Geração Z usa redes sociais para ir às ruas e derruba governos pelo mundo

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em Madagascar, o presidente Andry Rajoelina foi deposto e fugiu do país. No Nepal, o primeiro-ministro K. P. Sharma Oli foi forçado a renunciar. Protestos pelo Marrocos juntaram centenas de milhares contra o premiê Aziz Akhannouch. Na América Latina, peruanos se mobilizaram e levaram à destituição da presidente Dina Boluarte.

O ponto em comum entre todos esses movimentos é a mobilização da geração Z. O grupo, formado por pessoas que têm entre 14 e 28 anos, tomou as ruas de diversos países nas últimas semanas com uma lógica de engajamento veloz, descentralizada e mediada pelas redes sociais.

Além dos países já citados, Filipinas, Indonésia e Quênia também viram recentemente jovens levarem para as ruas a gramática dos ambientes digitais.

O ponto de partida das manifestações varia. No Nepal, por exemplo, uma proibição às redes sociais levou a protestos que ganharam força com denúncias de corrupção e insatisfação econômica. Há um denominador comum, no entanto: o desgaste com as instituições tradicionais.

Para Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo, é um erro interpretar essa geração como apática ou desinteressada. “Eles apenas se formam e se informam politicamente por circuitos muito diferentes dos nossos. São ecossistemas digitais de informação e mobilização que passam por baixo do radar das gerações anteriores”, afirma.

Segundo a pesquisadora, a digitalização da política é o ponto de partida para compreender esse fenômeno. “As primeiras experiências políticas da geração Z são no campo digital. Eles são nativos digitais se politizando digitalmente. Para eles, essa experiência é absolutamente natural”, diz.

É essa a característica que muda o ritmo dos acontecimentos recentes. As convocações ocorrem em horas, as causas se espalham em minutos e os símbolos se formam de maneira espontânea, em linguagem audiovisual e compartilhável.

Em Madagascar, a rapidez com que a insatisfação escalou para uma crise política confirma essa tese. Levou menos de 20 dias para que protestos motivados por cortes de água e luz e denúncias de corrupção crescessem na capital, Antananarivo, e fizessem uma unidade militar de elite aderir aos manifestantes, forçando o presidente Andry Rajoelina a fugir do país.

Ao contrário das grandes manifestações do século 20, marcadas por hierarquias e lideranças fixas, os protestos recentes são movidos por uma estrutura fluida, como aplicativos de mensagens e redes sociais. Mas essa intermediação das big techs, diz Solano, introduz uma nova variável: o algoritmo.

“Toda essa mobilização está mediada por atores transnacionais, conglomerados hiperpoderosos e oligopólicos e por essa lógica da escuridão, porque o algoritmo não é transparente”, afirma. A capacidade de engajamento de uma pauta, diz ela, depende de mecanismos que escapam ao controle dos próprios manifestantes.

Sofia Ong’ele, 25, diretora de estratégia da organização americana Gen Z for Change (geração Z por mudança), compartilha a mesma preocupação. “Os algoritmos não são neutros”, diz. “Eles refletem as vontades de quem os desenvolve e das corporações que os controlam.”

Além disso, a velocidade e a capilaridade inéditas desses movimentos também podem ser um ponto de fragilidade. Uma das críticas aos movimentos da geração Z é que os protestos não promoveriam mudanças políticas práticas e teriam uma volatilidade propícia para o alastramento de desinformação.

Sofia, que atua com uma rede de mais de 500 criadores de conteúdo com alcance digital de cerca de meio bilhão de pessoas, vê essa nova realidade de outra forma —as redes apenas ampliam o alcance dos protestos, mas não substituem o ato de ir às ruas.

“Queremos que qualquer pessoa, em qualquer lugar, possa se envolver em mudanças sociais sem as barreiras tradicionais. O digital nos permite democratizar o engajamento político”, diz.

Exemplo disso é o compartilhamento de símbolos entre manifestantes de diferentes países. A bandeira da série japonesa One Piece, com um crânio trajando um chapéu de palha, foi usada na Indonésia, no Nepal e em Madagascar. Os jovens a exibem como um código visual de rebeldia e recusa à autoridade tradicional

O custo dessa descentralização, porém, é a criação de vácuos de poder depois dos protestos, segundo ela. “Nunca houve tantos movimentos sem liderança acontecendo ao mesmo tempo. Isso é novo, e estamos aprendendo em tempo real o que vem depois

Segundo Solano, a ausência de um líder carismático rompe com o paternalismo político das décadas anteriores e abre espaço para uma militância mais difusa, em que causas ambientais, identitárias e democráticas podem também se entrelaçar.

O principal desafio, diz a pesquisadora, será articular esse novo ecossistema político com as estruturas tradicionais de representação.

“Existe uma ruptura grave entre essa geração e a lógica clássica da democracia institucional”, diz. “Precisamos construir pontes entre a plataformização da política e as instituições, porque os esforços de mobilização juvenil muitas vezes não chegam a conclusões concretas justamente por não encontrarem esse encaixe.”

Para Sofia, essa ponte ainda é uma incógnita. “Tudo é muito novo”, afirma ela. “Mas o que sabemos é que o poder popular, a solidariedade e a criatividade dessa geração são grandes demais para caber nas formas antigas de fazer política.”

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