BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Lula (PT) e o Congresso Nacional encerraram o semestre legislativo em conflito e com uma lista de contas a acertar a partir de agosto, quando deputados e senadores voltam do recesso.
O último dia de trabalho efetivo de Câmara e Senado, nesta quarta (16), reuniu vários elementos dessa tensão, com discursos inflamados aos microfones, votações a toque de caixa e acusações de lado a lado durante a sessão que invadiu a madrugada de quinta-feira (17).
Crise do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), eventuais pautas-bomba, licenciamento ambiental, aumento no número de deputados e outros temas fizeram parte do cardápio que inflamou a semana e que, certamente, terão reflexo a partir do próximo mês.
A relação do governo Lula 3 com o Congresso nunca foi pacífica, tendo em vista a presença minoritária da esquerda, o que vinha ocasionando derrotas ao Palácio do Planalto.
Recentemente, porém, o governo entabulou uma reação após avaliar ter repercutido positivamente na popularidade presidencial a campanha encabeçada pelo PT nas redes sociais na linha de “ricos contra pobres”, tendo o Congresso como um dos alvos. O tarifaço de Donald Trump, na sequência, deu ao petista legitimidade para tentar retomar das mãos do bolsonarismo o discurso nacionalista.
A primeira medida direta de Lula em confronto com o Congresso foi recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a decisão do Legislativo, em junho, de sustar o decreto de aumento do IOF, votação que na Câmara teve apoio inclusive dos esquerdistas PDT e PSB, com placar elástico -383 votos a 98.
Na quarta-feira, o ministro do STF Alexandre de Moraes validou a maior parte do decreto de Lula, ponto central do plano do ministro Fernando Haddad (Fazenda) no sentido de equilíbrio das contas públicas.
A decisão de Moraes foi mote para bolsonaristas que participavam de votação na Câmara pressionarem enfaticamente o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), a adotar uma reação, alegando que a falta de resposta causaria a completa desmoralização do Congresso.
No mesmo instante, chegou a notícia de outra ofensiva de Lula contrária aos interesses dos congressistas, dessa vez com o veto ao projeto que aumenta o número de deputados de 513 para 531.
A decisão do presidente foi tomada sem informação prévia a Motta e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), avalizadores do projeto. A atitude do petista foi lida por parlamentares como o troco da derrota aplicada na votação do IOF, cuja votação não foi informada previamente ao Planalto, mas sim publicada no perfil de Motta no X (ex-Twitter).
O Congresso poderá derrubar o veto de Lula na volta do recesso, mas agora caberá ao Legislativo o ônus público de, caso busque manter o aumento do número de deputados, colocar a digital em uma pauta que precisará do apoio de ao menos metade dos congressistas. Pesquisa do Datafolha mostrou em junho que 76% dos brasileiros são contra o projeto.
Coube à ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), informar Motta sobre o veto, após receber a confirmação do gabinete do presidente. Na conversa, a ministra contou ter opinado pela chamada sanção tácita -quando o Executivo não se manifesta, deixando a promulgação a cargo do Legislativo-, mas Lula optou pelo veto.
Foi o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), quem deu a notícia a Alcolumbre. A postura de Lula tem sido encarada como uma prova de que ele não perdoou o fato de Motta ter anunciado pelas redes sociais a decisão de levar à pauta a derrubada do decreto do IOF.
Na avaliação de aliados de Lula e até de Motta, ao não o informar, o presidente deu resposta ao que foi considerado como descortesia do deputado.
Assim que a notícia do veto veio a público, Motta deixou o plenário da Câmara e foi ao Senado se reunir com Alcolumbre. Nenhum dos dois falou sobre o teor do encontro nem se manifestou publicamente sobre as decisões de Lula. Embora dos dois lados haja “bombeiros” que apostem nos 15 dias de recesso parlamentar como um possível redutor da fervura, os ânimos entre os parlamentares na noite e madrugada eram de conflagração.
Uma primeira resposta veio da mesma sessão em que o deputado foi pressionado a agir. A Câmara aprovou na noite de quarta uma pauta-bomba que inclui um crédito subsidiado de até R$ 30 bilhões para o agronegócio com verbas de petróleo do pré-sal. O placar, mais uma vez, foi folgado, 346 a 93.
Já na madrugada desta quinta foi a vez de os deputados aprovarem o projeto de lei que simplifica o licenciamento ambiental, classificado pela esquerda como o “PL da devastação”. Partidos com ministério no governo Lula somaram 63% dos votos a favor do projeto.
Nos dois temas, Lula pode usar a arma que adotou no caso do aumento do número de deputados, o veto. O que prenuncia mais conflitos pela frente. Há também quem aposte na judicialização, com o Executivo apostando no STF para impor derrotas aos parlamentares.
Já o Senado adiou para agosto a conclusão de uma votação que até então era considerada tranquila, a da PEC (proposta de emenda à Constituição) que cria novas regras para precatórios, como são chamadas as dívidas judiciais do poder público, outro tema de grande interesse do Planalto.
Lula explicitou mais uma vez nesta quinta as dificuldades que enfrenta no Legislativo.
“É preciso o PT se perguntar por que o PT é capaz de eleger um presidente 5 vezes, Lula e Dilma, e só fez 70 deputados federais. Nós achamos que o nosso discurso é o verdadeiro, mas será que o povo está nos compreendendo, nos entendendo? Porque uma estratégia para a gente poder aprovar tudo que a gente quer é botar mais gente no Congresso Nacional”, disse na abertura do Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), em Goiânia (GO).
Congressistas dizem entender que as ações de Lula visam as eleições de 2026 e uma possível reação dos adversários, entre eles de partidos que integram o governo, pode continuar em votações que impactem os planos de reeleição do petista.
Não só em temas econômicos, mas nas chamadas “pautas de costume”, tema que a direita tem dominado no Congresso e que o governo não tem tido vitórias.