Lula fala em negociar tarifas de Trump, mas promete reciprocidade se diálogo falhar

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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou nesta quinta-feira (10) de afronta ao país a carta publicada por Donald Trump em que o americano anuncia uma sobretaxa de 50% aos produtos brasileiros. O petista afirmou que, primeiro, tentará negociar as tarifas —mas que, se isso não funcionar, será colocada em prática a reciprocidade.

Lula disse que o americano demonstra desconhecer a relação comercial entre os dois países, que ele precisa respeitar a Justiça e que as empresas de tecnologia devem obedecer às leis brasileiras.

“O que mais vai importar é o seguinte: temos a Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional. E não tenha dúvida. Primeiro vamos tentar negociar. Mas, se não tiver negociação, a Lei da Reciprocidade será colocada em prática. Se ele vai cobrar 50% de nós, nós vamos cobrar 50% dele”, afirmou em entrevista à Record.

Apesar da declaração do petista, auxiliares no Palácio do Planalto e no Itamaraty afirmam que, em caso de necessidade de retaliação, o governo não deve optar por uma tarifa linear contra os EUA.

Os principais produtos importados pelo Brasil dos EUA são motores e máquinas, óleo combustível, aeronaves e gás natural, além de medicamentos.

Aplicar uma sobretaxa sobre essa pauta traria consequências econômicas indesejadas, com risco de contratar inflação, segundo esses assessores. Uma opção seria a chamada retaliação cruzada sobre serviços e propriedade intelectual, como licenças farmacêuticas e do setor audiovisual (como filmes e séries).

Ao mesmo tempo, Lula e aliados deram sequência nesta quinta à estratégia de associar o tarifaço e suas consequências econômicas a Jair Bolsonaro (PL) e outras lideranças da oposição, entre eles o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Filho do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) se licenciou do mandato e se mudou para os Estados Unidos para advogar junto a autoridades americanas retaliações contra o STF (Supremo Tribunal Federal) e o governo.

Na entrevista, Lula afirmou que, inicialmente, achou que a carta de Trump pudesse ser falsa. Ele declarou que o texto publicado pelo americano demonstra “total desconhecimento” da relação comercial entre os dois países por conter informações inverídicas —como a de que os Estados Unidos importariam mais do Brasil do que o contrário. “Será que a assessoria dele não tem sabedoria para explicar isso, para ele não fazer uma afronta como essa a outro país?”, questionou Lula.

“Achei que a carta do presidente Trump era um material apócrifo, porque não é costume ficar mandando correspondência a outro presidente através do site do presidente da República”, disse, em referência ao fato de o texto do americano ter sido publicado na rede social Truth Social.

O petista também disse que, se Trump conhecesse um pouco o Brasil, teria mais respeito pelo país.

“Devemos exigir que os outros também nos respeitem. O Brasil não tem contencioso com ninguém. Aqui, tudo se resolve com uma conversa”, disse. “Queremos que ele respeite o Brasil”, complementou.

“Ele tem que respeitar a Justiça brasileira, como eu respeito a americana. Se o que Trump fez no Capitólio ele tivesse feito no Brasil, ele estaria sendo processado, como o Bolsonaro, e arriscado a ser preso. Porque feriu a democracia, porque feriu a Constituição. E eu não me meto no Poder Judiciário, porque ele é autônomo —sobretudo a Suprema Corte”, disse.

Sobre a pressão feita pelo republicano contra regras criadas para plataformas digitais, o presidente brasileiro afirmou que quem estabelece essas normas é o Brasil.

“Quando ele fala da questão das empresas dele, das plataformas, é bom que entenda: no Brasil, quem estabelece as regras é o Brasil. É o Congresso Nacional, é o Poder Judiciário. Ele não pode ficar dizendo que o Brasil não pode fazer nada contra empresas que desrespeitam a legislação brasileira. Aqui, [se] respeita”, afirmou.

Lula declarou ainda na entrevista que o Brasil pode recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio) contra as sobretaxas americanas. Uma ação do tipo, porém, teria efeito apenas simbólico, uma vez que a organização internacional está há anos paralisada por um boicote liderado pelos EUA.

O presidente disse ainda que quer criar um comitê composto por empresários para acompanhar a questão tarifária entre os dois países, e que as medidas diplomáticas estão sendo tomadas pelo Itamaraty. Ele voltou a citar a aplicação da Lei da Reciprocidade como uma das opções de resposta, além de recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio), se necessário.

Para além das declarações de Lula, integrantes do primeiro escalão de Lula apostavam nesta quinta na possibilidade de negociação entre os dois países. Um ministro palaciano citou o trecho final da carta enviada por Trump, no qual o republicano admite a hipótese de revisão das tarifas “dependendo de nosso relacionamento com seu país”.

Outro ministro diretamente envolvido com o caso chega a considerar possível um recuo do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro. Há assessores de Lula, no entanto, que opinam que Trump deixou pouca margem para negociação ao misturar um tema tarifário com assuntos de alta sensibilidade política no Brasil, como o futuro de Bolsonaro e a regulação das big techs.

RESPOSTA DEVE FICAR PARA AGOSTO

Se a melhor forma para responder a um tarifaço americano já está em estudo, o governo descarta neste momento responder aos EUA por meio de uma sobretaxa horizontal. Além do mais, qualquer reação econômica à decisão só deve acontecer a partir do dia 1º de agosto —prazo em que começam a valer as tarifas americanas, segundo a carta em que Trump anunciou a medida.

Lula confirmou a intenção do governo na noite desta quinta, em entrevista ao Jornal Nacional. “Se não houver solução, nós vamos entrar na reciprocidade já a partir do 1º de agosto, quando ele começar a taxar o Brasil”, disse.

Ainda na entrevista, o presidente afirmou que pretende reunir empresários brasileiros que exportam para os Estados Unidos para conversar e avaliar a situação de cada um.

“Nós vamos tentar fazer todo o processo de negociação que for possível fazer. E aí os empresários eu espero que estejam alinhados ao governo brasileiro, porque se existir algum empresário que acha que o governo brasileiro tem que ceder e fazer tudo o que o presidente do outro país quer, sinceramente, esse cidadão não tem nenhum orgulho de ser brasileiro”, declarou.

O governo viu a movimentação de Trump como uma politização da relação comercial entre os países, atitude considerada inédita.

A gestão de Lula avalia que não é possível recuar em nenhuma das decisões do Judiciário brasileiro, como as referentes aos processos envolvendo Bolsonaro, e os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro. O entendimento é de que o uso político feito pelo governo americano dos episódios é descabido e fere a soberania do Brasil.

O QUE É A LEI DE RECIPROCIDADE

A Lei da Reciprocidade autoriza a adoção de medidas de retaliação caso um país ou bloco econômico interfira “nas escolhas legítimas e soberanas do Brasil” por meio de ameaça ou de aplicação unilateral de medidas comerciais, financeiras ou de investimentos.

O projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional após Trump anunciar, em abril, um tarifaço que atinge diversos países, incluindo o Brasil.

Conforme a legislação, as contramedidas podem se dar na forma de restrição a importações de bens e serviços; de suspensão de concessões comerciais, de investimento e de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual; e de suspensão de outras obrigações previstas em qualquer acordo comercial de que o Brasil faça parte.

Ainda de acordo com a lei, as respostas devem ser, na medida do possível, proporcionais ao impacto econômico causado pelas ações ou políticas impostas ao Brasil.

O decreto necessário para regulamentar a nova lei ainda não foi publicado. O vice-presidente Geraldo Alckmin afirmou nesta quinta que o decreto deverá ficar pronto nos próximos dias.

Ele deverá prever, por exemplo, a realização de consultas públicas, a determinação de prazos para análise do pleito específico e a sugestão de contramedidas. O texto também vai determinar a Camex (Câmara de Comércio Exterior) como órgão responsável por decidir sobre a aplicação do instrumento.

Enquanto essas etapas estiverem em análise, a lei autoriza o governo a adotar medidas de retaliação de forma provisória.

Uma das hipóteses autorizadas pela Lei da Reciprocidade é a chamada retaliação cruzada sobre serviços e propriedade intelectual. Trata-se de um mecanismo que permite a um país responder às tarifas de outro aplicando sanções em setores diferentes dos originalmente atingidos, uma resposta que foi eficaz no passado numa disputa que Brasil e EUA travaram sobre subsídios que os americanos davam ao algodão.

O Brasil recorreu à OMC em 2002 sustentando que subsídios americanos ao algodão distorciam o mercado e prejudicavam os produtores brasileiros. A organização deu ganho de causa ao Brasil, autorizando-o a retaliar os EUA caso não houvesse mudanças nos subsídios.

Em vez de apenas aumentar tarifas sobre produtos americanos, a retaliação cruzada permitia ao Brasil suspender ou extinguir direitos de propriedade intelectual nos EUA, como patentes. O governo brasileiro, porém, optou por não agir imediatamente e continuar em negociação. Ao final, o governo americano concordou com uma compensação pelos subsídios agrícolas e com mudanças em seu programa de crédito.

COMO FUNCIONAM AS SOBRETAXAS AMERICANAS

Produtos importados pelos EUA do Brasil são sobretaxados atualmente em 10%, tarifa anunciada por Trump em 2 de abril. Ou seja, além das tarifas de importação já cobradas, há uma cobrança adicional de 10%. Essa alíquota será substituída pela de 50% a partir de 1º de agosto.

Um exemplo é o caso do etanol, de acordo com interlocutores. Os americanos impunham uma tarifa de 2,5% ao produto, elevada a 12,5% após a sobretaxa de 10%. Com o novo anúncio, a porcentagem sobe a 52,5% em agosto.

A sobretaxa não é adicionada a produtos que já sofrem tarifas setoriais, como aço e alumínio, sobre os quais há tarifas de 50%.

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