Interferência de Trump pode transformar ação da trama golpista no STF em manifesto por soberania

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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A tentativa de interferência de Donald Trump nos rumos do processo da trama golpista no STF (Supremo Tribunal Federal) que mira Jair Bolsonaro (PL) deve ter efeito reverso e dar ainda mais evidência para o julgamento.

A expectativa é que os ministros da Primeira Turma do STF, responsável pelo caso, incluam em seus votos manifestos em defesa da soberania nacional e da independência do Supremo.

Os ministros da corte refutam a possibilidade de suavizar o julgamento e eventuais penas dos réus diante da ofensiva do governo dos Estados Unidos contra o Brasil e magistrados do tribunal, segundo quatro integrantes do Supremo ouvidos pela reportagem.

Eles destacam ainda que a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, para conquistar apoio do governo Trump para a aplicação de sanções contra o o ministro Alexandre de Moraes e outros integrantes do tribunal será analisada em outro processo.

Eduardo é alvo de inquérito da Polícia Federal por suspeita de obstrução de Justiça e coação. Agentes da PF têm mantido publicações dele nas redes sociais sob custódia, por entender que o próprio deputado produz provas contra si.

A investigação contra o deputado não deve se prolongar por muito tempo. A expectativa no Supremo é preparar o recebimento de eventual denúncia contra o deputado após o término do processo sobre a tentativa de golpe de Estado.

O julgamento contra o núcleo central da trama golpista deve ocorrer em setembro. O processo está na fase de alegações finais, e as defesas dos réus têm até 13 de agosto para se manifestar pela última vez antes do ato final no Supremo.

Quatro advogados de réus afirmaram à Folha considerar inócua a ação de Trump. Eles destacam que o Supremo não vai recuar do processo sobre a trama golpista. Uma das defesas avalia até que a situação jurídica de Bolsonaro pode ficar pior, com possível aumento na contagem das penas —até agora, não houve qualquer recuo de Moraes no caso.

Um dos representantes dos réus do processo diz acreditar que a ofensiva crescente de Trump contra Moraes e o STF reduz as chances de ponderações nas penas ou indulto.

O movimento dos EUA ainda reanima um espírito de corpo entre os ministros, especialmente entre os da Primeira Turma, composta por Moraes, Cristiano Zanin (presidente da Turma), Flávio Dino e Luiz Fux, único até o momento a apresentar alguma divergência em relação ao relator —ele foi contra as medidas impostas a Bolsonaro.

As reações do Supremo às interferências dos EUA no processo contra Bolsonaro tiveram estágios diferentes. A primeira ação do tribunal foi autorizar uma investigação contra Eduardo Bolsonaro quando o deputado anunciou que ficaria nos Estados Unidos para buscar apoio da Casa Branca por sanções contra ministros do Supremo.

Quando as críticas de Trump eram por meio de redes sociais, os ministros minimizaram o movimento e avaliaram que as declarações eram parte de uma narrativa política e, assim, não mereciam reação institucional da corte.

Pouco depois de Trump anunciar a sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, que foi efetivada nesta quarta (30), Moraes decretou medidas cautelares contra Bolsonaro, como o uso de tornozeleira eletrônica e restrições para sair de Brasília.

O presidente da corte, Luís Roberto Barroso, afirmou, em carta e sem citar nominalmente o presidente Donald Trump, que as sanções anunciadas são fundadas em uma “compreensão imprecisa dos fatos” que ocorreram no Brasil.

O governo americano escalou a crise e aplicou a Lei Magnitsky contra Moraes nesta quarta-feira (30). A legislação deveria ser usada contra ditadores e terroristas. Ela tenta, na prática, causar o congelamento das contas de seus alvos e o afastamento do sistema financeiro internacional.

Nesse caso, o Supremo tenta dar uma resposta institucional que não seja interpretada como uma nova escalada do conflito. Barroso defende que a reação do STF deve ser um julgamento técnico e independente.

Um dos sinais de que o julgamento do núcleo central da trama golpista pode se tornar um ato em defesa da soberania nacional foram os votos dos ministros do Supremo no julgamento virtual sobre as medidas cautelares impostas a Bolsonaro.

Todos os ministros da Primeira Turma do STF —exceto Zanin— criticaram em seus votos a tentativa de Trump de interferir no processo contra Bolsonaro. Até Luiz Fux, que foi contra as cautelares, exaltou a independência da corte.

“A legislação brasileira é suscetível de modificação, mas não de desataviado desprezo, tampouco de negociação de descumprimento com governo estrangeiro, pois nenhuma autoridade, por mais conhecida e acreditada que seja, está acima da lei”, escreveu Moraes em seu voto.

“O comportamento de ruptura com regras elementares de atuação em sociedade, que está estampado publicamente, se torna ainda mais grave quando se leva em conta o anúncio de novas medidas empreendidas contra a soberania do país, o Estado democrático de Direito e autoridades brasileiras”, completou.

Flávio Dino comparou a ação de Trump de taxar o Brasil como um “sequestro da economia” do país. O “resgate”, na visão do ministro, seria arquivar o processo contra Bolsonaro.

“O direito constitucional comparado registra intervenções armadas contra tribunais, cassações de magistrados, ‘court packing plan’, dissolução política de cortes. Mas esse ‘sequestro’ certamente merecerá muitos estudos acadêmicos, inclusive nas Universidades dos Estados Unidos, por seu caráter absolutamente esdrúxulo”, disse.

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