ESPECIAL: 25 DE MARÇO - 160 ANOS. Oliveira, pesquisador: "A rua é o termômetro da economia do país”
"A 25 ainda fala todas as línguas e vende tudo para todos”
(Andre Lessa / Agência DC News)
Autor do livro que conta a história da 25 faz um alerta: se o poder público não cuidar, a via pode perder seu caráter histórico
Perfil de distribuidor nacional de itens permanece, mesmo na era digital, e ganha novos contornos e facetas com implementação de tecnologia
Por Nathalia LinoCompartilhe:
[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS] Depois de 160 anos como vitrine do comércio popular, a Rua 25 de Março vive um novo ciclo. A digitalização chegou às galerias, lojistas testam pagamentos por QR Code e as excursões de sacoleiros agora dividem espaço com influenciadores e compradores virtuais. É a 25 aprendendo a viver entre o grito da pechincha e o clique da venda online. Nos próximos anos, o maior centro comercial da América Latina deve se consolidar como um marketplace físico-digital híbrido, mantendo o DNA popular e incorporando novas tecnologias. O turismo de experiência – com roteiros culturais e gastronômicos – desponta como tendência, somando-se ao comércio tradicional. Quem faz as apostas é o pesquisador Lineu Francisco de Oliveira, especialista na história da rua. “A 25 continuará sendo o termômetro da economia popular, agora mediada pela tecnologia”. Mas a modernização traz também um alerta: sem políticas de preservação e atuação do poder público, a rua pode perder a identidade popular, ser sufocada por franquias e especulação imobiliária. Manter vivas suas memórias, sua diversidade e seu caos criativo será o maior desafio da rua que ensinou o Brasil a negociar.
Para desvendar as curiosidades e características que fazem da rua essa potência comercial, Oliveira, autor do livro Mascates e Sacoleiros: empreendedores que construíram uma região (2010), falou à reportagem no Especial ‘25 de Março – 160 anos’, série da Agência DC News sobre as transformações e o papel econômico e simbólico da rua mais popular do país. Um dos principais estudiosos da região, Oliveira é pesquisador da Prefeitura de São Paulo. Foi ele quem identificou, em atas da Câmara Municipal de 1865, o documento que deu origem ao nome da via. Para Oliveira, a 25 de Março cumpre há décadas a função de hub de distribuição, ponto de chegada e partida de produtos que abastecem o varejo em todo o país. “A 25 de Março cumpre a função de um hub de distribuição”, afirmou. “Muitas mercadorias importadas ou produzidas em outras regiões chegam para serem revendidas ou distribuídas em redes menores.”
A vocação comercial da rua 25 de Março tem raízes na chegada dos sírio-libaneses ao final do século 19, quando São Paulo se consolidava como o principal polo urbano em expansão. “O aluguel era barato, a infraestrutura era precária, mas suficiente para abrir pequenas vendas e armazéns”, disse o pesquisador. De acordo com a União dos Lojistas da Rua 25 de Março e Adjacências (Univinco), todos os imóveis da região pertencem hoje a famílias sírio-libanesas, enquanto 53% do comércio ativo está hoje nas mãos de comerciantes asiáticos. Para Oliveira, a presença chinesa é resultado direto da globalização dos anos 1990, período de “câmbio favorável e expansão do comércio informal”. A escolha pela 25 foi estratégica: ela “oferecia infraestrutura pronta, rede de confiança e práticas informais semelhantes às dos clãs chineses e das pequenas empresas familiares”. Com o tempo, a região se diversificou – dos armarinhos e tecidos do passado aos eletrônicos, bijuterias e brinquedos de hoje. Segundo a Univinco, o endereço atrai 200 mil pessoas por dia, chegando a 1 milhão em datas festivas, e faturou R$ 13,5 bilhões em 2024, reforçando seu papel como motor da economia popular.
AGÊNCIA DC NEWS – Como você enxerga a 25 de Março em 20 anos? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Acredito muito na região devido a toda sua transformação e fixação como um marco social. Nos próximos 20 anos, a 25 de Março deve se consolidar como um grande marketplace físico-digital híbrido, mantendo seu DNA popular, porém incorporando pagamentos digitais e QR Codes nas lojas. É esperado aumentar a integração com o e-commerce, ou seja, aumentar o número de lojistas que hoje já vendem tanto na rua quanto em plataformas virtuais.
AGÊNCIA DC NEWS – O que seria fundamental nesse momento? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – É fundamental disponibilizar, bem como fazer uso de dados abertos e vigilância inteligente, integrando programas como Smart Sampa ou Cidade Conectada. Desenvolver o turismo de experiência com as visitas à 25, que se tornarão um roteiro cultural e gastronômico. A rua continuará sendo o termômetro da economia popular, mas agora mediada pela tecnologia. Mas devemos fazer um alerta: se não houver políticas de preservação da identidade popular, a 25 pode sofrer o mesmo destino de outras áreas centrais em metrópoles pelo mundo afora.
AGÊNCIA DC NEWS – Pode exemplificar? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – É preciso aprender com projetos implantados em cidades, como o projeto Lojas com História, implantado na cidade de Lisboa em Portugal. Pode haver uma intensificação da especulação imobiliária e, com isso, ocorrer a substituição do comércio tradicional por franquias e “boutiques populares”. Pode ocorrer a expulsão de lojistas antigos e dos ambulantes, descaracterizando a identidade e o DNA construído. Pode perder a característica do caos criativo que sempre se reinventa e que, apesar de alguns tombos, se levanta.
AGÊNCIA DC NEWS – E a rua também tem seu papel turístico… LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Sim, também é uma atração para o turismo comercial atraindo consumidores de outras regiões, especialmente quem busca compras de variedade e preços baixos. A visibilidade que tem reforça a imagem comercial de São Paulo e isso cria um efeito de vitrine, que repercute no comércio de outras áreas da cidade e no comércio digital.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual o papel dela para a economia de São Paulo? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – A 25 de Março é reconhecida como um dos maiores centros comerciais da América Latina. Ela atua como ponto de abastecimento para lojistas de diversas partes da cidade e do país, que compram produtos em volume mais baixo e, depois, revendem localmente. Com isso, a região é um local de geração de emprego e informalidade. A 25 de Março emprega, direta e indiretamente, milhares de pessoas.
AGÊNCIA DC NEWS – O que reforça a ideia da 25 de Março como um polo comercial? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Sim, isso faz da rua uma espécie de “mini centro atacadista informal”, comparável a um entreposto logístico popular. Na década de 1990, com a abertura econômica e a chegada de produtos chineses e paraguaios, os sacoleiros passaram a distribuir essas mercadorias por todo o país. Eles viabilizaram a difusão de produtos importados de baixo custo antes que grandes redes ou marketplaces existissem.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual a importância dos sacoleiros para a 25? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Os sacoleiros, que ficaram conhecidos com esse nome devido às sacolas de compras onde eles transportam as mercadorias dentro de ônibus ou vans fretadas, surgiram como figura típica do comércio informal a partir das décadas de 1960 e 1970 e se consolidaram nos anos 1980 e 1990, junto com a transformação econômica no país. Eles foram e ainda são importantes para a região da rua 25 de Março, pois compram em grande quantidade, mesmo sem ter CNPJ ou inscrição formal, movimentando enormes volumes de mercadorias.
AGÊNCIA DC NEWS – Então os sacoleiros têm um impacto econômico e social? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Sim. No aspecto econômico, a presença dos sacoleiros promove a geração de fluxo constante de capital, garantindo a sustentação do varejo e do atacado local. No aspecto social, possibilitaram a inclusão produtiva de grupos de baixa renda, bem como de mulheres e migrantes que estavam em busca de uma atividade para sobreviver.
AGÊNCIA DC NEWS – Isso se mantém até hoje? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Sim. Na verdade essa é a essencia da 25 de Março. Os sacoleiros são apenas um meio. A via mantém até hoje um papel de redistribuição regional e cadeia de abastecimento. A 25 de Março cumpre desde sua origem a função de hub de distribuição, onde muitas mercadorias importadas ou produzidas de outras regiões chegam lá para serem revendidas ou distribuídas em redes menores. Ela funciona como conexão entre produção nacional e importada ao consumo de massa – produtos importados, de fornecedores menores ou novas mercadorias “de moda” podem ser introduzidas mais rapidamente ali.
AGÊNCIA DC NEWS – Em qual momento essa vocação da rua ganha a dimensão que tem hoje para o abastecimento? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Com a sedimentação de sua origem e identidade comercial, caracterizada pela comunidade árabe, o comércio atacadista nacional [entre as décadas 1960 e 1990] teve um novo momento que possibilitou uma nova força comercial. Com o crescimento de São Paulo e a industrialização do ABC e Zona Leste, a 25 se tornou ponto de abastecimento para lojistas de todo o país.
AGÊNCIA DC NEWS – Como assim? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – A partir dos anos 1970, o comércio se diversifica para bijuterias, brinquedos, papelaria, utilidades e eletrônicos. A partir da década de 1990, com a globalização e a chegada dos chineses e coreanos, o comércio ganha uma nova fase de internacionalização: os chineses trouxeram cadeias de importação diretas, conectando a 25 de Março ao Porto de Santos e à China via atacado.
AGÊNCIA DC NEWS – E a 25 se adaptou à presença deles? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Sim, oferecendo preços de atacado para quem comprava acima de um certo valor. Em períodos de pico [como Natal e Dia das Mães], ônibus de excursões de sacoleiros chegam de vários estados, enchendo as galerias desde a madrugada. A região da 25 de Março não é só um ponto de venda local, ela abastece o Brasil inteiro através dos sacoleiros. Cidades do interior paulista, do Paraná, Minas, Mato Grosso, Goiás e até do Norte/Nordeste têm lojas de bairro que dependem das compras dos sacoleiros em São Paulo.
AGÊNCIA DC NEWS – Falando dos perfis que estão na 25 de Março, como você enxerga a atividade informal? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – O comércio popular e a atividade informal, como camelôs e barracas temporárias, são parte do ecossistema comercial da rua, possibilitando a entrada de pequenos empreendedores. Esse “modo flexível” de comércio permite que diversas classes sociais participem da cadeia comercial, inclusive inserindo renda para quem tem recursos escassos de capital inicial.
AGÊNCIA DC NEWS – A rua ainda tem uma presença muito forte dos sírio-libaneses e dos chineses. Como eles foram parar na 25? E por que escolheram o local para o comércio? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Tanto os sírio-libaneses no fim do século 19 e início do 20 quanto os chineses a partir da década de 1990 escolheram, ou foram atraídos, pela 25 de Março por razões de oportunidade comercial, baixo custo de entrada e posição estratégica na malha urbana de São Paulo.
AGÊNCIA DC NEWS – Como foi no final do século 19? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Quando analisamos o ciclo sírio-libanês, podemos atribuí-los como os fundadores da vocação comercial da 25 de Março. No contexto histórico, eles chegaram principalmente do atual Líbano e Síria [então parte do Império Otomano], fugindo de crises políticas, guerras e pobreza. No Brasil, São Paulo era o principal polo urbano em expansão. Muitos desses imigrantes chegaram com poucos recursos e começaram como mascates [vendedores ambulantes]. Escolheram a 25 de Março devido à proximidade do porto fluvial do Tamanduateí, ótimo para abastecer e vender. Existia ainda o fato do aluguel barato e pouca infraestrutura, o que permitia abrir pequenas vendas ou armazéns. Com isso, surgiu uma concentração de parentes criando uma relação de confiança, onde um árabe chamava outro, criando uma colônia comercial densa, que formou o “DNA” da 25 de Março.
AGÊNCIA DC NEWS – Qual a consequência disso? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – A consequência foi que as famílias sírio-libanesas institucionalizaram o comércio popular: abriram lojas, criaram crédito próprio, difundiram o parcelamento e a negociação pessoal. Já entre os anos de 1930 e 1960, o eixo sírio-libanês dominava os setores de tecidos, bijuterias, armarinhos e importações leves, um modelo que estruturou a economia popular urbana de São Paulo.
AGÊNCIA DC NEWS – Como os árabes conquistaram tanto espaço? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Desde seu início, o papel dos árabes era trazer mercadorias para os estrangeiros que vieram para o Brasil em busca de oportunidades longe de conflitos e na busca por dias melhores. Com isso, a região era o local onde “matavam a saudade” e encontravam produtos dos seus países de origem.
AGÊNCIA DC NEWS – E os chineses? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Quando analisamos o ciclo chinês notamos uma nova força a partir dos anos 1990. A partir da abertura econômica da China, o país se tornou o grande exportador global de produtos de baixo custo. No Brasil, a década de 1990 trouxe globalização, câmbio favorável e comércio informal expandido. As primeiras famílias chinesas chegaram a São Paulo vindas do interior da China e também via Paraguai, onde já atuavam no comércio importador.
AGÊNCIA DC NEWS – Por que escolheram a 25? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Os chineses devem ter escolhido a 25 de Março porque era um local com uma infraestrutura comercial pronta. O “ecossistema” da 25 já existia – armazéns, atacado, transporte e clientela. Havia ainda uma rede de confiança e informalidade parecida com as práticas chinesas de clãs e pequenas empresas familiares. E tinha um aluguel competitivo e altíssimo fluxo de pedestres, ideal para quem dependia de volume de vendas.
AGÊNCIA DC NEWS – O que mudou com a chegada dos chineses? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – O local sofreu uma transformação na linha de produtos, pois os chineses passaram a dominar segmentos de eletrônicos, utilidades, bijuterias e brinquedos. Alguns abriram empresas de importação e distribuição, conectando diretamente o Porto de Santos às lojas da 25. A região se tornou uma espécie de “mini hub sino-brasileiro”, com forte impacto no comércio nacional. Juntas, essas duas comunidades criaram a espinha dorsal da economia popular de São Paulo. A 25 de Março continua sendo símbolo de mobilidade social, onde novos migrantes, árabes no passado, chineses e outras etnias hoje, constroem riqueza e rede social a partir do comércio
AGÊNCIA DC NEWS – Trazendo do macro para o micro. Como a história da rua 25 de Março se mistura com a sua? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – A minha mãe complementava renda costurando cortinas e roupas, com tecidos comprados na 25. Ela também fabricava as bonecas dorminhocas que faziam parte do enxoval das noivas da época, ou eram usadas para enfeitar as camas das meninas. A boneca dorminhoca era vendida pela loja Rainha das Bonecas, da mãe do empresário Miguel Giorgi Jr., fundadora da loja A Gaivota [no número 641], da 25.
AGÊNCIA DC NEWS – Em qual momento você se tornou um estudioso da 25? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Durante um processo seletivo de mestrado apresentei um projeto com objeto de estudo em ONGs. No meio do caminho, o destino me conduziu a participar do projeto da Central de Monitoramento da GCM, inaugurado em 31 de julho de 2006. Foi o embrião do atual Smart Sampa. Quando uma das câmeras precisou ser instalada na esquina da Boa Vista com a ladeira Porto Geral, um grupo de pessoas questionou os técnicos instaladores, demonstrando não aprovarem. Comentei esse fato com meu orientador do mestrado, que identificou a chance de identificar o que leva uma rua a ser a protagonista de uma região. A 25 criou a identidade de uma área com várias ruas.
AGÊNCIA DC NEWS – Durante todos esses anos, qual foi a maior curiosidade que você descobriu sobre a rua? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Achei curioso o fato de o atual Parque São Jorge, onde fica o Corinthians Paulista, ter como dono anterior os árabes. Eles usaram a mesma estratégia de comprar terrenos longe da área urbana por ser barato, como foi o caso da região da 25 de Março. Nela, os árabes escolheram investir justamente por ter baixo valor monetário. O atual local do clube Parque São Jorge, à beira do rio Tietê, ainda semirrural na época, foi onde os imigrantes buscavam criar um espaço de convivência social e esportiva, mas também de afirmação comunitária e prestígio em uma cidade onde a colônia árabe crescia rapidamente em importância econômica.
AGÊNCIA DC NEWS – Falando no rio Tietê, houve grandes enchentes na história da rua. O que essas tragédias significaram para a 25? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Sem as enchentes, talvez a 25 de Março nunca tivesse sido reurbanizada e chamado a atenção das autoridades para iniciar um projeto de ação pública. Chuvas fortes e uma grande enchente em 1850, que causaram problemas no dia a dia da cidade, justificaram o projeto de reurbanização da região. As enchentes não afetaram somente a 25 de Março, mas toda a várzea do Tamanduateí. O rio corria a céu aberto, alagando toda a várzea, que ficava sujeita a enchentes regulares, transbordando com facilidade durante as cheias do verão. Esses eventos chamaram atenção e iniciaram estudos e obras de retificação e canalização parcial do Tamanduateí, que se estenderiam por décadas.
AGÊNCIA DC NEWS – As enchentes foram, então, de relevância política? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Em 1865, culminou com a aprovação da mudança de nome para 25 de Março, já com intenções de urbanização. As enchentes foram o gatilho político e técnico que mostrou a necessidade de civilizar e modernizar a várzea. Porém, na década de 1960, mesmo com a região já urbanizada e o rio canalizado, a natureza mostrou que lugar de várzea e de rio tem dono.
AGÊNCIA DC NEWS – Como? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – A força dos eventos climáticos e naturais se apresentou novamente e, em 1966, aconteceu outra grande enchente, inundando todo o Centro Histórico e paralisando o comércio da região da 25 de Março. Esse evento fez com que os comerciantes abaixassem os preços dos produtos molhados, e o tino comercial criou uma oportunidade de atração de público. A cada chuva, esses comerciantes vendiam os produtos mais baratos: os “salvados da enchente”. Essa estratégia comercial foi outro marco na criação de uma consciência de que na região era possível encontrar produtos mais baratos.
AGÊNCIA DC NEWS – Quando você percebeu que a 25 de Março deixou de ser apenas uma rua de comércio para se tornar um símbolo de algo maior para São Paulo ou para o Brasil? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Essa é uma pergunta que toca o núcleo simbólico da 25 de Março, mais do que seu papel econômico. Construir um imaginário e uma identidade não ocorre em um único momento; é uma construção de eventos e fatos sociais que vão moldando uma personalidade. Faço uma correlação com uma pessoa de carne e osso: uma personalidade não nasce com a pessoa, mas as vivências sociais e as experiências às quais é submetida no dia a dia criam uma “casca”. Uma personalidade. O mesmo ocorreu com a região da 25 de Março, onde podemos dizer que ela deixou de ser apenas uma rua comercial e se tornou um emblema nacional construído em três momentos distintos.
AGÊNCIA DC NEWS – Então, assim como uma pessoa, são fases distintas que marcam a 25? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Exato. No primeiro momento podemos caracterizar como a transformação da várzea no símbolo da modernização. Depois da grande enchente e da necessidade de canalização do rio Tamanduateí, podemos dizer que a rua literalmente renasceu do barro. Ela passou a representar a capacidade de desenvolvimento e modernização urbana de domar a natureza e construir uma metrópole moderna.
AGÊNCIA DC NEWS – Como foi depois da modernização? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Após a urbanização e a transformação por um projeto de ação humana descaracterizando a natureza, o batismo, homenageando a primeira Constituição do Brasil, também lhe deu uma dimensão cívica, ligando o local e o espaço físico a um imaginário de nação e cidadania. Devido ao grande projeto de reurbanização e às mudanças das características naturais por meio de obras e construções efetuadas pelo homem para adaptar uma região, a rua, além da característica comercial, passou a carregar o peso simbólico de uma São Paulo moderna e inovadora.
AGÊNCIA DC NEWS – E o segundo momento? LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Podemos caracterizar como a era dos imigrantes, de 1900 até meados de 1950: o surgimento da rua popular. A chegada de sírios e libaneses transformou a rua em um laboratório de empreendedorismo, onde novidades demonstraram o tino comercial dos imigrantes.
AGÊNCIA DC NEWS – E por fim a globalização e a democratização do consumo. LINEU FRANCISCO DE OLIVEIRA – Isso. O terceiro momento foi o da democratização do consumo, de 1970 até os dias atuais, caracterizado pelas crises econômicas intensificando a expansão dos sacoleiros, a chegada dos chineses e do comércio popular globalizado. Nesse período, a 25 de Março se tornou o espelho da economia brasileira informal e criativa: o acesso democrático ao consumo, onde todos compram e de todas as classes. Criou-se a identidade cultural de São Paulo como metrópole diversa, mestiça e empreendedora. Uma região conhecida como 25 de Março, que fala todas as línguas e vende tudo para todos, a síntese viva da globalização brasileira, conseguiu transcender o espaço físico, tornando-se a ideia de um Brasil que, apesar das crises, se reinventa pelo comércio.
Segundo a Univinco, todos os imóveis da rua são dos árabes, mas 53% das lojas são de chineses (Mastrangelo Reino/Agência DC News)