SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Donos de gravadoras grandes de funk se descolaram publicamente da esquerda nas eleições municipais de São Paulo. Rodrigo Oliveira, da GR6, e Henrique Viana, o Rato da Love Funk, foram às redes sociais para apoiar os candidatos Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB) -e foram criticados no meio artístico.
MC Hariel postou que fica triste em ver “esse tipo de pessoa tendo abertura tão fácil no nosso movimento”. Filipe Ret lamentou ver “o rap/funk (música incontestavelmente marginalizada) apoiando posições políticas decadentes”. Já Djonga afirmou que nas eleições tem candidato que finge gostar de funk: “O vexame está aí, passa quem quer”.
O movimento, que tradicionalmente é ligado a pautas da esquerda, costuma ser criticado por políticos conservadores que associam o funk ao tráfico de drogas e condenam a sexualização das letras.
O gênero que desembarcou em São Paulo em 2005 também é alvo de debates políticos com a realização de pancadões, que por um lado configuram como uma das poucas opções de lazer de jovens da periferia, mas por outro protagonizam problemas para moradores que sofrem com barulho até tarde da noite.
Especialistas na área afirmam que o funk não é um movimento homogêneo e que apoios que soam contraditórios não são novidade -em 2018, por exemplo, cantores como Buchecha e Latino endossaram o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Também destacam que donos dos estúdios são empresários e as proximidades têm objetivos comerciais.
À Folha executivos das gravadoras minimizaram as visitas dos candidatos e os posts favoráveis e também criticaram a falta de procura de Guilherme Boulos (PSOL).
A equipe do psolista diz que ele tem centralizado a campanha em setores da cultura na periferia. Sem citar nomes, afirma que conversa com MCs e artistas periféricos e que no fim de julho foi convidado pelos organizadores da Batalha da Aldeia, que reuniu 5.000 jovens no Clube Juventus.
Rodrigo Oliveira, presidente da GR6, postou um vídeo em que Nunes aparece no escritório da gravadora, diz que política é “coisa séria” e fala que o prefeito vem construindo uma relação com eles ao longo dos anos e não se trata de campanha.
Na quarta-feira (21), ele voltou a acenar à gestão nas redes sociais: “Máximo respeito”, disse.
Institucionalmente, porém, a GR6 alega que se trata de um apoio pessoal, e não de toda a empresa, que diz ser “apartidária” e respeitar a opinião de executivos, colaboradores e artistas.
O apoio gera ruído, já que em 2022 a gravadora endossou o presidente Lula (PT). A Folha apurou com um executivo do estúdio que houve um estranhamento com a falta de procura da campanha de Boulos e que a avaliação interna é de que o apoio de Oliveira a Nunes se tornou inevitável.
A empresa sentiu uma proximidade da gestão municipal com a contratação de funkeiros e incentivo a eventos que pulverizaram a música na cidade, como a Virada Cultural, que inseriu neste ano cantores em diferentes palcos da cidade.
Procurada, a campanha de Nunes não respondeu.
Já Marçal postou um vídeo em que aparece com um boné da Love Funk ao lado do dono da gravadora, Henrique Viana, conhecido como Rato. O candidato diz que na sua gestão vai fomentar o empreendedorismo na cidade e novamente chama Boulos de “aspirador de pó”.
No fim da gravação, ele cantarola: “Aproveitando a oportunidade que me favorece, vou mandar um forte abraço para a galera da zona leste”. Viana, por sua vez, postou uma foto nos stories ao lado do autodenominado ex-coach com a frase “visita do nosso prefeito”.
O dono da Love Funk disse à Folha que só recebeu Marçal, mas que não se trata de um apoio. Ele afirmou que não vota há dez anos e que recebe qualquer candidato em seu escritório, mas considera que Boulos “dormiu no ponto” ao não procurar as produtoras.
Falou ainda que a visita foi rápida, com duração de cerca de 20 minutos, e que Marçal deu a entender que não conhece sobre o mercado do funk. Viana disse que só depois do encontro ficou sabendo que o autodenominado ex-coach já chamou o gênero de lixo e de um “drive mental para psicopatas e assassinos”.
Sobre o post em que descreve o influenciador como “nosso prefeito”, ele desconversou. Disse que o atual prefeito é Nunes e que também é simpático ao presidente Lula, apesar de analisar que o petista causa problemas para ele como empresário.
A equipe de Marçal não retornou o contato da reportagem.
A candidata do PSB, Tabata Amaral, também conta com o apoio de outro gigante do funk, o empresário musical e produtor KondZilla, que integra o conselho estratégico da campanha. O reforço é realizado às claras e anunciado desde a pré-campanha da deputada federal.
Nas redes, o produtor é contido nas postagens, mas publicou um dos vídeos da série da campanha de Tabata. A equipe da deputada diz que o apoio do produtor é como pessoa física e que costuma tecer comentários, como na produção do jingle e na postura em debates.
A reportagem tentou contato com o produtor, mas a assessoria afirmou que ele está sem agenda. Tabata disse durante o Roda Viva na última semana que é errado associar o funk a um partido e que considera que o movimento é independente e suprapartidário.
Danylo Cymrot, doutor em direito pela USP e autor do livro “O Funk na Batida: Baile, Rua e Parlamento”, diz que o funk não está descolado da sociedade em geral e que dentro do gênero há diferentes identidades. “Se a sociedade está polarizada e dividida, isso reflete no funk”, afirma.
“A base de Pablo Marçal é composta por homens e jovens. O influenciador tem um discurso sedutor e forte que diz que a periferia consegue enriquecer”, analisa ele, lembrando que as letras do funk ostentação refletem o desejo de ascensão social.
Cymrot também afirma que os acenos dos produtores refletem em uma falha no discurso da esquerda. “No Brasil e em outras partes do mundo, a extrema direita se apresenta como setor que vai contra o sistema. Cabe à esquerda repensar a forma de se comunicar com quem está insatisfeito.”