SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, afirmou que a legislação trabalhista não pode “deter o curso da história”, em audiência pública sobre pejotização na corte nesta segunda-feira (6).
“A complexidade do tema exige uma compreensão de como a inovação pode ser incorporada sem retrocessos, mas também sem a ilusão de que a legislação possa deter o curso da história ou preservar relações que, na prática, já se reconfiguraram”, disse.
A audiência foi convocada por ele antes do julgamento da ação que trata sobre a validade dos contratos de PJ (Pessoa Jurídica). Os debates começaram às 8h30 e chegaram ao final às 18h. É possível acompanhar os posicionamentos dos participantes pelo canal do Supremo no YouTube.
Mendes disse ainda que o STF tem como missão encontrar uma forma de garantir os direitos constitucionais a trabalhadores e não barrar a evolução da iniciativa privada, que também consta da Constituição.
“Nossa tarefa é pensar como assegurar transições justas e suaves, fomentando a economia e permitindo que a livre iniciativa e as novas formas de trabalho efetivamente promovam o desenvolvimento, tendo como pilar a dignidade da pessoa humana.”
Ao todo, mais de 50 inscritos participaram representando diversas instituições. Cada um deles teve sete minutos para fazer sua exposição sobre o tema. As ações que debatem os contratos PJ estã o suspensas até que a corte tome uma decisão final.
O julgamento do Tema 1.389 tem repercussão geral e valerá para todas as ações do tipo na Justiça.
A pejotização é uma forma de contratação na qual o profissional abre uma empresa e presta serviço para outra, sem que haja vínculo trabalhista pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O modelo não é barrado na CLT, mas pode ser considerada ilegal caso seja usada pelo empregador para burlar a legislação trabalhista.
O QUE O STF VAI DECIDIR SOBRE PEJOTIZAÇÃO?
O plenário do STF deve se reunir, ainda sem data marcada, para julgar o tema 1.389, que tem repercussão geral, para definir:
1. De quem é a competência para julgar casos em que se discute a fraude no contrato de trabalho por meio da pejotização, se da Justiça do Trabalho ou da Cível
2. Se a contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços é lícita ou ilícita, tendo como base o que já decidiu o próprio STF na ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 324, que reconheceu a validade constitucional de diferentes formas de divisão do trabalho e a liberdade de organização produtiva dos cidadãos
3. Quem deve provar que houve fraude na contratação civil, o empregado ou o empregador, e de quem é a responsabilidade ao firmar esse tipo de contrato
ESPECIALISTAS APONTARAM IMPACTO NO ORÇAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
No primeiro bloco da audiência, das 8h30 às 10h30, grande parte dos convidados concordou que a pejotização é um problema tanto para os trabalhadores quanto para o orçamento federal.
José Pastore, sociólogo e professor, José Roberto Rodrigues Afonso, doutor em desenvolvimento econômico, e Felipe Scudeler Salto, economista, afirmaram que a situação da pejotização já afeta os sistemas brasileiros.
Segundo dados apresentados, pouco mais da metade dos brasileiros ocupados não têm carteira assinada nem são servidores públicos, e quase 70% das empresas no país não têm empregados. Além disso, o trabalhador contratado traz uma incidência tributária de 23,6%, e o pejotizado, de 17,3%.
Representantes do governo -especialmente do Ministério da Previdência Social, da Receita Federal e do Ministério da Fazenda- disseram que a pejotização atual, com trabalhadores que cumprem horários de trabalho e a hierarquia da empresa, configurariam fraude, com tentativa de burlar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, falou sobre os MEIs (Microempreendedores Individuais), afirmando que, quando o regime foi criado, a intenção era favorecer e formalizar, por exemplo, pipoqueiros autônomos, que tinham ainda menos direitos do que atualmente.
“Agora, um cidadão que monta dez carrinhos de pipoca e contrata dez MEIs. Já foge totalmente da lógica”, disse.
Segundo estimativas apresentadas, a Previdência Social já perdeu dezenas de bilhões de reais com os contratos CLT, que oferecem menos direitos e com os quais se arrecada bem menos. Se continuar no ritmo atual, o déficit no governo pode chegar a R$ 213,97 bilhões por ano.
Já o segundo bloco, das 10h45 às 12h45, trouxe visões mais diversas para o assunto. O período começou com a acusação e defesa do processo em julgamento, que envolvia franqueados da Prudential Seguros.
Antônio Franciso Lima de Resende e Luis Alberto Gomes Coelho, representantes da empresa defenderam a tese de que o caso destacado por Mendes não tinha relação com a pejotização.
Também foram ouvidos representantes de associações como Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) e Abevd (Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas).
Seguneo eles, apesar de existirem fraudes nem todos os contratos PJ deveriam ser tratados como errados. Adriana Colloca, presidente da Abevd, disse que o setor de vendas diretas envolve um contrato entre o empreendedor e a empresa, e proporciona benefícios como o baixo investimento inicial e o fortalecimento da economia local.
Havia, ainda, representantes sindicais, de CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical e CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), que reforçaram o rombo na Previdência e a perda de direitos.
Miguel Torres, presidente da Força Sindical, citou acidente que causou a morte de nove trabalhadores em uma empresa na qual a maioria era pejotizado. Do total de 358 funcionários, 200 não tinham registro em carteira. “Os trabalhadores entraram com uma ação, mas a Justiça do Trabalho dizia que precisava ser a Justiça comum, e a comum mandava para a do Trabalho”, disse.
O terceiro bloco, das 14h30 às 16h30, retomou a visão dos setores trabalhistas. O presidente do TRT-2 (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com sede em São Paulo), Valdir Florindo, disse que a pejotização é uma “maquiagem contratual”.
“A liberdade contratual não pode mudar a realidade das coisas. Não se combate informalidade formalizando uma simulação. A consequência da pejotização é a mesma da informalidade; o trabalhador fica sem o salário mínimo, sem descanso semanal remunerado, sem limite de jornada”, afirmou.
Renan Bernardi Kalil, representante do MPT (Ministério Público do Trabalho), afirmou que “a pejotização é uma fraude trabalhista, utilizada para sonegar direito dos trabalhadores”. Segundo o procurador, o MPT recebeu a primeira denúncia sobre o tema em 1992, há 33 anos. “O empregador economiza e não paga os direitos trabalhistas. O trabalhador aceita para não ficar desempregado”, afirmou.
Ao final, o ministro Gilmar Mendes fez um resumo de tudo o que foi apresentado.
QUAL FOI A DECISÃO DO MINISTRO GILMAR MENDES SOBRE OS PROCESSOS ENVOLVENDO CONTRATOS PJ?
O ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão nacional de todos os processos que se é lícito ou não contratar por meio da pejotização, contrato usado em diversos setores, como representação comercial, corretagem de imóveis, advocacia, saúde, artes, tecnologia da informação e entrega por motoboys, entre outros.
Para ele, há uma controvérsia sobre a legalidade desses contratos, que tem sobrecarregado o STF diante do elevado número de reclamações contra decisões da Justiça do Trabalho. O Judiciário trabalhista tem decisões a favor e contra a pejotização. Já o STF não vê problemas nos contratos PJ.
“O descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas”, afirmou.
O QUE ACONTECE COM AÇÕES SOBRE PEJOTIZAÇÃO NO PAÍS?
As ações do tipo no país ficam paradas, até que o STF julgue o tema, o que não tem data para acontecer. O advogado e mestre em direito do trabalho, Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, do Fas Advogados, membro do Getrab-USP (Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo), diz que há muitas dúvidas sobre o alcance da decisão.
Essa suspensão é para processos em qual fase? Os que já transitaram em julgado (chegaram totalmente ao final) e estão esperando só o cálculo também vão ser suspensos? E quem ganhou ação por meio de liminar, em fase de execução provisória, deve ter a decisão paralisada?
Outro ponto apontado por ele são as ações de fiscalização do Ministério Público do Trabalho. Como dizer se o contrato é ilícito, se o STF ainda não decidiu isso?
O QUE É E COMO FUNCIONA O CONTRATO PJ?
Um contrato PJ é um tipo documento de prestação de serviços firmado entre uma empresa e um profissional ou outra empresa, que atua como pessoa jurídica, sem vínculo de emprego previsto pela CLT, com direitos constitucionais como 13º salário, férias, FGTS e multa na rescisão sem justa causa.