BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O governo de Javier Milei decidiu atacar jornalistas que divulgaram os áudios revelando um suposto esquema de cobrança de propinas na compra de medicamentos e que beneficiaria a irmã do presidente, Karina.
Há duas semanas, o mundo político na Argentina foi abalado pela divulgação de áudios atribuídos ao então diretor da Andis (Agência Nacional para Pessoas com Deficiência) revelando uma suposta rede de corrupção da qual fariam parte Karina, que também é secretária-geral da Presidência, e seu assessor pessoal, Eduardo Lule Menem.
Sem apresentar uma explicação para o caso, que tem dominado o debate nacional, o Executivo decidiu investir na Justiça contra a divulgação de novos áudios.
Na segunda-feira (1º), um juiz federal acatou o pedido do governo e proibiu que meios de comunicação publiquem gravações feitas dentro da sede do Executivo. A decisão dele não inclui possíveis novos áudios do ex-diretor da Andis.
Um segundo pedido foi uma queixa-crime em que o governo afirma haver um complô para prejudicar A Liberdade Avança, grupo político de Milei, nas eleições da província de Buenos Aires, que acontecem no próximo domingo (7), e nas legislativas nacionais, que ocorrem em 26 de outubro.
Os pedidos foram feitos pelo Ministério da Segurança Pública, comandado por Patricia Bullrich. Velha conhecida dos argentinos -fez parte dos governos De La Rúa e Macri e tentou a Presidência em 2023-, ela é candidata ao Senado nas eleições nacionais de outubro.
Para justificar os pedidos, mas sem apresentar provas, a ministra disse na TV na noite de segunda-feira que há uma operação de inteligência de Rússia e Venezuela, além de ação de integrantes da AFA (federação argentina de futebol), no escândalo das gravações.
“Há algum tempo denunciamos a interferência de pessoas ligadas aos antigos serviços de inteligência russos e já vimos que isso poderia acontecer na campanha. Sabíamos que a Venezuela poderia ter uma influência, porque hoje eles estão se defendendo com ataques, como o avião que entrou na Argentina, ou sequestrando o agente de segurança Nahuel Gallo quando ele foi visitar sua família”, disse a ministra a um programa de rádio.
O documento pede que as autoridades realizem buscas nas casas dos jornalistas Jorge Rial (do canal C5N, que também divulgou gravações de Spagnuolo) e Mauro Federico (do streaming Carnaval), além do tesoureiro da AFA Pablo Toviggino -braço direito do presidente da entidade esportiva, Claudio Chiqui Tapia, e principal acionista do Carnaval.
A ministra também falou sobre o caso no canal A24, onde negou ter pedido para investigar os jornalistas. Eles, então, leram para ela o trecho do documento em que são solicitadas as batidas nas casas dos profissionais.
Depois, em uma outra entrevista, ao canal La Nación+, a ministra argumentou que trata-se de uma questão de Estado e que os alvos do pedido “não são jornalistas”, mas “operadores”. “Os jornalistas são estes que estão aqui [na emissora], os que verificam as informações com três fontes, não esses”, disse a funcionária de Milei ao afirmar que a divulgação dos áudios é uma tentativa de desestabilizar o governo.
A primeira reação do governo à crise foi destituir Diego Spagnuolo do comando da Andis. Ele teve de entregar seu celular e documentos às autoridades, juntamente com os sócios da empresa que estaria envolvida no esquema de propinas, a Drogaria Suizo Argentina.
Dias depois, o mesmo canal de streaming que havia divulgado os primeiros áudios de Spagnuolo publicou gravações que seriam da própria Karina e teriam sido feitas durante uma reunião de governo na Casa Rosada. Os jornalistas disseram que se tratava de um pequeno trecho de um áudio com quase uma hora de duração. Apesar de a voz que seria de Karina não falar sobre as denúncias de corrupção na Andis, a divulgação colocou o governo em estado de alerta.
Esta terça-feira (2), o procurador federal Carlos Stornelli pediu que a Justiça trate do segundo pedido do governo, de investigação da suposta espionagem ilegal, esclarecendo que ela não poderá violar a privacidade dos jornalistas ou suas casas. Ele também enfatizou que a investigação deve respeitar a proteção das fontes dos jornalistas, em conformidade com a Constituição.
Ainda nesta terça-feira, o canal de streaming uruguaio Dopamina divulgou um segundo áudio em que Karina falaria do presidente da Câmara dos Deputados, Martín Menem, e que teria sido gravado na Casa. “Martín é quem tem a informação. Você tem que estar abaixo de Martín. Eu respeito Martín como o chefe”, diz a voz na gravação, sem especificar o tema que ela estaria tratando.
“A cada novo passo fica clara a rede de espionagem ilegal da qual um grupo de jornalistas foi parte. Esses espiões se disfarçam de “jornalistas” e querem desviar a atenção dos temas importantes. Não estão acima da lei”, escreveu Milei no X, ao comentar uma publicação de Martín Menem, em que o parlamentar diz que o caso é uma tentativa de desestabilizar o governo.