ESPECIAL: 25 de Março – 160 anos. Como um imigrante do Líbano fez do próprio nome um clássico da 25

Uma image de notas de 20 reais
Cardápio guarda a essência do tempero árabe, mas com um toque brasileiro
(Divulgação)
  • Fundado em 1956 por Jacob Mauad, Jacob Cozinha Árabe virou referência na 25 de Março e chega à terceira geração no comando do negócio
  • Com duas unidades em operação, Rene, neto do fundador, mantém as receitas tradicional e adapta cardápio ao ritmo atual da cidade
Por Rececca Vettore

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
A 25 de Março é, há 160 anos, o território da mistura – e poucas histórias traduzem tão bem essa identidade quanto a de Jacob Mauad, libanês do norte do país que desembarcou em São Paulo em 1954 para recomeçar a vida. A decisão de deixar o Oriente Médio não foi apenas dele: sua esposa, Sultana Mauad, anteviu uma nova guerra que colocaria os filhos em risco e insistiu na partida. No Líbano, Jacob já comandava um restaurante e uma sorveteria concorridos; aqui, encontrou nas ladeiras do Centro um ambiente familiar. A região da 25, que desde as primeiras décadas do século 20 concentrava boa parte dos comerciantes sírio-libaneses da cidade, oferecia redes de conterrâneos, sotaques conhecidos e a mesma vocação para o trabalho duro. Começou do jeito que era possível – numa portinha, uma sobreloja na própria Rua 25 de Março, servindo esfihas, quibes e outras receitas que logo atraíram libaneses, sírios e armênios que habitavam o entorno.

O restaurante que Jacob inaugurou em 1956, já com o nome que o acompanharia pelas décadas seguintes, nasceu da rotina familiar que sustentou os primeiros anos da imigração. Sultana, que atravessou o oceano com os filhos pouco depois da chegada do marido, trabalhava diariamente ao seu lado. A clientela inicial era formada por libaneses, sírios e armênios que se reconheciam no tempero e no sotaque – um círculo de conterrâneos que ajudou a consolidar o negócio. Com o tempo, a 25 de Março se adensou, atraiu brasileiros de outros bairros e transformou o restaurante em ponto de convivência entre tradições distintas. Esse movimento colocou a casa em trajetória de expansão, com a abertura de outra unidade, no Paraíso. A continuidade do legado, no entanto, hoje está nas mãos do neto Rene Mauad, responsável por adaptar o legado do avô à dinâmica atual de São Paulo.

Ao assumir a casa na rua Comendador Abdo Schahin, paralela à 25 de Março, Rene Mauad passou a equilibrar duas forças: preservar o que tornou o Jacob uma referência e adaptar o restaurante à dinâmica da região. Ele manteve o cardápio tradicional e o nome do avô, mas ajustou o que precisava para dialogar com a clientela atual, como a inclusão de pratos brasileiros, a troca do carneiro pela carne bovina, mais acessível, e o sistema de bufê por quilo, uma mudança que, segundo ele, “meu avô jamais aceitaria”. As escolhas refletem o próprio modo de convivência da rua: no mesmo prato em que turistas e lojistas colocam cafta, charuto e quibe, entram também arroz, feijão e saladas, formando uma mistura que traduz tanto a história do restaurante quanto a da 25 contemporânea.

A permanência da casa também diz muito sobre a própria 25 de Março, que mudou de feição sem perder o fluxo que a sustenta. Nos últimos anos, galerias digitalizadas, pagamentos por QR Code, sacoleiros de outros estados, ambulantes regularizados e influenciadores que descem as ladeiras com o celular na mão passaram a dividir espaço com os lojistas tradicionais. Para Rene, essas transformações exigem atenção, mas não rompem o que sempre deu sentido ao restaurante: atender quem circula diariamente pelo Centro. Comerciantes, funcionários das lojas, turistas e moradores que buscam refeições rápidas no meio da pressa. “É muita gente diferente, de muitos lugares. A gente tenta agradar a todos sem perder quem somos”, disse. Essa convivência, entre o antigo e o novo, entre o pedido de quibe cru e o prato misturado do bufê, é o que mantém o Jacob como uma das referências afetivas e gastronômicas da região.

Antes de assumir o comando do restaurante, Rene seguiu um caminho que parecia distante da cozinha: formou-se em Direito e chegou a trabalhar com o pai, que também mantinha um pequeno negócio, mas logo percebeu que sua vocação estava mais perto da tradição familiar do que da vida jurídica. “Acho que a gente acaba adquirindo gosto por aquilo que vê desde sempre”, afirmou. O Centro, onde chega antes das oito todos os dias, é parte dessa história. Para ele, a região continua um dos lugares mais diversos e intensos da cidade – e é justamente essa circulação de gente, sotaques e rotinas que mantém vivo o espírito do restaurante fundado por Jacob há quase sete décadas, e faz do espaço o protagonista de hoje do Especial 25 de Março – 160 anos, produzido pela AGÊNCIA DC NEWS para contar as narrar as histórias e memórias da rua mais icônica do comércio popular de São Paulo.

Cinco perguntas para RENE MAUAD, à frente do Jacob

AGÊNCIA DC NEWS – Você pode falar sobre a história da sua família e como o restaurante foi fundado?
RENE MAUAD – Meu avô chegou ao Brasil vindo do Líbano, acompanhado de primos e outros parentes, fugindo de guerras e buscando melhores oportunidades. Ele abriu o primeiro restaurante da família em 1956, na região da 25 de Março. Esse restaurante meu avô manteve até 2003, ano que ele morreu. Como a minha tia não queria que essa marca morresse, ela sugeriu que a gente abrisse outro lugar, com o mesmo nome e as mesmas receitas.

AGÊNCIA DC NEWS – Por que o restaurante leva o nome do seu avô?
RENE MAUAD – Sim, foi batizado em homenagem ao meu avô. A unidade que eu administro hoje é, tecnicamente, uma empresa separada, mas mantivemos o cardápio e o nome dele. Ele era cozinheiro no Líbano antes de emigrar. Já tinha experiência na área e trabalhava como cozinheiro aqui antes de abrir seu próprio negócio.

AGÊNCIA DC NEWS – Que adaptações no cardápio foram necessárias ao longo do tempo?
RENE MAUAD – Sim, no Líbano usamos mais carne de carneiro, mas aqui optamos pela carne bovina, que é mais acessível. Também incluímos pratos brasileiros no cardápio, como arroz e feijão. Mas os temperos continuaram os mesmos porque temos uma variedade no Brasil que consegue nos atender.

AGÊNCIA DC NEWS – O que mudou no restaurante desde a fundação?
RENE MAUAD – As coisas mudaram muito. Hoje nós temos um restaurante por quilo, coisa que ele jamais aceitaria. Mas mantivemos o perfil mais comercial, o nome dele, o cardápio, as receitas, tanto quanto possível… Uma das filhas dele é sócia, e acreditamos que isto seja uma homenagem a ele.

AGÊNCIA DC NEWS – O que o Centro de São Paulo representa para você?
RENE MAUAD – Na minha opinião, não existe em São Paulo outro lugar que tenha tanta gente, de tantos lugares, de tanta mistura como o Centro. Eu sou suspeito para falar, venho aqui todo dia, é um lugar que eu gosto muito. Muita gente não gosta da bagunça, da movimentação, mas até por causa disso é um ótimo lugar para trabalhar.

Voltar ao topo