Fernando Pimentel, superintendente da Abit: "Acabar com a 'taxa das blusinhas' é crime de lesa-pátria"

Uma image de notas de 20 reais
Fernando Pimentel: "Objetivo do imposto é diminuir as desigualdades concorrenciais"
(Abit/Divulgação)
  • Ele afirma que a indústria não é contra importações, mas quer isonomia. "Liberdade econômica pressupõe igualdade tributária"
  • Entidade propõe sistema de cashback para produtos nacionais. E diz que juros travam investimentos e deixam a produtividade estagnada
Por Vitor Nuzzi

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Implementada em agosto do ano passado, pela Lei 14.902, a chamada taxa da blusinhas voltou ao centro do debate na Câmara. O Projeto de Lei 3.261/2025, do deputado Kim Kataguiri (União-SP), propõe a volta da isenção do Imposto de Importação para compras de até US$ 50 – que passaram a ser taxadas em 20%. Duas semanas atrás, a Comissão de Finanças e Tributação promoveu audiência pública para discutir o projeto, que tramita em três colegiados. Um dos participantes foi o diretor superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel. Ele afirmou que o setor não quer proteção, mas isonomia. Repetiu algumas vezes aos parlamentares: “Liberdade econômica pressupõe igualdade tributária”.

O efeito da lei, até agora, foi mais no sentido de reduzir assimetrias e amenizar um desequilíbrio competitivo, segundo a Abit. De acordo com a entidade, as vendas via plataformas se estabilizaram após a taxação. Retomar a isenção equivale, para Pimentel, a um crime de lesa-pátria. Diante dessa possibilidade, a associação propôs um sistema de cashback para produtos fabricados e vendidos aqui, e que custem o equivalente a US$ 50 em reais.

Na entrevista a seguir, Pimentel fala – além da taxa das blusinhas –sobre a situação do setor e da economia brasileira. Ele afirma que a taxa de juros trava investimentos, que são essenciais para o crescimento da produtividade. Na abertura do 10º Congresso Internacional da Abit, em 29 de outubro, o presidente reeleito da entidade, Ricardo Steinbruch, disse que o Brasil “convive há duas décadas com uma produtividade estagnada”, o que leva a uma sequência de altos e baixos na economia e provoca “instabilidade e incerteza” para empresas e sociedade.

Escolhas do Editor

“A indústria emprega 1,3 milhão de pessoas. Se somar os indiretos, são 6 milhões. Clama aos céus uma política dessa natureza” afirmou Pimentel, ainda em relação à taxa sobre importações. Segundo dados da Abit, 86,9% das empresas têm até 19 funcionários. “Importar sem imposto é exportar emprego para a Ásia.”

AGÊNCIA DC NEWS – A Abit projetou crescimento de 3,1% para a produção industrial do setor neste ano. Diante do vaivém da economia, a estimativa se mantém?
FERNANDO PIMENTEL –
Por ora, ela se mantém. puxada pelo têxtil, que vai crescer ao redor do dobro deste número. A confecção vai crescer menos, na casa de 1%, porque vem sofrendo com os ataques das importações e em particular das plataformas digitais, que pagam muito menos que a produção local. De 40% a 45% da produção têxtil atende outros segmentos da economia, então acaba tendo uma performance melhor.

AGÊNCIA DC NEWS – E para 2026, quando se espera desaceleração da economia?
FERNANDO PIMENTEL – Esperamos por enquanto crescimento na faixa de 1% a 1,5%, sujeito a revisões periódicas, como sempre fazemos. Por um lado, a gente está vivendo uma desaceleração da indústria do varejo, fruto dos juros elevados e do endividamento elevado da sociedade. Por outro, tem o nível de emprego e esses programas novos que certamente injetarão dinheiro na economia.

AGÊNCIA DC NEWS – O juro é o grande problema?
FERNANDO PIMENTEL – Juro alto perverte a capacidade de investir. A cada ano que você não consegue chegar nos 25% da taxa de investimento [em relação ao PIB], está deixando de investir na economia de 1 trilhão para mais. A economia deve fechar neste ano em torno de 2,5%. No próximo, olhando de hoje, na faixa de 1,7%. Há também a desoneração do imposto de renda, que segundo estimativas iniciais deve jogar 30 bilhões na economia. E é ano de eleição. Não vai ser um desastre, mas também não estamos esperando nenhum Xangri-lá.

AGÊNCIA DC NEWS – Em relação à taxa de juros, a entidade defendeu redução na última reunião do Copom, na semana passada [o Comitê de Política Monetária manteve a Selic em 15% ao ano]. Passou da hora?
FERNANDO PIMENTEL – A nosso ver, sim. Mas não achamos que os juros podem ser baixados na marra. O Brasil carrega uma dicotomia entre política fiscal e tributária. Mas o Brasil tem uma jabuticaba.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual?
FERNANDO PIMENTEL – Nós, estruturalmente, carregamos taxa de juros maiores. Houve uma eleição papal que já durava uns três anos, até trancarem todos para resolver. Acho que de alguma maneira nós deveríamos trancar todos até encontrar uma forma de ter juros estruturalmente mais baixos. O Brasil tem uma poupança baixa, um mecanismo de garantias que é sempre mutável, aos sabor das instâncias judiciais. E você tem um spread que continua muito mais alto que a média mundial. Somos um país que, desde o Real, carrega juros como fator preponderante para ter uma relativa estabilidade nos preços. E nós ficamos nessa gangorra. Ora expande, ora recolhe. 

AGÊNCIA DC NEWS –A entidade também fala em “esfriamento” da atividade econômica. O país caminha para uma estagnação?
FERNANDO PIMENTEL – As condições de crédito deverão ficar um pouco melhores no segundo semestre do ano que vem, o que pode acelerar um pouco o consumo. Mas a produção é fruto da capacidade de consumo da sociedade brasileira e do ritmo de exportações. Outro lado da questão é interno. Temos um Custo Brasil que é asfixiante, e isso pesa no custo de manufatura. Aqui, quanto mais agrega valor, menos menos competitivo você fica.

AGÊNCIA DC NEWS – Por quê?
FERNANDO PIMENTEL – O Brasil pune a indústria com um imposto chamado IPI. Se alguém quer um projeto desonerativo, que seja para a produção local. Se esse ritmo de importações se mantiver, você vai ter perda de market share. Queremos que o chinês venha produzir aqui. Bangladesh, Vietnã, estamos de braços abertos.

AGÊNCIA DC NEWS – E a Reforma Tributária?
FERNANDO PIMENTEL – Se não tivéssemos nenhum tipo de exceção – é difícil, reconheço –, nosso IVA estaria na faixa de 20%, 21%. Com essas excessivas exceções, 28% de IVA, no máximo você vai ganhar no aspecto de não taxar investimento, de reduzir o litígio tributário. Tudo isso deve melhorar a eficiência da economia. Mas não estou enxergando nenhuma redução da carga tributária no nosso setor. O Brasil criou tantos regimes tributários, tantos incentivos, que é como se cada empresa tivesse um imposto para ela. Com esse IVA de 28%, 28,5%, em geral, não deve haver redução para a indústria, mas deve melhorar o ambiente de negócios.

AGÊNCIA DC NEWS –E as empresas que estão no Simples?
FERNANDO PIMENTEL – As empresas do Simples que estão no meio da cadeia produtiva vão ter que tomar uma decisão importante,

AGÊNCIA DC NEWS – Qual?
FERNANDO PIMENTEL – Se vão aderir ou não, na parcela do IBS/CBS, operar pelo regime de débito e crédito. Isso porque uma série de clientes poderá exigir só comprar de empresas que têm integralmente o crédito nos insumos que elas utilizam. Principalmente agora que todos os insumos vão passar a gerar crédito. As que estão na ponta, essas não, aí é questão de preço. Mas no meio pode ser que as empresas venham a tomar decisões que mudam um pouco sua estrutura de tributos e consequentemente, sua estrutura contábil e jurídica. Não totalmente, mas em parte.

AGÊNCIA DC NEWS –Há na Câmara uma proposta de acabar com a chamada taxa das blusinhas. Qual a posição da Abit?
FERNANDO PIMENTEL – Para mim, chega a ser um crime de lesa-pátria. Seja qual for a coloração do deputado. O mundo com essa agenda [de taxar importações], e nós queremos dar subsídios para o produto importado em detrimento do produto nacional. Seria correto, sim, eles estarem apresentando uma proposta de um cashback para o consumidor nacional. É uma falácia essa história de que eles vieram aqui para atender os consumidores de menor capacidade de consumo.

AGÊNCIA DC NEWS – E qual o impacto, passado mais de um ano da vigência da lei?
FERNANDO PIMENTEL – No Brasil, no nosso negócio, de 8% a 10% já é negociado online no Brasil. São cerca de 28 bilhões de reais. O Imposto de Importação existe filosoficamente, por princípio, para reduzir diferenças assimétricas. Ele vem para tentar equilibrar as condições de competição entre os países. Tem a arrecadação, mas o objetivo é diminuir as desigualdades concorrenciais. [De janeiro a setembro deste ano, segundo dados da Abit apresentados na Câmara, as exportações cresceram 9,6% e as importações, 9,7%.]

AGÊNCIA DC NEWS – E o efeito do cambio?
FERNANDO PIMENTEL – O dólar já teve desvalorização de mais de 10% [desde a implementação da taxa], o que significa que na prática essa taxação é de 10%. Simples assim. Então, não é ser contra o modelo. O que não faz sentido é você não taxar o importado e taxar o nacional. E uma série de produtos [importados] não segue as regras de etiquetagem, de certificações… Além do aspecto de diferença de custos, que você tem pelas cargas [tributárias], você tem a desconformidade. E durante um bom período – antes dessa taxação – houve fraude. Eles burlavam a legislação. Uma única pessoa, por exemplo, enviou 16 milhões de pacotes ao Brasil.

AGÊNCIA DC NEWS –E o tarifaço, que efeito teve? Em setembro, a Abit integrou uma missão para os Estados Unidos…
FERNANDO PIMENTEL – Não ficamos desgravados, mas houve algumas desgravações. E nós continuamos trabalhando para destravar esses 40 pontos adicionais. Queremos avançar com um acordo setorial com a indústria e com o varejo norte-americano para destravar o comércio. Estávamos com conversas embrionárias quando veio a decisão do presidente Trump. Acho que em algum momento as coisas vão se acomodar.

AGÊNCIA DC NEWS – Como estão as negociações?
FERNANDO PIMENTEL – A CNI (Confederação Nacional da Indústria) entregou documento ao presidente Alckmin com propostas para as negociações. Não faz o menor sentido o Brasil ser taxado, até porque nós temos déficit com os Estados Unidos. [O Brasil teve déficit de US$ 5,7 bilhões em 2024. O último superátiv foi em 2005.] A razão haverá de chegar. Para nós, que seja o mais cedo possível. Temos empresas que têm 50% a 60% de sua receita gerada pela exportação para os Estados Unidos, como na moda praia. 

AGÊNCIA DC NEWS – O congresso da Abit, realizado recentemente, teve a produtividade como tema central. Esse é o desafio?
FERNANDO PIMENTEL – A produtividade é um fator chave para o desenvolvimento sustentado e sustentável. Ela vem de investimentos. Em pessoas, máquinas, equipamentos, de várias ordens. O que impede o investimento, estruturalmente, é a taxa de juros. O setor tem que investir uma média de 12 a 15 bilhões de reais por ano para ficar no mesmo lugar.

AGÊNCIA DC NEWS – E qual é o nível atual?
FERNANDO PIMENTEL – Estamos investindo, eu diria, de 8 a 9 bilhões. Isso envelhece o parque produtivo. Temos um desafio enorme. Com taxa de juros real de 10% fica inviável. É preciso educação, qualificação, treinamento e investimento em máquinas e equipamentos. Neste momento, temos juros pornográficos. Precisamos sair de 18% para 25% do PIB, se a gente quiser avançar.

Voltar ao topo