Filha de Gisèle Pelicot expõe dor de descobrir que pai estuprava mãe

Uma image de notas de 20 reais

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O caso chocou a França e o mundo quando veio a público, no ano passado. Gisèle Pelicot, hoje com 72 anos, foi drogada e abusada pelo próprio marido, que a oferecia, inconsciente, para ser estuprada por dezenas de homens desconhecidos, recrutados pela internet. Os crimes ocorreram entre julho de 2011 e outubro de 2020, em Paris e em Mazan, pequena cidade no sudeste do país onde o casal vivia desde a aposentadoria.

Dominique, o marido, utilizava um coquetel potente de drogas lícitas e ilícitas para apagar completamente a consciência da esposa, garantindo que ela não se fosse lembrar de absolutamente nada após os abusos. Os homens envolvidos eram orientados a estacionar seus carros longe da casa, para não levantar suspeitas, e aguardavam o chamado de Dominique assim que Gisèle estivesse completamente dopada.

Gisèle Pelicot deixa tribunal após condenação de Dominique à pena máxima de 20 anos de prisão Miguel Medina – 19.dez.24 AFP A imagem mostra Gisèle Pelicot, uma mulher com cabelo castanho claro e liso, usando uma blusa azul e um casaco preto. Todo esse terror passou despercebido por Gisèle e pelos três filhos do casal, não fosse uma detenção de Dominique, ao ser flagrado tentando filmar mulheres por debaixo das saias num supermercado. Mas foi só na delegacia, ao analisar seu celular, que os policiais se depararam com o horror. Dominique armazenava mais de 20 mil vídeos e fotos de Gisèle desacordada, sendo abusada por, pelo menos, 70 homens diferentes.

Gisèle poderia ter mantido sua identidade em sigilo durante o julgamento do marido e de dezenas de seus cúmplices. Mas, com uma coragem incomum, optou por tornar o processo público. Sua decisão buscava conscientizar e dar voz a outras vítimas de submissão química e violência doméstica.

Em “Eu Nunca Mais Vou te Chamar de Pai”, esse drama brutal é narrado pela filha do casal, que escreve sob o pseudônimo Caroline Darian. Em formato de diário, ela reconstrói o pesadelo desde a descoberta inicial -marcada pela incredulidade- até o momento em que todos os detalhes vêm à tona. Ainda abalada e em tratamento, Caroline escreve: “Ser ao mesmo tempo filha da vítima e do algoz é um fardo terrível de carregar”.

Como se os fatos descritos não bastassem, Caroline relata o momento em que foi chamada pela polícia durante as investigações. O que mais poderia haver? Os agentes, então, lhe mostraram duas fotos que mudariam sua vida para sempre: o pai também a havia fotografado adormecida, em uma posição que sugeria que ela também havia sido drogada e abusada –sem jamais ter tido consciência disso.

O relato dos horrores é intercalado por lembranças afetivas que Caroline ainda guarda do pai -carinhoso na infância, depois, dedicado aos netos-, memórias dissociadas da figura monstruosa que emergiu ao longo do processo judicial. Dominique acabou sendo condenado à pena de 20 anos de prisão.

Mais que um livro-denúncia, trata-se de uma narrativa íntima e angustiante, marcada por uma profunda reflexão sobre identidade e o luto em vida -a tentativa de apagar não apenas a imagem, mas a existência da figura paterna.

Envolvente, o livro provoca dor e imprime na memória do leitor imagens terríveis. Do relato, o que mais se sobressai é a figura de Gisèle: mesmo após o trauma psicológico e as sequelas físicas -ela hoje convive com doenças sexualmente transmissíveis e lapsos de memória-, ela se manteve firme como símbolo de resistência e luta.

Com essa atitude, como ela mesma afirmou, a vergonha mudou de lado. Da mulher constrangida ao cruel algoz exposto em praça pública.

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