[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
Há 89 anos, o número 189 da rua Doze de Outubro, no coração da Lapa, era ocupado pela unidade original da Casa de Móveis A Barateira. Isaac Liberman tem a mesma idade. De segunda à sexta sai de casa, também no bairro da Lapa, para trabalhar das 8h às 18h30 no negócio iniciado pelo sogro, Osias Ratz, em 1936. Herdou a empresa em 1958, mesmo ano em que se casou com Elisa Ratz. Na verdade, seu relacionamento com A Barateira é ainda mais longo do que seu casamento com Elisa, que hoje usa o sobrenome Liberman. Isaac começou a trabalhar na loja da Lapa ainda noivo, em 1956, e desde então chama o bairro comercial de lar. “Tenho amor por isso aqui. Eu moro na Lapa. Meus filhos nasceram na Lapa”, afirmou em entrevista à AGÊNCIA DC NEWS. O empresário testemunhou as transformações do tradicional bairro comercial como o último da sua época de empresários locais. Ao todo, são 67 anos à frente da companhia, que já foi maior, já vendeu outros produtos e hoje se concentra na Zona Oeste da Grande São Paulo, com quatro unidades, onde cumpre sua missão de atender “com qualidade e honestidade” a terceira geração de paulistas.
Munido de toda história e importância que carrega para o varejo pauilistano, Isaac Liberman recebeu o Prêmio Empresário de Valor 2025, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), como destaque empresarial da distrital Oeste da capital paulista. E chegar até esse local não foi rápido – nem simples. A Barateira de 2025 é resultado de uma vida de escolhas decisivas. Uma delas ocorreu há cerca de 15 anos, quando o empresários decidiu deixar de vender eletrodomésticos. Os itens fizeram parte do estoque durante décadas, até a concorrência com as grandes magazines levar a melhor. A última dessa série de escolhas, que redefiniu o perímetro de atuação do negócio, é recente. “Preferi ficar com o pouco certo do que com o muito duvidoso”, disse Isaac sobre o número reduzido de operações. Além da Lapa, as outras unidades estão dispostas em Osasco (SP) – a maior unidade em metregem e a que mais fatura –, Itapevi (SP) e no distrito de Rio Pequeno. Mas já tiveram unidades na capital paulista nas regiões de Cidade Ademar, Pinheiros, Santo Amaro e também em Guarulhos (SP). A Barateira chegou a ter oito lojas abertas simultaneamente – hoje, muitos dos prédios que abrigavam as unidades do negócio foram alugados ou vendidos. Uma das lojas de Santo Amaro, por exemplo, foi vendida para a Marabraz. Outra escolha de negócios que define a companhia são as vendas totalmente presenciais e em lojas de rua. Silvia de Almeida, funcionária de Isaac há duas décadas, explica: “A internet para o ramo de móveis é muito dolorosa. Sai muito caro”. Ramo este que, inclusive, vem crescendo. Segundo o balanço de 2024 da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), o faturamento da categoria no ano passado foi 12,1% superior à receita de 2023.
Como o nome já diz, A Barateira é uma empresa que se define no clássico popular “BB”: bom e barato. Neste caso, acrescenta-se o tradicional. Não foi Isaac quem batizou a marca, obra de Osias, mas o perfil permaneceu e cresceu com ele. “Prefiro um freguês pobre do que um freguês rico. Eu me identifico mais com os menos favorecidos”, afirmou o empresário. Uma situação de 50 anos atrás salta a memória. Na ocasião, uma cliente pediu por “um guarda-roupa baratinho, porque é para a empregada, sabe?” A conversa o marcou. “Pobre não precisa de um bom guarda-roupa? Eu não sou comunista, sou apolítico. Mas me sinto uma pessoa humana”, disse Isaac. Para o veterano do ramo de móveis, o mais importante para fechar negócio é entregar qualidade e honestidade a todos, e se orgulha de nunca ter precisado prestar contas ao Procon. Outro “pulo do gato” que conquista os clientes é não cobrar pela entrega e montagem dos móveis.
DESTINO – Nascido no bairro da Liberdade e filho de comerciantes poloneses e judeus – o pai original de um vilarejo cujo nome se perdeu na memória e a mãe da Cracóvia – Isaac acredita que encontrou com seu destino na Lapa. Um amigo o levou de penetra a uma festa na casa da família Ratz, onde se apaixonou à primeira vista pela filha do anfitrião, Elisa. O casal tem três filhos, sete netos e três bisnetos, mas o único da família que trabalha n’A Barateira é o primogênito Moacir. Segundo Isaac, não existem planos para a sucessão e, tanto ele quanto o filho, estão satisfeitos com o tamanho da empresa. “Eu sou grato a Deus que ele me deu mais que precisava. Acho que é o suficiente para mim”, disse o proprietário, se referindo tanto ao negócio quanto à grande família que construiu. Desde que se mudou para a Lapa na década de 1950, Isaac faz amizade com todos que encontra no caminho. Antigamente eram os lojistas tradicionais, hoje são os gerentes das lojas vizinhas e os vendedores ambulantes. Para ele, é como se a raiz varejista do bairro, que foi palco de judeus mascates no início do século 20, fizesse parte da sua própria identidade.
Testemunha da história, o dono d’A Barateira conheceu as famílias dos antigos mascates que entraram no comércio de móveis – como foi o caso do próprio sogro. Por sempre ter comprado os móveis com os mesmos fabricantes, viu vários deles quebrarem quando as montadoras de automóveis chegaram à São Bernardo do Campo (SP). Elas levaram consigo a mão de obra, dificuldade que está encontrando hoje em seu próprio negócio. Somando todas as lojas e o galpão, localizado a quatro quarteirões da loja matriz, Isaac emprega 35 funcionários e diz não conseguir trazer mais. “Está muito difícil. Para quem tem restaurante, para quem tem loja de sapato, de móveis, o problema é arranjar funcionário”, afirmou. No entanto, uma vez na folha de pagamento d’A Barateira, é difícil sair. Além de Silvia, que está há mais de 20 anos trabalhando com o senhor Liberman, Yara Costa Bertolini é a dona do recorde, com 51 anos de casa. “Ela vinha todo dia, se mudou, e agora vem de terça e quinta lá de Piracicaba me ajudar.”
Com forte crença no destino, em 1996, Isaac participou do programa Histórias de Comércio, veiculado pela TV Senac. Quando começam a rolar os créditos, o empresário, que é formado em contabilidade, diz: “Eu sempre considerei que tem que ter um binômio: trabalho e sorte. Sem isso, nada feito.” Ele confirma que ainda acredita no binômio, e se diz sortudo. “Às vezes eu brinco que minha mãe me deu à luz atrás do balcão”, disse no registro televisivo. No presente, Isaac afirma que é feliz tanto na vida pessoal quanto na carreira comercial. “O objetivo da minha vida eu alcancei.” E mesmo trabalhando há quase 70 anos, nem cogita a aposentadoria. “Gostaria ter menos idade para continuar mais. Tenho amor ao negócio e gosto de conhecer os rostos dos clientes”, afirmou. O que move Isaac e A Barateira nesses quase 90 anos, na verdade, é um trinômio: trabalho, sorte e amor.