Erik Momo, da ANR, sobre o metanol: “Se o poder público fiscalizasse, estaríamos mais seguros”

  • Presidente da associação propõe fiscalização tributária para quebrar a cadeia de produtos adulterados com metanol, por exemplo
  • Com três em cada quatro vínculos encerrados por ano, o setor enfrenta o desafio de reter mão de obra e modernizar relações de trabalho
Por Bruna Lencioni | Letícia Cassiano

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
O último balanço da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo contabilizou, até quarta-feira (15), 33 casos de intoxicação por consumo de bebida adulterada com metanol em todo o estado. O Ministério da Saúde divulgou nota também na quarta-feira: são 148 notificações no país, sendo 41 casos confirmados e 107 em investigação. O estado de São Paulo concentra 60,81% das notificações. Oito óbitos foram registrados. Para o recém-empossado presidente da Associação Nacional dos Restaurantes (ANR), Erik Momo, a solução não é fácil, é simples. “Se o poder público fizesse o que deveria, fiscalizar o que já está regulamentado, conseguiríamos operar com segurança”, afirmou.

Momo, que é sócio e CEO da rede paulistana 1900 Pizzeria, usa a seguinte lógica: se o estabelecimento vende bebidas alcoólicas compradas paralelamente, sem procedência, seria possível apurar o que está sendo transacionado com o que está sendo pago em impostos. “A Secretaria [Estadual] da Fazenda [e Planejamento] sabe quem compra e quem vende com nota”, disse. “[A empresa] Tem um CNAE [Classificação Nacional das Atividades Econômicas] de bar e não está vendendo bebida alcoólica?” Ele mesmo responde: “Esquisito”. Para Momo, o que falta é a cultura da fiscalização. “Se existisse cultura de fiscalização [na Fazenda] como acontece com a Vigilância Sanitária, quem compra sem procedência pensaria duas vezes.” Ao final da reportagem, a Secretaria responde às alegações de Momo.  

Os associados da ANR reúnem hoje mais de 12 mil pontos comerciais em todo o Brasil, entre restaurantes independentes, franquias e grandes redes de alimentação. Apesar do prejuízo afetar principalmente bares, os restaurantes também sentem a desconfiança do público com a carta de drinques. Segundo a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (FHORESP), desde que os casos de contaminação e mortes por metanol vieram à tona, o movimento em casas noturnas e bares caiu 30% enquanto o consumo de destilados sofreu redução de 50%.

RASTREAR – Nesta entrevista ao videocast DC NEWS TALKS, da agência de notícias DC News, o presidente da ANR diz que a adulteração de bebidas mostra a existência de um mercado paralelo com funcionamento em diferentes estados. “A distribuição precisa ser rastreada. O restaurante deve comprar mercadoria com nota fiscal direto dos distribuidores oficiais”, afirmou Momo. Evidentemente não se trata apenas de ação do poder público. O comerciante que compra o faz ou por má-fé ou por ser enganado, mas o fator para o risco está em buscar o preço menor. Conscientizamos o setor sobre a compra de produtos mais baratos, sem procedência. Mas o poder público precisa fazer sua parte”, afirmou.

Escolhas do Editor

Outro aspecto que vem à tona com a crise, segundo o presidente da ANR, é a cultura da impunidade e concorrência desleal, que contamina o setor. “A impressão é a de que se alguém faz isso despreocupadamente, é porque sabe que não será fiscalizado”, disse. Segundo a U.S. Food & Drug Administration (FDA), agência fiscalizadora dos Estados Unidos, a fraude alimentar afeta 1% da indústria alimentícia global, a um custo de cerca de US$ 10 bilhões a US$ 15 bilhões por ano.  

MÃO DE OBRA  Momo também cita um problema do varejo em geral e que afeta particularmente o setor de foodservice: a mão de obra. Dados da própria ANR mostram que três a cada quatro vínculos de trabalho em restaurantes são encerrados em até um ano. A entidade associa essa realidade com os dados de desemprego e informalidade. A taxa de desocupação no Brasil ficou em 5,8% no trimestre de abril a junho deste ano. Soma-se a isso, o aumento da informalidade, que atingiu 37,8% dos trabalhadores no mesmo período. Momo reconhece a baixa capacidade de retenção de mão de obra dos restaurantes. “Se eu perco funcionário para a informalidade, estou falhando como um fomentador do setor.”

Momo disse que as empresas estão se remodelando para atrair mão de obra, mas questiona se isso cabe no orçamento de todos os restaurantes. Ele cita como exemplo as escalas de trabalho e horários mais flexíveis que, no modelo trabalhista atual, encarecem a operação. “A CLT está antiquíssima. Tem coisas que fazem sentido e coisas que já não fazem mais. A sociedade mudou completamente”, afirmou. O posicionamento da associação é de trabalhar pela formalização do setor como um todo, do repasse das gorjetas às regulamentações que fomentem uma concorrência saudável.

OUTRO LADO Em resposta às afirmações de Erik Momo, a Secretaria Estadual da Fazenda e Planejamento afirmou, em nota, que atua nas fiscalizações tributárias.

Confira a nota completa:

“A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo informa que atua de forma permanente e estratégica na fiscalização do cumprimento das obrigações tributárias e na prevenção de fraudes fiscais em todas as etapas da cadeia de comercialização de mercadorias, incluindo bebidas alcoólicas.

A atuação fiscal é pautada por critérios técnicos e análises de risco, com base em dados provenientes das Notas Fiscais Eletrônicas (NF-e) e demais documentos fiscais digitais emitidos por contribuintes paulistas e de outros estados. Essas informações alimentam sistemas de monitoramento e inteligência fiscal que permitem identificar inconsistências, simulações de operações e omissões de receita, direcionando a ação dos auditores fiscais de maneira mais eficiente.

Cabe destacar que a Sefaz-SP possui competência legal para fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias, especialmente no que se refere ao recolhimento do ICMS. Já aspectos relacionados à regularidade sanitária, à qualidade dos produtos e às condições de comercialização são de atribuição de outros órgãos públicos, com as quais a Secretaria mantém cooperação em operações conjuntas quando há indícios de irregularidades.

Além disso, o Governo de São Paulo mantém força-tarefa intersetorial de enfrentamento à contaminação por metanol e está firmando parceria com entidades dos setores de bebidas e alimentação – incluindo restaurantes, bares, hotéis, eventos e supermercados – para aumentar a segurança sanitária e evitar novos casos.” Confira a entrevista.


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