Mais pobres e mulheres pagam juros maiores no crédito pessoal

Uma image de notas de 20 reais

Imagem gerada por IA
Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os trabalhadores mais pobres e as mulheres pagam juros mais altos em empréstimos pessoais mesmo quando o risco de calote é retirado da mesa, em um sinal de que a desigualdade social brasileira se estende às taxas cobradas por instituições financeiras.

É o que mostra estudo publicado pelo Banco Central, que concluiu que existe uma relação inversa entre renda e taxa de juros no país.

Os trabalhadores que ganham entre 1 e 2 salários-mínimos pagam entre 28 e 44 pontos a mais em taxas do crédito pessoal do que os que ganham acima de 20 salários. A taxa média do crédito pessoal no período estudado, entre 2013 e 2019, foi de 146% ao ano.

A relação entre renda e juros segue uma escadinha: aqueles que ganham entre dois a três salários mínimos pagam juros até 32 pontos maiores na mesma comparação; de três a cinco salários, até 22 pontos a mais; de cinco a 10 salários, até 11 pontos a mais; e de 10 a 20 salários, até 2,5 pontos a mais.

“Mesmo desconsiderando-se diversos fatores, como o risco de crédito, a conclusão é que as pessoas com renda mais baixa continuam pagando juros mais altos”, aponta Fernando Chertman, um dos autores do estudo e professor de macroeconomia e economia matemática da Faculdade Belavista.

Mas a renda não é o único fator que determina taxas de juros desiguais. O levantamento concluiu que as mulheres, apesar de não terem um risco maior de inadimplência, pagam até 8,2 pontos percentuais a mais de juros do que os homens no crédito pessoal.

“As mulheres arcam com taxas de juros maiores inclusive que os trabalhadores informais, que pagam juros entre 2,8 pontos a 4,1 pontos mais altos do que os formais”, aponta Amanda Fantinatti, que é professora de economia da FEA-USP.

Para investigar o tema, os especialistas usaram modelos estatísticos e calcularam a probabilidade de inadimplência de diferentes perfis de trabalhadores a partir de dados do Banco Central e da Rais (Relação Anual de Informações Sociais).

Os efeitos do risco de crédito e de outras variáveis (como idade e valor do empréstimo, entre outros) sobre as taxas de juros foram então isolados para se determinar, sem outro tipo de viés, quais são as taxas cobradas das diferentes faixas de renda, gênero e tipo de ocupação.

Os pesquisadores afirmam que não é possível saber com certeza, apenas pelos dados, as razões de juros mais altos para a baixa renda e mulheres mesmo quando se desconsidera fatores como a inadimplência.

Mas há algumas teorias para essa desigualdade. Uma delas é o preconceito embrenhado na sociedade brasileira, que pode levar representantes de instituições financeiras a verem uma chance maior de inadimplência entre os mais pobres.

Outro ponto é o menor acesso da população de baixa renda à educação financeira, que a deixa em posição mais vulnerável na hora de negociar taxas melhores para o crédito pessoal.

Há ainda a possibilidade de que os bancos tenham informações mais detalhadas do que as utilizadas no estudo sobre os tomadores de crédito, com riscos que o levantamento não conseguiu captar.

Essa última opção perde força, entretanto, porque o estudo concluiu que a relação inversa entre renda e juros também aparece quando o mesmo cálculo é feito para o crédito consignado, que só é concedido para tomadores que os bancos consideram mais confiáveis e sobre os quais já possuem mais informações.

No caso das mulheres, os pesquisadores lembram que elas, tradicionalmente, são pior remuneradas do que os homens _nesse caso, pode ser que os dados sejam um reflexo mais da renda, refletindo um impacto indireto do preconceito de gênero.

“Não é possível extrapolar os dados e chegar à conclusão que necessariamente é preconceito. Essa descoberta do estudo reflete as próprias desigualdades de gênero, que fazem com que as mulheres sejam pior remuneradas”, afirma Chertman.

O estudo apontou ainda que os trabalhadores de profissões ligadas às exatas, como engenheiros e matemáticos, que possuem maior acesso à educação financeira, têm acesso a juros 1,3 ponto percentual menores. “Pessoas com maior educação financeira chegam no banco e conseguem negociar”, diz o professor da Belavista.

Por fim, os pesquisadores concluíram ainda que, se essas taxas maiores fossem totalmente revertidas para o bolso dos consumidores, o consumo poderia aumentar em 2,6% por ano em média, com benefícios ainda maiores para os mais pobres e trabalhadores informais.

Caminhar nessa direção, na avaliação dos pesquisadores, passa por mais educação financeira e igualdade nas relações sociais.

“Será que implementar educação financeira nas escolas não poderia ter um impacto até maior do que outras políticas? É algo que todo mundo deveria aprender porque tem impacto relevante na vida das pessoas”, afirma Fantinatti. “A conclusão do estudo é que a cidadania financeira, a inclusão e o conhecimento sobre finanças têm um impacto significativo sobre os juros”, reforça Chertman.

MAIS LIDAS

Voltar ao topo