de seu novo partido os fiéis da balança no país, mesmo que não obtenham margem tão expressiva de votos a ponto de elegê-lo presidente ou mesmo muitos parlamentares.
Isso porque o partido de Ali, o PPP/C (Partido Progressista do Povo/Cívico), mais identificado com a população de origem indiana, possui hoje uma maioria simples de 33 parlamentares na Assembleia Nacional, a única casa do Legislativo nacional do país, que conta com um total de 65 assentos.
Os guianeses também elegem a composição do Legislativo nesta segunda, com 25 deles escolhidos por voto direto nas 10 regiões do país e 40 por proporcionalidade de votos nos partidos, cujas listas precisam ter ao menos um terço de mulheres.
A principal aliança de oposição conta com 31 assentos, sendo 21 deles do principal partido opositor, o PNCR (Reforma do Congresso Nacional do Povo), sigla de Norton e mais identificado com a população afroguianesa. Basta o Win ganhar duas cadeiras e o PPP/C perder uma no cômputo final para a nova sigla ganhar relevância na composição de uma maioria para a oposição ou para garantir governabilidade em aliança com o governo.
A União Europeia e o Carter Center serão observadores do pleito. Em 2020, houve denúncias de manipulação da contagem de votos em 1 das 10 regiões, e uma recontagem virou o resultado final, tirando a vitória do PNCR e elegendo Ali.
O governo de Ali coincidiu com os primeiros anos de exploração do bloco petrolífero de Stabroek, uma operação das americanas Exxon Mobil e Chevron com a chinesa CNOOC. Ali expandiu programas sociais e de transferência de renda, algo que seus rivais prometem ampliar.
Além disso, tornou a educação superior gratuita e construiu escolas e hospitais; em 2022, o crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país foi cinco vezes maior que a média mundial.
A capital, Georgetown, tem sido povoada por guindastes que aceleram a construção de novas vias e edifícios após o aumento de 44% do PIB em 2024.
Pelo cinco anos de bonanças e promessas vindas do boom do petróleo, é esperado que Ali se eleja, ainda que corra o risco de governar sem maioria no Legislativo.
Essa explosão econômica, por outro lado, veio acompanhada de denúncias de corrupção e atraso de grandes obras de infraestrutura, com uma grande ponte sobre o rio Demerara cuja conclusão foi acelerada pelo governo para dá-la como completa nesta sexta-feira (29), antes do pleito, embora a estrutura não esteja ainda operacional.