Márcio Ferreira, do Cecafé: tarifaço de Donald Trump é desafio, mas não supera bom momento do setor

Uma image de notas de 20 reais
Márcio Ferreira, do Cecafé, durante evento em Campinas
(Divulgação)
  • Presidente da entidade diz que abertura de novos mercados e eficiência nas lavouras formam um cenário positivo para o produtor
  • Produção deve crescer 2,7% esse ano, chegando a 55,7 milhões de sacas, de acordo com os números da Conab
Por Bruno Cirillo Compartilhe: Ícone Facebook Ícone X Ícone Linkedin Ícone Whatsapp Ícone Telegram

[AGÊNCIA DC NEWS.] Os produtores de café brasileiros estão atentos ao xadrez global. Mas não estão agindo no impulso. Pelo menos é a leitura do presidente do Conselho dos Exportadores de Café (Cecafe), Márcio Ferreira. Segundo ele, a tarifa de 50% imposta pelo governo norte-americano aos produtos brasileiros é um desafio, mas não se sobressai ao bom momento do setor. Na safra de 2024/2025 aconteceu a terceira safra seguida com preços acima da média no mercado internacional – em maio deste ano, o grão atingiu seu pico, com recorde de 451 centavos de US$ por libra-peso. Segundo o Cepea, o café estava cotado no dia 26 de agosto a 395,05 centavos de dólar. Um ano antes, a cotação estava em 261,05 centavos de dólar. As exportações foram recordes em 2024, com 50,5 milhões de sacas embarcadas para o exterior. E tudo indica que a safra atual (2025/2026), apesar dos desafios com o governo de Donald Trump, deve superar a anterior: a Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) estima uma produção de 55,7 milhões de sacas, volume 2,7% maior. Segundo França, tem havido aumento substancial da demanda por café de países da Ásia e Europa e os brasileiros estão prontos para atender.

À AGÊNCIA DC NEWS, o executivo afirmou que o setor está altamente capitalizado e investindo em eficiência para acompanhar a abertura de novos mercados e as condições climáticas favoráveis. Pela demanda, há aumento da busca pelo comércio global de café (nos mercados e cafeterias) puxado pelo aumento do consumo da bebida na China, país onde o chá é mais típico, mas que hoje tem três milhões de consumidores de café.  O argumento da demanda, inclusive, foi usado pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, para explicar na segunda-feira (25) o motivo de os produtores de café não estarem no regime de compras especiais do governo federal, o Brasil Soberano, medida criada para dar sustentação aos setores que serão mais afetados com as tarifas. O ministro, inclusive, disse acreditar que os setores de café e carne deverão ter suas tarifas revistas pelos EUA em função da demanda do próprio país.

Enquanto isso, nas lavouras brasileiras, Ferreira diz que há um movimento de renovação dos cafezais, o que indica a colheita de uma nova safra recorde no ano que vem. Segundo ele, até agora, as safras vêm carregando um estoque remanescente das colheitas antigas e isso compensa o déficit ocasionado pela alta demanda. Ele diz que atualmente o estoque remanescente não é grande, “mas em compensação a produção que se espera para 2026 é realmente uma safra recorde”. Isso porque os produtores, capitalizados, estão investindo mais nos cafezais. A Conab indica um aumento na área total de 0,3% esse ano, para 412,6 mil hectares. Dentro disso, a área já em produção recuou 0,3% em relação à safra anterior, enquanto as áreas em formação, ou seja, em que os produtores estão investindo agora e devem entrar em vigor nos próximos anos, cresceram 5,3%. Confira abaixo entrevista com Ferreira:  

Escolhas do Editor

AGÊNCIA DC NEWS – Diante de todo esse impasse global, qual você considera o principal desafio do setor atualmente?
MÁRCIO FERREIRA Hoje, o desafio do setor é comunicar para o mundo o que o Brasil faz. Produzimos com sustentabilidade e temos um Código Florestal que é extremamente rígido, obrigando o produtor a preservar entre 20% e 80% da área, dependendo do bioma, mas acredito que o protocolo que o café brasileiro tem, pela sua história e por aquilo que representa, realmente faz com que possamos navegar num mar geopolítico muito difícil por causa das guerras e das tarifas americanas.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual foi ou tem sido o papel do Cecafé nas discussões sobre a tarifa de 50% imposta pelo Trump?
MÁRCIO FERREIRA Desde a primeira tarifa [10%], o Cecafé vem trabalhando junto ao NCA [National Coffee Association], que é a indústria americana, no sentido de mostrar a relevância do café para a economia e o fato de que o café também não compete com outros produtos, já que não é produzido ali nos Estados Unidos. Com o advento dos 50%, nós estamos tentando entender se iremos acentuar os esforços para reverter essa tarifa e isso só será possível através da diplomacia entre os governos brasileiro e americano, e obviamente com apoio também da iniciativa privada.

AGÊNCIA DC NEWS – O que indica que a solução seria mais diplomática do que comercial?
MÁRCIO FERREIRA No primeiro momento, a tarifa de 10% tinha como base a questão da reciprocidade. Nos últimos anos a balança comercial Brasil e Estados Unidos tem sido favorável aos Estados Unidos, e não contra. Quando nós vimos o anúncio de 50%, percebemos outro enfoque. Não era sobre reciprocidade. É uma questão geopolítica, do BRICS, que deve ser tratada em nível de diplomacia.

Aspas

Se nós produzirmos 65 milhões de sacas e o Brasil consumir 22 milhões, sobrariam 43 milhões de sacas para exportar

Aspas
Márcio Ferreira, Cecafé

AGÊNCIA DC NEWS – Como deve ser a exportação esse ano?
MÁRCIO FERREIRA Esse ano a gente espera uma exportação na ordem de 40 milhões de sacas. O recorde do ano passado ninguém esperava, e ainda tivemos uma situação de Vietnã e Indonésia com problemas. No ano atual, nossa safra não é tão diferente do ano passado, mas os estoques são menores. Se nós produzirmos 65 milhões de sacas e o Brasil consumir 22 milhões, sobrariam 43 milhões de sacas para exportar. Considerando que o produtor sempre retém uma parte e tem um estoque da safra anterior, há que considerar que vai exportar 40 milhões, talvez 42 milhões.

AGÊNCIA DC NEWS Em algum momento o Brasil poderá repetir o recorde de exportação de 50 milhões registrado em 2024?
MÁRCIO FERREIRA Com certeza. A demanda mundial cresce dois milhões de toneladas, 2% ao ano. E nós estamos falando de um crescimento sobre um consumo mundial de mais de 170 milhões de sacas. Daqui a dois anos, esses 2% serão 4%. Se você levar isso para o mercado asiático, nós podemos chegar a um consumo muito maior.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual é a demanda asiática hoje?
MÁRCIO FERREIRA – Hoje é uma demanda crescente, vamos falar assim. O principal foco é China, que hoje consome seis milhões de sacas. O número parece pequeno, só que você deve ter ouvido que ali, por exemplo, a maior rede de cafeteria tem três mil novos clientes por dia, pessoas jovens ou adultas tomando café. Quando você leva isso para uma população de um bilhão, hoje já há 300 milhões de consumidores de café na China. Isso vai criando uma cultura, um hábito.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual deve ser a maior preocupação do produtor dessa safra?
MÁRCIO FERREIRA Administrar os seus custos, ter consciência de qual é o seu custo. Quando você não sabe para onde você vai, qualquer lugar serve. E para o produtor, o lugar que você vai é administrar os seus custos. Porque o mercado, ele vai ser ditado por vários fatores, mas o seu custo é você quem controla. Se você teve a possibilidade de vender café três, quatro vezes acima do seu custo, isso é o que nós chamamos em inglês de outlier: fora da curva. Não tente repetir isso no ano seguinte, porque não vai acontecer. Você tem que procurar vender seu café na média de preço em uma safra, duas, três, quando o rendimento e lucratividade sejam animadores. Essa é a preocupação.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual a previsão de investimento em produção esse ano?
MÁRCIO FERREIRA O investimento é proporcional àquilo que o café está te dando. Como os últimos três anos foram muito bons para os produtores, isso não quer dizer que o produtor surfa só a onda boa. O produtor passou dez anos sofrendo com preços extremamente baixos. Mas os últimos três anos têm sido coisas muito boas. Se eu tenho um negócio cuja rentabilidade me dá, como a gente viu aí, mais de 100% de lucro, o investimento vai ser altíssimo.

AGÊNCIA DC NEWS – O investimento sobe, mas e o custo da produção?
MÁRCIO FERREIRA Cada um tem o seu, por isso que eu digo que o produtor tem que administrar. Mas se você olhar, por exemplo, o ano passado, o governo federal abaixou o preço mínimo do robusta e do arábica. Eu me lembro que eu participava de uma reunião em Brasília e aí perguntei: “Por que vocês baixaram o preço mínimo?”. E aí a resposta do governo foi “porque esse é o custo de produção”. Hoje, um conilon bem produzido não vai custar mais de R$ 500 por hectare. Um arábica bem produzido não vai custar mais do que R$ 800 por hectare.

AGÊNCIA DC NEWS – Qual é a tendência para os preços atualmente?
MÁRCIO FERREIRA A tendência do mercado no momento, e as condições climáticas como estão, é um ajuste de preços. É natural que o mercado se ajuste mais para baixo. Mas tem uma coisa importante que a gente deve acrescentar é que existe um player importantíssimo nas bolsas e ele se chama fundo. E o fundo eu costumo dizer que é igual aquela música, “quem sabe faz a hora e não espera acontecer”. O fundo nunca espera acontecer.

AGÊNCIA DC NEWS – Então ele antecipa a alta?
MÁRCIO FERREIRA Sim. Ele antecipa a alta, então ele compra no nível mais baixo e diminui a nossa alta. Esse mesmo fundo é rápido quando os indicadores são de que o mercado pode ceder. E aí ele é o primeiro a liquidar posições compradas. E a pergunta é: se um grande comprador na alta era o fundo e agora ele vira vendedor, quem vai comprar? Aí começa a faltar comprador até que o mercado ache o patamar justo.

AGÊNCIA DC NEWS – Devido à alta volatilidade, os produtores estão fazendo muito hedge, não?
MÁRCIO FERREIRA Sim, a volatilidade é muito grande atualmente. É enorme. Em 48 anos no café, eu nunca vi uma volatilidade igual. Essa volatilidade existe, atualmente, porque os fatores que levam o mercado para baixo indicam uma produção possivelmente recorde em 2026. É o fato de a indústria lá fora e supermercados terem estoques a preço muito caros, então o mercado vai esperar ao máximo para comprar. Daí a volatilidade quanto à queda.

AGÊNCIA DC NEWS – Quais características marcaram o comércio global do café na safra 2024/2025?
MÁRCIO FERREIRA Para o Brasil foi a exportação 50,4 milhões de sacas. Um recorde. E isso se deu pela nova legislação da Europa [a EUDR, que entrará em vigor em janeiro de 2026]. Com essa perspectiva os importadores europeus passaram a comprar muito mais café do Brasil. O Brasil aumentou 48% suas exportações. E desde deste ano janeiro entrou a safra do Vietnã. De janeiro até agosto, o Vietnã aumentou substancialmente a exportação também para a Europa.

AGÊNCIA DC NEWS – Já há uma expectativa para a próxima safra?
MÁRCIO FERREIRA – Para 2026, nós estamos preparados para uma safra recorde. E isso é fácil verificar quando se compara a lavoura atual com a do ano passado. A última safra recorde foi 70 milhões de sacas em 2020, e que segurou as exportações brasileiras em 2021, 2022 e 2023. Tanto que nós atingimos no ano passado o maior recorde de exportação. As safras vêm carregando uma atrás da outra um estoque remanescente que compensa o déficit. Hoje, esse estoque remanescente não é grande, mas em compensação a produção que se espera para 2026 é realmente uma safra recorde.

AGÊNCIA DC NEWS – Essa oferta maior deve derrubar os preços?
MÁRCIO FERREIRA Não necessariamente, já que a estrutura de preço conversa com uma demanda maior.

AGÊNCIA DC NEWS – E vocês têm acompanhado de perto a situação das lavouras?
MÁRCIO FERREIRA Trabalhamos em praticamente todos os elos da cadeia produtiva. Estamos muito ativos na questão de informar o produtor, levantando todas as questões ambientais. Somos nós que apresentamos a voz da cafeicultura brasileira para o mundo, reportando as necessidades que temos e o que estamos entregando.

AGÊNCIA DC NEWS – Diante de todo o cenário global, qual é a mensagem da entidade para os produtores no atual momento?
MÁRCIO FERREIRA Se o teu custo de produção é alto e existe uma tendência de valorização no mercado, como foi no ano passado, você retém e aguarda. Fique atento ao que está indicando o mercado. Mas se o custo de produção é bem abaixo do preço atual, por que insistir em reter a venda? Para o Vietnã vender no seu lugar? Quando você acordar e resolver vender, já perdeu os patamares de R$ 1.700, R$ 1.800 por saca, no caso do conilon, e de R$ 2.600, R$ 2.700 no arábica.

Voltar ao topo