ESPECIAL: 25 de MARÇO – 160 ANOS. Da aldeia Tibiriçá ao berço do hip-hop, a São Bento sustenta o Centro pelo subsolo

Uma image de notas de 20 reais
Movimento na estação supera 60 mil passageiros por dia em época de alta sazonalidade na 25
(Breno di Polto/ Divulgação
  • São Bento adapta operação, reforça equipes e se prepara pareceber até 61 mil por dia com a alta demanda da 25 de Março no período natalino
  • Demanda pelo transporte deve aumentar nos próximos anos com a implementação da Linha Celeste, que terá conexão com a São Bento
Por Bruno Cirillo | Paula Cristina

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Integrando o Especial 25 de Março – 160 anos, o personagem desta reportagem coleciona bem menos décadas de existência em sua forma atual que a rua mais famosa do comércio popular brasileiro, mas sua história começa muito antes dela. Erguido sobre a antiga aldeia de Tibiriçá e vizinho do mosteiro que ajudou a fundar a cidade, atravessou séculos de ocupação, religiosidade, comércio e migração – recebeu árabes, chineses e tantos outros povos que transformaram o centro em encruzilhada. Nos anos 1980, virou laboratório do hip-hop paulista; hoje, ele respira o ritmo de dezenas de milhares de transeuntes, turistas domésticos e estrangeiros que descem para a 25 de Março. É um organismo subterrâneo que sustenta o centro por baixo, segurando o movimento enquanto a superfície muda. E ainda prepara caminhos para ir mais longe nos próximos anos. Não há como dissecar a 25 de Março sem falar da Estação São Bento.

Para entender o que se passa no subsolo, a reportagem da AGÊNCIA DC NEWS acompanhou Conrado Silva, 39, supervisor da estação e uma espécie de guardião do fluxo que alimenta a 25 de Março todos os dias. É ele quem administra equipes, prevê gargalos, aciona trens vazios quando a multidão aperta e tenta evitar que idosos carregados de sacolas se machuquem nas escadas rolantes. “Aqui o pico sempre cresce quando a cidade diminui. No Natal, somos a exceção da rede”, disse. Os números confirmam. Segundo o Metrô de São Paulo, este ano, a São Bento registrou média de 38,8 mil entradas por dia, com picos acima de 51 mil passageiros; em dezembro de 2024, mês de maior pressão do comércio popular, a média saltou para 42,2 mil, e o pico chegou a 61,3 mil pessoas – praticamente um campo de futebol inteiro descendo para o mesmo ponto do centro histórico.

A engrenagem que mantém esse subterrâneo funcionando muda de marcha conforme a época. Conrado afirmou que, nos fins de semana, especialmente aos sábados, quando quase 100% dos passageiros têm como destino exclusivo a 25 de Março, a operação segue um protocolo próprio: reforço de funcionários na plataforma, triplo de seguranças nas horas de maior pressão e bloqueios temporários que transformam o acesso da Ladeira Porto Geral em porta de entrada única, evitando o choque entre quem sobe e quem desce. Nos dias mais críticos, trens vazios ficam posicionados entre Tiradentes e Luz, prontos para serem acionados se o fluxo transbordar. A equipe monitora escadas rolantes e pontos de risco, porque a maior parte dos acidentes envolve idosos carregados de sacolas, cenário que se multiplica em datas festivas. “A meta é ter no máximo três acidentes no mês. Nesta época, pode bater dez”, diz. São cinco acessos, cada um com um comportamento próprio, que ele e a equipe aprendem a ler como se fossem bairros dentro da mesma estação.

Escolhas do Editor

Essa mecânica subterrânea também convive com o dinamismo da rua. A São Bento se ajusta aos eventos da 25 de Março (que vai desde o Ano Novo Chinês às campanhas sazonais) e responde às demandas da Univinco e de lojistas que pedem extensão de horário ou abertura extraordinária do acesso da Ladeira Porto Geral. Em dezembro, por exemplo, o fechamento aos sábados se estende das 16h para as 18h. No total, são 15 seguranças mobilizados na operação de fim de ano, além da ampliação de funcionários de apoio. “A relação é muito próxima, porque o público deles é o nosso público”, disse o supervisor.

A estação também se prepara para o futuro. A expansão da rede metroviária, com a futura Linha 19-Celeste, deve reconfigurar conexões e aumentar ainda mais a pressão de circulação no centro. O Metrô já projeta reforços de infraestrutura e mudanças operacionais para absorver novos fluxos. Para Conrado, isso significa mais planejamento e uma operação ainda mais sensível à sazonalidade da 25. “A estação tem que crescer para acompanhar a rua”, afirma. Enquanto a 25 atrai turistas, compradores e comerciantes de todas as regiões, a São Bento funcionará, cada vez mais, como a porta de entrada subterrânea do maior polo de comércio popular do país.

Com 17,6 km e 15 estações em sua fase inicial, a Linha 19 ligará Guarulhos ao centro da capital paulista e terá uma demanda de cerca de 630 mil pessoas por dia. As obras que envolvem 15 estações entre Guarulhos e o Anhangabaú foram divididas em três lotes, e o certame aconteceu em setembro.  O Lote 3, onde está a Estação São Bento, é considerado o mais delicado. Isso porque o trecho terá cerca de 6,6 km dos quais 5,9 km serão escavados por uma tuneladora, que partirá de Vila Maria em direção ao centro velho. Segundo a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) a grande complexidade construtiva se dá pelas “características geológicas, importância urbana e por estar rodeada de edifícios tombados”. A estimativa é de investimento na casa dos R$ 6,8 bilhões apenas nesse lote e as propostas das empresas interessadas já foram enviadas. O governo do estado tem até 3 meses para habilitar o vencedor. O objetivo é que a linha esteja pronta 75 meses após o início das obras.

LONGO PERCURSO –  A história da São Bento começa muito antes do metrô existir. O nome vem do Mosteiro de São Bento, fundado em 1598 no terreno que anteriormente abrigou a taba do cacique Tibiriçá, uma das aldeias que formaram o núcleo original da cidade. Ali, no alto do Largo, século após século, São Paulo se montou: a presença indígena, a chegada dos beneditinos, o avanço do comércio, a urbanização acelerada e a transformação do centro num ponto de encontro de mercadores árabes, chineses e migrantes de todo canto. A estação só surgiria quase quatro séculos depois, em 26 de setembro de 1975, no governo Laudo Natel, como parte da expansão da Linha 1–Azul, marco da modernização do transporte paulistano e de uma virada urbana que redefiniu a relação do paulistano com o subsolo do centro histórico.

A chegada da estação criou uma nova lógica de circulação no coração da cidade. Enterrada sob a Rua Boa Vista e integrada ao tecido do comércio popular, a São Bento passou a operar como uma engrenagem invisível que sustenta o centro por baixo, conectando trabalhadores, estudantes, turistas e sacoleiros com a 25 de Março. Era o auge do avanço metroviário no estado, quando São Paulo apostava no transporte de massa como eixo de reorganização urbana — e, naquele momento, abrir uma estação no centro não era apenas um ato de mobilidade, mas um gesto de reequilíbrio da cidade. A São Bento se consolidou como ponto estratégico: o lugar onde chegam os ônibus do interior, os visitantes de outros estados, os estrangeiros que querem conhecer a 25, além das dezenas de milhares de paulistanos que usam o centro como ponte entre casa e trabalho.

Foi nos anos 1980, no entanto, que a São Bento ganhou uma camada cultural definitiva. Centenas de jovens negros, vindos das periferias, passaram a ocupar o pátio externo e o entorno da estação com passos de break, batidas improvisadas e rodas de rap. Grupos como Back Spin, Nação Zulu, Dynamic Bronx, Jabaquara Breakers, Crazy Crew e tantos outros transformaram o Largo São Bento em berço do hip-hop brasileiro, criando linguagem, coreografias e identidade própria num espaço que até então servia apenas de passagem. Em 1984, o movimento se consolidou ali — a estação virou pista, palco e laboratório. O centro, historicamente restritivo, foi reocupado por corpos negros que dançavam, rimavam e reinventavam a cidade. Foi nas imediações da estação, inclusive, que os primeiros muros pintados pelos Gêmeos foram desenhados.  A São Bento não testemunhou a cena: ela foi parte dela — uma caixa de ressonância subterrânea onde nasciam gestos, sons e narrativas que mudariam (e moldariam) a cultura urbana paulistana.

Bate-papo com CONRADO SILVA,
supervisor da Estação São Bento

Supervisor da Estação São Bento, Conrado narra os desafios para lidar com o fluxo de passageiros
(Andre Lessa/Agência DC News)

AGÊNCIA DC NEWS – O que mais diferencia a São Bento das outras estações do Metrô?
CONRADO SILVA – A estação acompanha o ritmo da 25 de Março, então temos uma tratativa específica: mais funcionários, mais segurança e até reforço com trens vazios quando necessário.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual é o maior desafio operacional nessa época do ano?
CONRADO SILVA – Evitar acidentes. Nessa época, muita gente chega carregada de sacolas, principalmente idosos, e isso aumenta o risco nas escadas fixas e rolantes. Nossa meta é ter no máximo três acidentes por mês, mas em dezembro pode chegar a oito, dez ou até mais. Por isso colocamos funcionários em pontos estratégicos, orientando e controlando o fluxo.

AGÊNCIA DC NEWS – E como é lidar com o público que vem de fora de São Paulo?
CONRADO SILVA – Tem muita gente de outros estados que vem só para conhecer a 25. E muitos chegam aqui pela primeira vez, sem referência nenhuma. É comum pedirem informação, ajuda para se localizar… eles vêm com famílias, crianças, malas. E isso mexe com a operação: exige mais orientação e atenção redobrada da equipe.

AGÊNCIA DC NEWS – Quais pedidos especiais costumam vir dos lojistas e da Univinco?
CONRADO SILVA – Eles pedem bastante extensão de horário e abertura extraordinária do acesso da Ladeira Porto Geral. Um exemplo foi no Ano Novo Chinês: normalmente não abrimos o acesso aos domingos, mas abrimos só para atender ao evento. A relação é próxima, porque o público deles é o nosso.

AGÊNCIA DC NEWS – O que você considera sua maior responsabilidade dentro da estação?
CONRADO SILVA – Garantir que tudo funcione para que ninguém se machuque. O passageiro vê só o embarque e a escada, mas por trás tem interface com obra, com segurança, com tráfego, com as áreas externas. Às vezes parece excesso de cuidado, mas é prevenção — cada orientação evita um problema lá na frente.

AGÊNCIA DC NEWS – Depois de tantos anos, o que ainda te chama atenção na São Bento?
CONRADO SILVA – O fluxo da 25 transforma a estação. Ver como muda no final de ano, ver famílias inteiras voltando com sacolas, ver gente do Brasil inteiro passando por aqui… A São Bento mostra a cidade em movimento. E a gente participa disso todos os dias.

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